Ao discutir o conceito de propriedade em seu livro “O Amanhecer de Tudo”, David Graeber e David Wengrow lembram que entre muitos povos ameríndios:
Muitas vezes, os verdadeiros “donos” da terra ou de outros recursos naturais eram deuses ou espíritos. Humanos mortais são meramente posseiros, caçadores eventuais ou, melhor ainda, zeladores.
Não é incomum, dizem eles, que etnógrafos que trabalham com sociedades indígenas amazônicas descubram que quase tudo ao seu redor tem um dono, de lagos e montanhas a cipós e animais. Mas tal propriedade sempre carrega um duplo sentido: quem possui, tem o dever de cuidar.
Muito diferente da concepção de propriedade segundo o direito romano, que fundamenta muito do que se tornou a legalidade ocidental. Nela, a posse é definida segundo três direitos básicos: “usus” (o direito de usar), “fructus” (o direito de usufruir dos produtos de uma propriedade, por exemplo, o fruto de uma árvore) e “abusos” (o direito de danificar ou destruir). Se alguém tiver apenas os dois primeiros direitos, não é considerado legítimo proprietário. Propriedade verdadeira, portanto, seria a que apresenta a possibilidade de destruí-la.
É esta ideia de propriedade que acabou prevalecendo no mundo ocidental e foi imposta ao restante do planeta. E olhando para a destruição ambiental que nos rodeia, difícil discordar de que segundo essa lógica, propriedade e destruição são sinônimos.
Reafirmando o que disseram Graeber e Wengrow, entre muitos povos ameríndios, os seres humanos são meros zeladores dos recursos naturais. Mas, infelizmente, no caso dos povos marcados pelas tragédias da colonização, não há zelo capaz de proteger a eles e ao restante da natureza.
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Acho que para nossa sociedade a propriedade da terra, e todas as outras, está associada ao direito de ter, que supera à necessidade da sociedade usufruir, ou até mesmo o de preservar. É também conhecido que os povos originários tinham outros sentidos, condições de um momento da sociedade que sabemos não vai voltar. É importante sabermos, assim como nos querem fazer acreditar, que as sociedades nunca foram iguais às que temos hoje; agora, como recuperar esse passado transformando-o, é que é o problema.
ResponderExcluirExatamente. Até porque há uma enorme carga ideológica para nos fazer acreditar que a sociedade atual é a única possível e que sempre foi assim.
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