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30 de agosto de 2021

Capitalismo escópico e a mercantilização do corpo feminino

“A imagem do corpo sexual foi intrínseca ao surgimento do que chamo de capitalismo escópico”, diz Eva Illouz em seu livro “The End of Love”. Tal capitalismo criaria um formidável valor econômico por meio da espetacularização dos corpos e da sexualidade, transformando-os em imagens que circulam em diferentes mercados. A dimensão visual faz do corpo um local de consumo, moldado por objetos de trocas comerciais. É convertido em um ativo na esfera produtiva do trabalho como uma imagem a ser vendida em diversas indústrias visuais.

A teoria feminista iluminou de maneira crucial o trabalho não remunerado das mulheres na formação e manutenção da máquina capitalista dentro da família. O capitalismo de consumo usa as mulheres de maneira diferente, por meio do trabalho performativo de produzir um corpo sexualmente atraente.

Na sociedade industrial, os homens exigiam que os corpos das mulheres estivessem à venda "apenas" por meio do casamento ou da prostituição. No capitalismo de consumo, a estrutura social e econômica que organiza a sexualidade é aquela na qual o corpo feminino já não é regulamentado pela família e passa por um processo generalizado de mercantilização que o faz circular em mercados ao mesmo tempo econômicos e sexuais, sexuais e matrimoniais.

Essa apropriação do corpo sexualizado feminino constitui uma expropriação de valor no sentido marxista: uma classe (homens) extrai valor do corpo de outra classe (mulheres). Isso, por sua vez, explica uma característica paradoxal da existência social da mulher contemporânea: enquanto o feminismo ganhou força e legitimidade, as mulheres foram redirecionadas para relações de dominação econômica por meio do corpo sexual.

Caracterização muito polêmica, mas debate necessário.

Lei também: Capitalismo escópico e sexualidade

4 comentários:

  1. Interessante. Vou pensar o que seria uma sexualidade exposta e não mercantilizada. Não conhecia a palavra escópica. Não existe na maioria dos dicionários que consultei. Neste informal: "Escópico. ADJ. Referente à escopia, ou seja, a um exame de imagens de raio X que analisa uma doença a partir de um ecrã fluorescente. OK, dá para entender a analogia. Neste fica mais próximo: "FILOSOFIA, PSICANÁLISE visão da imagem; percepção interior daquilo que se faz visível". Entendi no texto como o entender o que se passa internamente em relação à exploração visual do corpo feminino.

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    1. Escópico teria a ver com a imagem, a exibição. Não seria só com o corpo feminino, ainda que a exploração econômica deste seja a mais comum. Entendo que tem a ver também com a necessidade de transformar toda mercadoria em objeto visível. Ostentação, talvez? Pode ser

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    2. Na verdade, este trecho dá pistas sobre o que seria capitalismo escópico:

      "Tal capitalismo criaria um formidável valor econômico por meio da espetacularização dos corpos e da sexualidade, transformando-os em imagens que circulam em diferentes mercados. A dimensão visual faz do corpo um local de consumo, moldado por objetos de trocas comerciais. É convertido em um ativo na esfera produtiva do trabalho como uma imagem a ser vendida em diversas indústrias visuais."

      Uma formulação que pode ser tributária da Sociedade de Espetáculo, de Guy Debord, que ela chega a citar.

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