Doses maiores

25 de fevereiro de 2025

O tudo ou nada de Trump

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção e, com elas, todo o conjunto de relações sociais. A conservação do velho modo de produção numa forma inalterada era, pelo contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. O revolucionamento constante da produção, a perturbação ininterrupta de todas as condições sociais, a incerteza e agitação contínuas distinguem a época burguesa de todas as anteriores.

O jornalista Luiz Carlos Azedo citou as palavras acima no artigo “Um pouco de Marx para explicar as loucuras de Trump”, publicado no Correio Braziliense. São de Marx e Engels e estão no Manifesto Comunista. Segundo Azedo, o trecho mostra-se profético em relação ao governo Trump. Afinal, diz ele, “para modernizar a sua economia e enfrentar a China, o presidente dos Estados Unidos põe em xeque tudo o que obstrui suas intenções, inclusive a democracia e a ordem mundial”.

Faz sentido, mas Trump apenas escancara o papel caótico e desagregador que a burguesia e seus vários setores desempenham sempre que a luta de classes permite.

Os explorados estão desorganizados e desorientados. O sistema imperialista sob estresse, com vários polos em disputa. O império estadunidense debate-se em seu declínio, mas tem munição, literalmente falando, para aliviar seus problemas, causando muito sofrimento, destruição e morte, principalmente para as maiorias exploradas e oprimidas da população mundial.

É a aposta no tudo ou nada da dominação do capital. A ela os trabalhadores e a humanidade em geral deveriam responder tal como Rosa Luxemburgo há mais de 100 anos: contra a barbárie, só o socialismo.

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24 de fevereiro de 2025

O genocídio por inteligência artificial já chegou

“‘Blade Runner’, ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’, ‘O Exterminador do Futuro’, ‘Matrix’. Essas produções cinematográficas representaram um dos maiores temores da humanidade: o da sinistra criatura que se emancipa de seu criador, aniquilando-o”, escreve Pablo Elorduy, no artigo “A máquina dos assassinatos em massa: Vale do Silício abraça a guerra”, publicado recentemente.

Mas, adverte ele no mesmo texto, a questão:

...não é se as máquinas um dia se erguerão para colocar sua bota sobre o rosto da humanidade, mas sim como já estão sendo usadas para travar guerras, violar liberdades civis e silenciar populações dissidentes.

Hasbora, Replicator, Hivemind são programas de inteligência artificial capazes de matar dezenas de pessoas com uma simples operação. Mas eles não funcionariam, em toda sua capacidade, sem os dados fornecidos pelas gigantes da tecnologia Google, Amazon, Microsoft, Meta e OpenAI, cada vez mais “alinhadas ao projeto cultural, econômico e político encarnado pelo novo César americano, Donald Trump”, diz Elorduy.

Sem as informações fornecidas por meio de acordos como o Projeto Nimbus assinado em 2021 pela Google e Amazon com as autoridades israelenses, afirma ele, as forças israelenses não seriam capazes de cometer o massacre da população de Gaza.

Para completar, no início de fevereiro passado, a Google eliminou de suas diretrizes uma cláusula que proibia o desenvolvimento de IA destinada a fins militares.

Tudo isso mostra que a presença dos donos das big techs na posse de Trump não ocorreu a contragosto. Ao mesmo tempo, a utilização militar de inteligência artificial é bem anterior ao primeiro governo Trump.

As criaturas robóticas são sinistras, realmente. Mas muito menos que seus criadores.

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21 de fevereiro de 2025

Trabalho concreto, gelatina e códigos binários

No livro “Concreto: arma de construção massiva do capitalismo”, Anselm Jappe mostra que o concreto armado, amplamente presente nas construções contemporâneas, causa sérios problemas como pouca durabilidade, manutenção dispendiosa, impactos ecológicos e incompatibilidade com muitas das necessidades humanas. Sua utilização serve única e exclusivamente às necessidades de valorização do capital.

Jappe, no entanto, enxerga no concreto uma outra propriedade. Ele lembra que para Marx, no capitalismo, o trabalho é composto por trabalho concreto e trabalho abstrato. O primeiro é aquele que é portador de um valor de uso específico. Por exemplo, o pão feito por um padeiro ou o software escrito por um programador.

Já o trabalho abstrato é “puro dispêndio de energia humana”, que não leva em conta o tipo de atividade ou produto final. Como lembra o autor, no capitalismo, nenhum trabalho importa por sua singularidade e utilidade imediata, mas por sua rentabilidade. O trabalho concreto é apenas “uma porção maior ou menor de uma única substância, sempre igual, sem conteúdo ou particularidades”. Não à toa, Marx compara o trabalho abstrato a uma “gelatina” e Jappe diz que isso impõe à modernidade uma simplificação grosseira, resumida na busca incessante pelo lucro.

A partir dessa definição, o autor considera o concreto armado uma manifestação perfeita do trabalho abstrato. Uma “substância” indiferenciada que invadiu nossas vidas por todo o planeta.

Faz todo sentido, mas talvez outra “substância” também venha cumprindo esse papel nas últimas décadas. São as redes digitais, que se impõem cada vez mais como mediação das relações humanas concretas, transformando-as em códigos binários armazenados em nuvens abstratas, que servem exclusivamente à circulação das mercadorias.

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20 de fevereiro de 2025

O brutalismo sujo do capitalismo

Um dos elementos do filme “O brutalista”, de Brady Corbet, é o estilo arquitetônico que dá nome ao filme. A arquitetura “brutalista” surgiu no início do século 20 e alcançou o auge entre 1950 e 1970. Sua estética caracteriza-se pelo uso de concreto bruto e aparente.

O brutalismo arquitetônico é citado no livro “Concreto: arma de construção massiva do capitalismo”, de Anselm Jappe. Uma excelente resenha da obra está no artigo “O concreto armado”, de Lincoln Secco.

Mas a título de breve introdução sobre o tema do livro, ao utilizarmos amplamente o concreto nas construções descobrimos que sua vida útil é de pouco mais de 50 anos. As milhares de pontes em estado de avançada degradação são uma evidência disso. E o custo para recuperá-las torna mais econômico demolir as atuais e construir novas. Além disso, os restos de concreto resultantes das obras impactam fortemente a natureza, levando milhares de anos para desaparecer.

Enquanto isso, o Panteão ou o Coliseu da Roma Antiga, por exemplo, continuam em bom estado, há dois mil anos. E a grande maioria das construções já utilizadas pela humanidade são feitas de materiais derivados de seus ambientes, com durabilidade curta, mas facilmente substituível e assimilável por seu entorno. É o caso das casas de terra batida ou moradias indígenas. Podem ser abandonadas, caso seja necessário, sem maiores prejuízos e sem deixar material tóxico na natureza.

Jappe destaca outro interessante aspecto da utilização do concreto na atual sociedade. Trata-se de sua relação com alguns conceitos fundamentais da análise marxista do funcionamento do capital. Mas isso fica para a próxima pílula.

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19 de fevereiro de 2025

Notícias do fim do mundo na periferia

A pílula de hoje é apenas uma pequena sequência de notícias que, talvez, se explique por si mesma.

Brasil é o país do mundo com maior probabilidade de calor extremo até o fim da semana, aponta instituto europeu
Desde o fim de janeiro, uma redoma se instalou no Centro-Sul do país, e vários municípios passaram a registrar temperaturas acima da média mesmo para o verão

Mudanças climáticas devem deixar alimentos ainda mais caros
Segundo pesquisadores, o aumento dos fenômenos climáticos extremos pode colocar em risco a segurança alimentar global

Em ano de temperaturas extremas e COP30, Brasil anuncia entrada na OPEP+
Sociedade civil diz que decisão de participar formalmente do grupo de grandes produtores de petróleo soterra planos nacionais de transição energética.

Governo anuncia leilão para mais 47 blocos de petróleo na Foz do Amazonas
Ao todo, são 68 blocos incluídos na oferta na Amazônia Legal. Além dos 47 na Foz do Amazonas, onde o governo defende o licenciamento do bloco 59, há outros 21 blocos em terra disponibilizados para as petroleiras, cercando terras indígenas e unidades de conservação.

Gilmar Mendes propõe liberar mineração em terras indígenas, acolhendo sugestão de advogado da Potássio do Brasil
Em decisão individual na mesa de conciliação do marco temporal, o ministro acolheu sugestão do advogado da mineradora para permitir a exploração de minerais estratégicos em terras indígenas em caso de “relevante interesse público da União”.

Conheça dez parlamentares que negam a crise climática
Na Câmara, há quem argumenta se tratar de "farsa" o aquecimento global. No Senado, um senador questiona a ação humana nas mudanças climáticas

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18 de fevereiro de 2025

Big thecs: o autoritarismo neoliberal escancarado

Dora Kaufman é especialista dos impactos sociais da Inteligência Artificial e autora do artigo “É ilusão achar que regulamentar resolve tudo no meio digital”, publicado no Globo em 17/02/2025.

Como diz o título de seu texto, Dora preocupa-se com as dificuldades para que o “poder público” coíba abusos decorrentes da utilização da inteligência artificial. Seria preciso criar as leis adequadas, implementá-las e fiscalizar seu cumprimento. Tarefa que implicaria um “custo excessivo para o poder público”, diz ela.

A situação é ainda mais complexa, afirma Dora:

...pelo fato de as grandes empresas de tecnologia americanas, as big techs, se configurarem como principais “adversárias” do Estado nas iniciativas regulatórias. Elas dominam a infraestrutura digital e oferecem serviços essenciais tanto para a sociedade quanto para o próprio Estado. AWS (Amazon), Azure (Microsoft) e Google Cloud controlam quase 67% da computação em nuvem. Android (Google) e iOS (Apple) dominam o mercado de sistemas operacionais para smartphones, enquanto o Chrome (Google) detém 68% do mercado mundial de navegadores e o Safari (Apple), 17%. Além disso, no primeiro semestre de 2024, a Meta captou 64% dos gastos globais com anúncios em redes sociais.

Os números realmente são muito preocupantes, mas também reveladores. O fato é que regulamentações nunca passaram de um disfarce para encobrir a coincidência dos interesses de classe de monopólios privados e estados. Recorrer a elas hoje é insistir na farsa, ainda mais quando uma figura como Trump pilota a mais poderosa máquina governamental do mundo.

Muito dificilmente, haverá qualquer tipo de regulação. Mas, pelo menos, o autoritarismo do capitalismo neoliberal ficaria mais escancarado.

Leia também: Zuckerberg, Musk, Bezos têm razões

15 de fevereiro de 2025

O ovo, a galinha, a gripe e o lucro

Para que servem as fábricas de sapatos? Para calçar as pessoas? Não, para lucrar com a venda de calçados. O mesmo vale para as indústrias de alimentação e de construção. Aos milhões de desnutridos e sem-tetos não basta serem humanos. Precisam ser consumidores.

Esta é a lógica do capitalismo. Sempre foi. Nem sempre isso fica tão evidente. O fetiche consumista, a ideologia dominante e a capacidade ilusionista da indústria do entretenimento conseguem esconder essa natureza fria e cruel do capitalismo. Mas vira e mexe, surgem casos que escancaram tudo.

Um exemplo assustador é o que está acontecendo com a produção de ovos nas imensas granjas dos Estados Unidos. As informações estão em um vídeo disponível na conta do Instagram do pesquisador em microbiologia Átila Iamarino.

Ele explica que os inúmeros casos de gripe aviária naquele país vêm levando ao adoecimento, morte e abate de milhões de galinhas. O resultado tem sido uma escassez de ovos que fez disparar o preço do produto no mercado.

As poucas grandes empresas do ramo contam com seguros para eventos como estes. Acontece que a indenização é paga em valores proporcionais aos que o produto teria caso chegasse aos consumidores. Ou seja, sobe o preço do ovo, sobe o valor das indenizações.

Resultado: muitos criadores estão simplesmente deixando seus galináceos adoecerem. Desse modo, conclui Iamarino, deixaram de criar galinhas para, não só criar gripe aviária, como condições para uma nova pandemia.

Ou seja, àquela velha pergunta sobre o que vem primeiro, o ovo ou a galinha, a resposta segundo a lógica capitalista é: o lucro.

A saúde pública? Que se dane.

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Cessar-fogo e lucros cessantes
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14 de fevereiro de 2025

O cinismo neoliberal e a normalização do ódio

Há autores e pesquisadores que falam em racionalidade neoliberal ou teologia neoliberal no sentido de que o neoliberalismo se impôs não apenas como uma teoria econômica, mas como um novo modo de ser. Após 40 anos de sua disseminação por grande parte das sociedades no mundo, é difícil discordar dessa ideia.

E um dos elementos dessa racionalidade é, sem dúvida, o cinismo. Mas não o cinismo filosófico da tradição grega, que buscava mostrar a verdade nua e crua. Em seu recente artigo "O pós-modernismo e este ar cínico que se respira", o filósofo Alfons C. Salellas Bosch explica que:

O cinismo do nosso tempo baseia-se num desprezo pela bondade, numa desconfiança sistemática da honestidade e numa suspeita constante do altruísmo, se não numa negação direta da benevolência que outros possam expressar. Uma atitude geral em relação ao mundo e à vida caracterizada por um anti-idealismo deliberadamente provocativo – e, por vezes, estupidamente rude – através de um pretenso pseudo-realismo amoral, que descarta como ingênuo ou falso tudo o que pode conferir ao comportamento humano algum tipo de esplendor. Não precisa acrescentar que, ao contrário do passado, o cinismo de hoje só toma a felicidade como motivo de escárnio.

Desse modo, afirma Bosch, respira-se um ar cínico, que é “indiferente na melhor das hipóteses, hostil na pior, só sabe ver cálculo e estratégia em tudo e em todos – o que em algumas sociedades levou à normalização do ódio – e cujo oposto não é a afetação e a ingenuidade, mas o respeito e a sensibilidade”.

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12 de fevereiro de 2025

Os comunismos originários de nossos dias

“A história da humanidade é a história das lutas de classes”, dizia o "Manifesto do Comunista", de Marx e Engels, publicado em 1848. Mas vários anos depois, seus autores tomaram contato com evidências cientificas de antigas sociedades em que a divisão de classes não teria ocorrido. Era o chamado “comunismo primitivo”, conceito que alguns preferem traduzir como “comunismo originário”.

Desse modo, o comunismo que os socialistas tentavam construir como projeto de futuro encontrava precedentes positivos num passado longínquo. Ao mesmo tempo, já nos tempos de Marx e Engels, a Comuna de Paris surgia como possibilidade concreta de uma organização social radicalmente democrática e igualitária. Uma experiência que permaneceu como referência até que veio a Revolução Russa, cujos líderes também haviam se inspirado nos revoltosos parisienses. A partir de então, a União Soviética passou a servir como modelo de sociedade socialista em construção.

Ocorre que a contrarrevolução stalinista logo substituiu as possibilidades emancipatórias da Revolução Russa pelo objetivo de construir uma superpotência capaz de disputar o jogo imperialista. Derrotada, a União Soviética poderia ter dado lugar à China como novo paradigma se esta não tivesse escolhido integrar-se à produção capitalista para aperfeiçoá-la. Revoluções como a cubana e as africanas jamais tiveram condições de se colocar como alternativas viáveis.

Assim, os socialistas entraram no século 21, aparentemente, desprovidos de referenciais concretos de sociedades igualitárias. Mas só aparentemente. Atualmente, existem e resistem muitas sociedades comunais igualitárias no mundo. Muito especialmente, as indígenas, repletas de elementos capazes de inspirar modos de viver plenamente humanos. Os comunismos originários podem apontar caminhos para fora dos becos sem saída do comunismo europeu.

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11 de fevereiro de 2025

Sociedade protetora do capitalismo fóssil

Em 1927, um manifesto chamado “Por uma sociedade de proteção às máquinas” foi publicado por Fedele Azari, pintor e aviador italiano. Integrante do futurismo, movimento artístico surgido na Itália no início do século passado, Azari cultuava as máquinas a ponto de defender a criação de uma associação em sua defesa, inspirada nas associações protetoras dos animais.

Entre os “delitos mais comuns” denunciados por Azari, estava, por exemplo, “acelerar exagerada e repetidamente, sem necessidade, um motor”, comparando esse comportamento ao ato de “chicotear um cavalo”.

Daí a urgente necessidade de agir com “o propósito de proteger e fazer respeitar a vida e o ritmo das máquinas e especialmente dos motores, que dentre as máquinas são os mais sociáveis”, diz o manifesto.

Mas Azari também antecipou alguns desenvolvimentos tecnológicos que na época estavam apenas iniciando. “Temos máquinas falantes”, dizia ele. “Máquinas que raciocinam”, “cérebros de aço”. Além disso, continua, “a telemecânica nos permite dirigir ou fazer voar, sem piloto, automóveis e aviões”. Assim, profetiza o autor, “no futuro todos estes mecanismos serão acoplados e combinados e criar-se-ão máquinas que, após terem recebido instruções verbais, irão executar determinados trabalhos com a máxima precisão e com constância louvável”.

Os futuristas eram grandes entusiastas do fascismo, mas não há evidência desse tipo de simpatia por parte de Azari. De qualquer maneira, tanto apreço pelas máquinas demonstrava uma submissão patológica ao processo de combustão que viria a ameaçar grande parte da vida no planeta um século depois. E impossibilitou que o autor do manifesto compreendesse que o capitalismo fóssil é acima de tudo um exterminador de futuros.

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10 de fevereiro de 2025

Andrée Boulin, heroína da luta anticolonial

O documentário “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, de Johan Grimonprez, é um espetáculo de direção, montagem e música voltado para denunciar a sujeira que os países imperialistas fizeram com o Congo, em 1960.

Em pleno processo de descolonização, o país africano teve seu líder, Patrice Lumumba, deposto e covardemente assassinado. E tudo isso devido a ações de Estados Unidos e Bélgica, utilizando a ONU como instrumento de agressão. Fazendo o papel de fio condutor, o melhor do jazz estadunidense.

Mas uma importante personagem dessa história é Andrée Blouin, militante feminista e mentora intelectual de Lumumba. No verbete da Wikipedia sobre ela, ficamos sabendo que:

Em sua autobiografia, Andrée Blouin afirma que a morte prematura de seu filho foi a principal motivação para se tornar uma ativista política. A morte foi causada por malária e poderia ter sido evitada com a utilização de medicação adequada. Ocorre que Andrée era considerada mestiça, por ter mãe africana e pai europeu, e teve o tratamento médico necessário negado, apesar de ela e seu filho terem cidadania francesa. Andrée, então, lançou uma campanha contra a “Lei Quinina”, que proibia pessoas de ascendência africana na África Equatorial francesa de receber medicação apropriada para tratar a malária.

Perseguida pelas forças imperialistas, teve que fugir do Congo, mas viria a participar dos processos de independência da Guiné e da República Centro-Africana, sua terra natal.

Ou seja, Andrée merece um filme somente para ela, com a mesma qualidade artística e compromisso político da produção de Grimonprez. E, quem sabe, no lugar do jazz, a riqueza e diversidade da música africana.

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8 de fevereiro de 2025

Redemocratização e onda conservadora no Brasil e em Portugal

Em dezembro, a Revista Poli trouxe uma entrevista com o pesquisador português Manuel Loff. Entre os vários temas abordados está uma comparação entre os processos de redemocratização em Portugal e no Brasil, nos anos 70/80. O primeiro surgiu de uma revolução. O segundo de um acordo pelo alto.

Essa enorme diferença possibilitou que, em Portugal, as conquistas sociais e democráticas fossem muito mais sólidas e duráveis. Por outro lado, a sociedade portuguesa tinha mais a perder. No Brasil, ao contrário, partimos de uma situação sob grande controle das classes dominantes, mas os movimentos sociais e a esquerda foram avançando em suas conquistas com muita luta, ainda que gradualmente.

Como Loff destaca:

...são dois processos muito diferentes. Um, o português – não quero exagerar, mas fazendo uma mediana do processo –, permanentemente em perda; o outro, brasileiro, permanentemente em ganho – lento, muito lento –, até 2014. E desde então o processo, como em muitos outros países onde o neoliberalismo se transforma em opção autoritária, faz chegarmos a pontos relativamente semelhantes da política econômica.

O ano de 2014 marcaria a virada conservadora no Brasil, com o início da campanha pelo impeachment de Dilma. Em Portugal, o governo socialista começava a consolidar privatizações que foram impostas ao país para seu ingresso na zona do euro, no final do século passado.

Dada a origem revolucionária do processo de redemocratização lusitano, a extrema-direita enfrentou maior resistência para se tornar uma força política viável. Mas isso vem mudando rapidamente. Em março de 2024, o partido neofascista “Chega” pulou de 12 para 48 cadeiras no parlamento nacional.

Leia a íntegra da entrevista aqui.

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6 de fevereiro de 2025

Zuckerberg, Musk, Bezos têm razões

Ao se negar a controlar os algoritmos de ódio e discriminação de suas redes virtuais, o proprietário da Meta faz o que qualquer capitalista faz. Cuida de seus lucros. Ao morder a mão do estado que o alimentou, promovendo o desmonte das estruturas públicas que não o interessam, Musk faz o mesmo.

Não peçam aos donos ou acionistas majoritários das petroleiras que abram mão dos enormes lucros que conseguem explorando combustível fóssil para salvar grande parte da humanidade do colapso climático. Isso não faz sentido tanto quanto pedir algo semelhante a Zuckerberg e Musk, em nome de salvar a “democracia” ou respeitar o bem coletivo.

A presença dos dois, mais Bezos e executivos da Microsoft, Apple e Google na posse de Trump é mais do que esclarecedora. Todos eles têm razão. Ou melhor, todos eles têm as suas razões. As razões da acumulação do capital, da opressão e ataques aos setores minoritários ou minorizados, da exploração econômica, da destruição bélica e da espoliação territorial, cultural, mineral, energética e ambiental dos países periféricos.

Ao mesmo tempo, em relação aos interesses da enorme maioria da humanidade e de grande parte da vida no planeta, todos eles estão completamente errados. O gesto nazista do dono da X não deixa dúvidas sobre isso e o torna representante legítimo e pleno de seus colegas bilionários e do governo a que eles servem e do qual se servem.

Leia também: O imperialismo na fase digital do capitalismo

5 de fevereiro de 2025

Jus soli, jus sanguinis e racismo sanguinário

“Jus soli” é uma expressão latina que significa "direito de solo" e indica um princípio pelo qual uma nacionalidade pode ser atribuída a um indivíduo de acordo com seu lugar de nascimento.

O jus soli contrapõe-se ao “jus sanguinis” que significa "direito de sangue". Trata-se do princípio pelo qual a nacionalidade é determinada ou adquirida pela nacionalidade de um ou de ambos os progenitores.

Os esclarecimentos acima estão na Wikipédia e são necessários para explicar por que Donald Trump anunciou que pretendia revogar a nacionalidade de filhos de imigrantes sem cidadania que nasceram nos Estados Unidos. Ou seja, o presidente estadunidense pretendia adotar o "direito de sangue" como única forma de permitir a concessão de cidadania a imigrantes.

Não deu certo porque há um princípio equivalente ao “jus soli” na Constituição estadunidense. Mas as ameaças não levadas à frente por Trump não costumam gerar frustrações entre seus seguidores. Ao contrário, acabam por inflamar neles mais racismo e xenofobia. A discriminação racial que ele não consegue incorporar na lei insufla ainda mais o ódio racista das ruas e aparatos de repressão.

Na verdade, são muito fortes as suspeitas de que por trás das legislações dos países que optam pelo “jus sanguinis” há motivações racistas. Por consequência, nada mais coerente com o fascismo de Trump que a tentativa de adotar uma prerrogativa baseada na herança sanguínea.

Até porque tudo indica que o novo chefe de um dos países mais racistas do mundo pretende derramar muito sangue de não brancos em solo estadunidense e fora dele.

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4 de fevereiro de 2025

O agronegócio e o ar engarrafado

Destaque para uma entrevista publicada na mais recente edição da revista Poli, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.

O entrevistado é o epidemiologista evolucionário estadunidense Rob Wallace, integrante do Corpo de Pesquisa em Economia Rural e Agroecologia dos Estados Unidos, que estuda alternativas ao atual sistema agroalimentar.

São várias informações interessantes e importantes, mas no trecho abaixo, Wallace afirma:

...no que diz respeito aos agrotóxicos, o agronegócio vê a natureza como um competidor econômico, que deve ser derrotado. Não é só “vamos usar a natureza como um recurso”. Porque a natureza, se permitida, pode fornecer serviços ecossistêmicos gratuitamente. Você pode obter um solo saudável, pode fazer com que morcegos e pássaros se alimentem de pragas. Ela fornece o sol, a água se for bem cuidada. Mas se você é uma empresa, você quer que seu agricultor não seja capaz de ter um solo rico para o qual ele não precisa de fertilizantes. Por que ter morcegos e pássaros se alimentando de pragas ou ter culturas- armadilha que podem atrair essas pragas para longe de sua safra comercial, se você pode usar um agrotóxico? Ver a natureza como concorrente possibilita que você possa forçar o agricultor a pagar pelo que antes eram serviços ecossistêmicos gratuitos. Isso é chamado de mercadoria fictícia. Você transformou algo que antes estava disponível gratuitamente em uma mercadoria. É a mesma coisa com a água. De repente, você está comprando água engarrafada porque não pode mais beber água limpa. Em que ponto vamos partir para o ar engarrafado?

Tem muito mais na entrevista, que merece ser lida na íntegra.

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3 de fevereiro de 2025

COP30 em plena fornalha

Segundo reportagem da agência Deutsche Welle, o índice de cobertura vegetal por habitante recomendado pela Organização Mundial da Saúde é cerca de 9 a 12 árvores por metro quadrado. Belém, em plena Amazônia, tem hoje uma média de 2,5 árvores por metro quadrado para cada morador.

Como todos sabem, é lá que vai acontecer a 30ª edição da Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP30.

Belém é capital do estado que foi um triste recordista nacional em desmatamento em 2024, com 73.836 km². Uma área pouco menor que um país como a Escócia, por exemplo.

Santarém, outro grande município paraense, entrou em estado de emergência em setembro último devido às queimadas. Ocupou, naquele momento, o segundo lugar como cidade mais poluída do mundo, atrás apenas de Nova Délhi, na Índia.

Enquanto isso, indígenas ocupam a Secretaria Estadual de Educação, em Belém, desde o dia 23/01/2025. Protestam pela substituição das aulas presenciais em suas aldeias por transmissões online. Sendo que até o fornecimento de energia elétrica é precário em seus territórios. O detalhe é que a empresa contratada para transmitir as aulas é a Starlink, de Elon Musk, hoje alto funcionário do campeão mundial do negacionismo climático, Donald Trump.

Nada disso deveria surpreender. A última COP, aconteceu no Azerbaijão, conhecido como o berço da indústria moderna dos combustíveis fósseis. Ou seja, a Conferência do Clima das Nações Unidas, depois de montar seu circo em um dos grandes fornecedores de petróleo e gás do mundo, vai se instalar em uma das maiores fornalhas do planeta.

Negacionistas e poderosos do capitalismo fóssil agradecem.

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