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29 de janeiro de 2024

Fé e Fuzil: a Teologia da Libertação contra a ditadura

A chamada Teologia da Libertação surgiu para “evitar a revolução”, diz Bruno Paes Manso em seu livro “A fé e o fuzil”. É verdade. Tudo começou com o Concílio Vaticano II, em meados dos anos 1960. Em plena Guerra Fria, a cúpula católica queria fazer sua parte na resistência ao comunismo, propondo uma leitura da Bíblia centrada na opção pelos pobres.

Mas dito isso, não se pode esquecer o papel fundamental de importantes setores católicos na resistência à ditadura militar no Brasil. Como diz Manso:

A articulação política da Igreja, os holofotes jogados nos porões, a análise crítica sobre a economia e a sociedade, a presença nas periferias e nas favelas e a defesa dos pobres das cidades formavam um poderoso projeto político de oposição, que dialogava fortemente com os anseios da época (...). Apostava-se na queda dos militares, na restituição da democracia para mediar o imenso potencial do sistema de mercado e adequá-lo à necessidade das pessoas.

A esquerda tornara-se “portadora dos sonhos e utopias urbanos, potencializados pelo carisma de um Jesus Cristo rebelde e progressista”. Estava sendo posto em prática “um projeto consistente, que gerava engajamento, contribuía para unir as forças de oposição” e contava com a participação de uma elite intelectual pronta para reassumir as rédeas do país.

Contra os militares, forjou-se “um projeto alternativo vinculado a uma maior participação popular”, conclui o autor.

Foi desse campo que saiu a poderosa liderança de Lula. Muitos de nós participamos de sua ascensão vitoriosa. Hoje, o projeto perdeu seu potencial utópico, golpeado pela distopia do neopentecostalismo conservador. Somos testemunhas de sua heroica, mas precária sobrevivência.

Leia também: Fé e fuzil: surgem os esquadrões da morte

4 comentários:

  1. Eu não acho que a Teologia da Libertação veio para evitar a revolução, não era um movimento neste sentido antagônico e explicito, penso que buscava uma outra opção pelos pobres, não para barrar o outro projeto, tinham outra alternativa, e uma parte dos católicos que aderiram à Teologia da Libertação se engajaram em dar guarida aos movimentos revolucionários, quando não saíram da Teologia da Libertação para se engajarem em partidos e movimentos revolucionários.

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    1. Já eu, acho muito difícil que a cúpula de uma instituição conservadora milenar como o Vaticano adotasse uma leitura "progressista" da Bíblia se não fosse para evitar o avanço da influência dos comunistas que, na Europa do período pós-guerra tornaram-se referência popular importante depois de serem a vanguarda no combate ao fascismo. A questão é que diante disso, a leitura puramente conservadora dos evangelhos já não dava conta. Tratava-se de disputar a hegemonia. E aí era preciso sofisticar a atuação dos sacerdotes. Agora, claro, que isso em lugares como a América Latina e, imagino, África e Ásia, assumiu formas inesperadas e contraditórias, possibilitando fenômenos como a resistência a ditaduras do sul global e a participação na criação de fortes polos populares de esquerda. Acho que é parecido com o que está ocorrendo agora, com Francisco assumindo papel importante na crise neoliberal, não para romper com a ordem capitalista, mas para recuperar a crescente e veloz perda de influência do catolicismo. Nem sempre para evitar a revolução é preciso adotar práticas contrarrevolucionárias. O PT tá aí pra mostrar isso. Abraço

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  2. Que estranho o jornalista Bruno fazer essa declaração sobre a Teologia da Libertação. Não conhece a história. Nem as contradições da Igreja Católica, como da Igreja Protestante. Parece um certo niilismo dele, querendo impingir uma leitura da realidade para justificar o caos, mas não ajuda em nada essa leitura, distorcendo/ simplificando a história.Que pena a leviandade das afirmações.

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    1. Mas eu concordo com ele. Exatamente pelas contradições que atravessam as instituições, das quais a Igreja Católica é uma das mais conservadoras, fenômenos como a Teologia da Libertação são possíveis. Mas tenho certeza que, mesmo surgida das comunidades de base, só foi assimilada pelo Vaticano por ser um mal menor diante da crescente influência e popularidade da esquerda. Que a Teologia tenha se manifestado com radicalidade revolucionária no Brasil, Nicarágua, El Salvador, não desmente essa origem conservadora, pelo menos no que diz respeito a sua oficialização pela alta hierarquia católica. Abraço!

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