Doses maiores

12 de janeiro de 2024

PCC, pentecostais e reprogramação mental

No início dos anos 1990, imperava imensa desordem nas periferias paulistanas. Para grande parte da população periférica masculina restava como ocupação “um mercado ilegal, cheio de armas e altamente competitivo”.

As chacinas se multiplicavam. Os jovens pobres e negros viviam acuados. O consumo de crack se espalhava e os conflitos se intensificaram ainda mais. Surgiram justiceiros populares que acabaram alimentando um ciclo interminável de vinganças.

Nessa situação, “seria possível produzir outras verdades, capazes de reprogramar as mentes e mudar os comportamentos homicidas? Haveria espaço para mudar comportamentos a partir de um discurso que convencesse os matadores a pararem de se matar?”. É o que pergunta Bruno Paes Manso em seu livro “Fé e Fuzil”.

A resposta veio com uma queda vertiginosa nos homicídios nas periferias paulistanas a partir dos anos 2000. Resultado da maior presença do PCC, que proibiu as vinganças e impôs regras brutais, mas claras e eficientes para as atividades criminosas.

Ao mesmo tempo, diz o autor, os pentecostais cresciam mais do que nunca, promovendo milhares de conversões no mundo do crime. Justiceiros tornaram-se devotos, passando a pregar o bom comportamento e o respeito a Deus e à família. Conhecendo de perto os problemas e aflições das “quebradas”, tornavam-se pastores respeitados.

“Tanto o PCC como as igrejas pentecostais são instituições criadas pelos pobres, para os pobres, que produziam discursos capazes de reprogramar as mentes. O novo Brasil pobre e urbano começava a inventar formas de se governar”, afirma Manso. Enquanto isso, a esquerda perdia terreno.

Reprogramação também pode ser chamada de disputa de hegemonia. Embate decisivo que, em breve, seria vencido pela extrema-direita.

Leia também: Fé e fuzil: crime e religião no Brasil do século XXI

2 comentários:

  1. Bom dia. Não li o livro do Bruno Paes Manso e não posso me manifestar a respeito. Limitarei meu comentário à frase que vc cito, cujo cerne é "criadas pelos pobres..." Creio que aqui há várias confusões que merecem análise cautelosa:
    1. pobre é uma categoria muito genérica, descritiva (mas sem critérios para tal descrição) e não relacional, o que a transforma numa espécie de 'bombril', servindo para quaisquer usos e permitindo mesclar desde classes médias até proletariado clássico e os trabalhadores informais (hoje os precarizados), também clássicos no país. Concordo entretanto que as Igrejas - pentecostais ou não e necessariamente incluindo a igreja católica - recebem grande quantidade de recursos desses setores populares. Porém não se limitam a eles e recebem enormes doações dos governos e do Estado (imunidades de impostos, no mínimo) e se converteram em empresas (todas)
    2. As origens do PCC e das religiões pentecostais são profundamente diversas. Quanto às igrejas neo e pentecostais, elas têm uma longa história no Brasil, de fato voltada originalmente para os setores subalternos e periféricos. Recebem entretanto, desde pelo menos a década de 1950, enormes aportes de recursos e de formação (teológica e política) de suas congêneres estadunidenses, que, por seu turno, tem estreita correlação com setores das classes dominantes por lá
    3. Sobre PCC, igrejas (variadas) e formas de governo, não creio que se trate de uma invenção, mas de formas adaptativas, que mais uma vez mesclam o arcaico e o 'moderno' (isto é o crescentemente capitalista) na garantia da perpetuação das condições centrais da ordem.
    Grande abraço,
    Virgínia

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    1. Oi, Virgínia. Obrigado pela pequena e excelente aula. Quanto à frase "criadas pelos pobres", talvez seja o lado bem mais jornalístico que sociológico ou histórico do texto e de seu autor. Abraço!

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