Doses maiores

28 de abril de 2021

Uma breve história de militantes precários

O título acima pertence a um dos capítulos do livro de “Riding for Deliveroo”, de Callum Cant. Nele, ficamos sabendo que o conceito de "emprego precário" já era usado na Inglaterra do século 19.

Na época, o grande exemplo de trabalhadores precarizados eram os estivadores ingleses. Trabalhando nas docas, eles disputavam diariamente uma vaga nas operações de carga e descarga de navios.

Mas a atividade exigia uma cooperação que logo se transformou em solidariedade. Formaram-se grupos que só aceitavam tarefas em que permaneciam juntos.

Não demorou e eles passaram a negociar remunerações e condições de trabalho coletivamente. A organização cresceu e a categoria passou a ter grande liberdade de ação.

Uma greve nas docas de Londres realizada em 1889, por exemplo, paralisou 100 mil estivadores e conseguiu arrancar uma remuneração fixa para todos.

Fenômenos parecidos se repetiram em vários portos do mundo. E como tratava-se de uma categoria fundamental para o comércio mundial, seus integrantes ganharam muito poder de barganha.

Na Inglaterra, os estivadores conquistaram a regulamentação profissional em 1967. Mas ela veio com uma cláusula de produtividade que passou a dificultar o controle que eles sempre tiveram sobre seu trabalho.

Logo em seguida, os patrões começaram a implantar o sistema de contêineres. Uma inovação que diminuiu muito o número de estivadores e seu poder de mobilização.

Os entregadores de aplicativos estão em situação parecida à dos estivadores do passado. São precarizados, mas seu caráter estratégico pode alavancar lutas importantes.

Agora, como antes, a treta é direta, a união fundamental, mas também é imprescindível aprender com as conquistas e derrotas das lutas do passado.

Leia também: Com entregadores de aplicativos, a treta é direta

3 comentários:

  1. Vi a sua resposta na Pílula anterior. Penso que estivadores eram vitais, mas lembro em filmes que esses trabalhadores precarizados que transportavam mercadorias (acho q não necessariamente eram estivadores) eram recrutados na hora, e tinha sempre um monte querendo, e sobrava um monte, ficando felizes os que conseguiam. Só vejo tristeza em trabalhadores precarizados.

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    1. Sim, como diz o texto ele "disputavam diariamente uma vaga nas operações de carga e descarga de navios". Não tinham vínculos nem remuneração fixos. Mas a ideia é que toda situação contém contradições capazes de serem exploradas por um lado ou outro. A dependência do comércio mundial em relação aos estivadores dava-lhes a força necessária para lutar. Sua informalidade os livrava das amarras da legislação. Quando alcançaram o trabalho regulamentado, em tese melhoraram, mas também perderam a capacidade de se organizar por fora dos arcabouços legais e perderam parte do controle que tinham sobre seu ritmo de trabalho porque começaram a pagar levando em conta a produtividade. Logo em seguida, o transporte por contêineres diminuiu muito sua importância. Uma inovação gerencial. Enfim, a ideia é que o fato de ser precarizado não necessariamente inviabiliza a resistência e a conquista de vitórias. Ainda mais quando os entregadores se mostram cada vez mais necessários. E isso antes da pandemia. Mas mesmo que venham a conquistar boas vitórias não estão livres de sofrerem um revés equivalente à chegada dos contêineres. Até porque nenhuma vitória será definitiva sob o capitalismo, né?

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