Em certa fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em seus entraves.
O trecho acima é do Prefácio à “Contribuição à Crítica da Economia Política”, de Marx, de 1859. Simplificando um pouco, digamos que forças produtivas seriam algo como vapor, eletricidade, petróleo, energia nuclear, informática, internete, etc.
Um das consequências mais importantes do surgimento de cada uma dessas forças produtivas deveria ser maior bem estar para a humanidade. Principalmente, pela eliminação de muito trabalho humano perigoso, exaustivo, insalubre, aborrecido.
Um exemplo de força produtiva surgida recentemente é a inteligência artificial e o ChatGPT é a grande novidade nesse campo. O programa causou espanto porque conversa e escreve textos como se fosse gente.
Tal como todas as outras inovações produtivas, poderia servir para livrar milhões de pessoas de tarefas repetitivas e sem sentido. Mas tal como aquelas todas outras inovações, o objetivo, mesmo, é livrar os patrões e empregadores da necessidade de empregar pessoas.
E aí que entram as relações de produção, que podemos chamar de relações sociais. No capitalismo, tais relações limitam todo o bem-estar que o chamado progresso tecnológico traria a uma minúscula minoria que pode comprá-lo e ainda lucra monopolizando o acesso a ele.
Em seu texto, Marx diz que quando esse choque ocorre, “surge uma época de revolução social”. Ou seja, aparecem sintomas de que é hora de nos livrar das relações sociais impostas pelo capital. Pode até ser, mas ainda nos falta muita inteligência humana para chegar a tanto.
Leia também: ChatGPT: contra o desemprego, em defesa das pessoas
Blog de Sérgio Domingues, com comentários curtos sobre assuntos diversos, procurando sempre ajudar no combate à exploração e opressão.
Doses maiores
▼
28 de fevereiro de 2023
27 de fevereiro de 2023
ChatGPT: contra o desemprego, em defesa das pessoas
Continuando a conversa sobre o ChatGPT, a última pílula dizia que o objetivo maior das inovações tecnológicas na área produtiva é apropriar-se das habilidades e conhecimento humanos para diminuir os custos com mão de obra.
No caso do ChatGPT, suas funcionalidades concentram-se na redação de textos dos mais variados tipos, desde que o programa seja instruído por orientações precisas.
Desse modo, está no horizonte a substituição de milhares de advogados, jornalistas, pesquisadores, programadores, etc, por “inteligência artificial” sob supervisão de algumas dezenas de especialistas. Isso sem falar na área da produção de imagens, na qual a ocupação de muitos desenhistas e outros profissionais da área também está com os dias contados.
Ou seja, não é preciso muita inteligência para saber que as mais recentes inovações cibernéticas têm muito pouco a ver com livrar as pessoas de tarefas cansativas, repetitivas, tediosas e até depressivas. Elas pretendem diminuir drasticamente os custos com força de trabalho humana, fechando postos de trabalho em áreas que são menos vulneráveis ao desemprego.
Claro que a resposta dos trabalhadores a esse processo costuma ser a defesa de seus empregos. É a típica reação sindical e é justo que seja assim. O problema é que, no limite, o objetivo dos sindicatos é negociar a venda da mercadoria trabalho pelo maior preço possível. Mas quando a demanda por essa mercadoria cai, a ação sindical perde poder de barganha.
Portanto, não basta defender empregos. É preciso proteger as pessoas. Mas para isso é preciso mudar radicalmente a lógica social. Superar a contradição entre forças produtivas e relações de produção. Este será o tema da próxima pílula.
Leia também: Inteligência artificial é o velho roubo das habilidade humanas
No caso do ChatGPT, suas funcionalidades concentram-se na redação de textos dos mais variados tipos, desde que o programa seja instruído por orientações precisas.
Desse modo, está no horizonte a substituição de milhares de advogados, jornalistas, pesquisadores, programadores, etc, por “inteligência artificial” sob supervisão de algumas dezenas de especialistas. Isso sem falar na área da produção de imagens, na qual a ocupação de muitos desenhistas e outros profissionais da área também está com os dias contados.
Ou seja, não é preciso muita inteligência para saber que as mais recentes inovações cibernéticas têm muito pouco a ver com livrar as pessoas de tarefas cansativas, repetitivas, tediosas e até depressivas. Elas pretendem diminuir drasticamente os custos com força de trabalho humana, fechando postos de trabalho em áreas que são menos vulneráveis ao desemprego.
Claro que a resposta dos trabalhadores a esse processo costuma ser a defesa de seus empregos. É a típica reação sindical e é justo que seja assim. O problema é que, no limite, o objetivo dos sindicatos é negociar a venda da mercadoria trabalho pelo maior preço possível. Mas quando a demanda por essa mercadoria cai, a ação sindical perde poder de barganha.
Portanto, não basta defender empregos. É preciso proteger as pessoas. Mas para isso é preciso mudar radicalmente a lógica social. Superar a contradição entre forças produtivas e relações de produção. Este será o tema da próxima pílula.
Leia também: Inteligência artificial é o velho roubo das habilidade humanas
3 de fevereiro de 2023
Inteligência artificial é só roubo capitalista das habilidades humanas
A grande sensação das notícias tecnológicas mais recentes foi o ChatGPT, programa de Inteligência Artificial que conversa e escreve textos como se fosse gente.
Na imprensa, cronistas, jornalistas e especialistas da área conversaram com o programa e o desafiaram a escrever crônicas, reportagens, teses acadêmicas e discorrer sobre suas próprias habilidades. Descobriram o óbvio. Não há nada que ameace os raros cronistas talentosos, os jornalistas geniais e os acadêmicos sofisticados. O redator sintético escreve textos medíocres e trava conversas sem grande brilho. Mas tudo perfeitamente funcional no contexto de uma sociabilidade, mídia e produção acadêmica que já são burocratizadas e automatizadas.
Mas a novidade não deveria ser considerada fraca apenas por isso. A lógica social que está por trás da inteligência artificial tem alguns séculos. É a lógica do roubo das habilidades manuais e intelectuais dos produtores por seus exploradores. A invenção considerada fundadora desse processo é o tear mecânico, concebido no século 18. Desde então, a sabedoria milenar de várias atividades vem sendo transferida e cristalizada em ferramentas mecânicas, elétricas e eletrônicas com um único propósito: retirar lucro de trabalho não pago. Trabalho excedente sem remuneração ocultado pela operação de engenhocas e autômatos de todo tipo.
Nessa lógica, a razão de ser da indústria de calçados, vestuário e veículos não é produzir sapatos, roupas e transporte barato, eficiente e sustentável. É o lucro para poucos a partir da exploração de muitos sem diminuir o sofrimento social. Afinal, como revela recente reportagem da Folha, “Quenianos recebiam menos de US$ 2 por hora para treinar ChatGPT”.
Depois de pequenas férias, continuaremos esse chat.
Leia também: Tiktokização e ultraconservadorismo
2 de fevereiro de 2023
O potencial anticapitalista dos espaços exílicos
Encerrando os comentários sobre o livro “Vivendo nas Fronteiras do Capitalismo”, de Denis O'Hearn e Andrej Grubačić, é importante destacar alguns pressupostos dos estudos apresentados na obra.
Em primeiro lugar, as recentes pesquisas do campo marxista-feminista apontando para a centralidade da reprodução e do trabalho reprodutivo na constituição da sociedade. Eles demonstrariam que a transformação do capitalismo requer não uma mudança fundamental na inovação tecnológica, mas nas relações sociais, em que a reprodução de nossas vidas é organizada como um processo coletivo e não mais subordinado à valorização do capital.
Em segundo lugar, estudos influenciados pelos escritos de Kropotkin sobre cooperação e associação voluntária levaram recentemente à criação de um novo campo de estudo: a pesquisa comparativa de espaços não estatais como expressões geográficas de cooperação e ajuda mútua que podem estar em contradição com o desenvolvimento do capitalismo.
A partir daí, O'Hearn e Grubačić fazem duas suposições: 1 - que as regras de desenvolvimento de espaços não estatais são independentes do capitalismo mundial e 2 - que os atores que povoam espaços não estatais estão totalmente fora do capitalismo.
Os autores chamam tais espaços de exílicos. Sua hipótese central prevê que esses espaços e seus atores interagem com processos, instituições e atores do sistema mundial, sendo necessário investigar como e em que grau essa interação limita sua autoatividade e como esses limites mudam ao longo do tempo.
A tradição marxista reluta em aceitar a existência de espaços externos ao capitalismo. Mas o que importa aqui é menos o debate teórico e mais o potencial anticapitalista das lutas abordadas pela obra. Sem dúvida, valiosas.
Leia também: A luta por dignidade nas prisões da Califórnia
1 de fevereiro de 2023
A luta por dignidade nas prisões da Califórnia
“Os Direitos do Homem”, de Tom Paine; “O Fim da América” de Naomi Wolf; “Desobediência”, de Howard Zinn. Estes e outros livros foram estudados pelos detentos da prisão Pelican Bay, na Califórnia, na primeira década deste século.
Mas a obra mais lida e debatida era a biografia de Bobby Sands, líder da comunidade dos homens-cobertor do sistema prisional de Belfast. Foi essa leitura que inspirou nos detentos a ideia de organizar uma greve de fome.
Confrontados com uma morte longa e lenta dentro do sistema, os prisioneiros já não “tinham nada a perder”. O movimento começou em 1º de julho de 2011, exigindo o fim do confinamento solitário. Demanda amplamente divulgada, inclusive em outros presídios.
Em outubro de 2011, uma segunda greve de fome envolveu todo o sistema carcerário da Califórnia, abrangendo 18 mil detentos. Em julho de 2013, mais de 30 mil prisioneiros daquele estado aderiram a uma terceira greve por 59 dias. Possivelmente, o maior movimento desse tipo na história mundial.
Na mesma época, começou a circular o “Acordo pelo fim das hostilidades raciais”. O documento pedia a todos os grupos raciais nas prisões californianas que acabassem com a violência de uns contra os outros.
A grande maioria desses detentos foi condenada por crimes comuns. Sua conscientização e resistência não surgiram de experiências políticas prévias, mas como resposta à injustiça e desumanidade do sistema.
É mais um relato do livro “Vivendo nas Fronteiras do Capitalismo”, de Denis O'Hearn e Andrej Grubačić, sobre o surgimento de espaços libertários nas brechas do capitalismo e nos lugares mais improváveis. Porque lutar por liberdade nunca é improvável.
Leia também: Os homens-cobertor constroem o comunismo na prisão