Doses maiores

8 de outubro de 2018

O animal cordial à solta nas ruas

No livro “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Holanda criou o conceito de “homem cordial” para descrever o que seria o “caráter brasileiro”.

Mas ao contrário do que se costuma pensar, cordialidade, aqui, não é sinônimo apenas de gentileza. Segundo o historiador, a “inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado”.

O filme “O animal cordial”, de Gabriela Amaral Almeida, foi lançado recentemente. A época não poderia ser mais adequada. Nele, o personagem de Murilo Benício é dono de um pequeno restaurante, com uma carta de vinhos caros e um cardápio que inclui carnes tão exóticas como a de javali.

A “cordialidade” do pequeno proprietário está no desprezo por seus empregados. Na repulsa que sente por seu talentoso cozinheiro, gay assumido e consciente de sua competência profissional. Na raiva de sua mulher, que julga ociosa e perdulária.

Tudo muito privado. Tudo muito família.

O animal cordial comporta-se em seu restaurante como uma fera em sua matilha. Sua valentia de macho alfa certificada por uma pistola sob o balcão. Sempre pronto a fazer justiça entre as quatro paredes que administra como um rancho texano.

Se fosse preciso, alvejaria todos os que ameacem seus valores. Tanto os subalternos assalariados como os criminosos, claro. Mas seus clientes, também.

O animal cordial transpira biologia. Sistema límbico na chefia. O coração bombeia adrenalina e envia seus comandos diretamente ao dedo no gatilho.

Há quem classifique “O animal cordial” como filme de terror. É mais que isso. É quase um documentário.

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