O hip-hop nasceu da resistência à discriminação social, racismo, violência policial, falta de direitos básicos. Seus criadores eram negros, porto-riquenhos, jamaicanos e outros setores marginalizados da população estadunidense.
Esse caráter combativo está explícito na letra dos melhores raps, mas não apenas neles.
Jovens pobres criaram o grafite para mostrar que tinham ocupado com sua arte os territórios em que foram abandonados para morrer.
Os movimentos quebrados do break recusam o corpo domesticado que a disciplina autoritária da fábrica, do quartel e das escolas tenta impor.
O DJ dá vida nova a sons que permaneceriam sepultados no vinil se dependesse da reprodução gangrenada da indústria fonográfica.
O hip-hop nasceu para alegrar, mas pegou raiva quando seus adeptos passaram a ter seus bailes interrompidos pela polícia e proibidos pelas autoridades.
Teve seu ódio despertado pela violência com que suas cores, gestos, roupas, jeitos de cantar e dançar foram tratados.
Mas o hip-hop olha para a luz cada vez que tira crianças e jovens da ignorância e da ira sem direção. Quando mostra quais são seus verdadeiros inimigos e os acolhe num abraço firme de combatente.
Tudo isso fez do hip-hop uma cultura de resistência e luta, que tem no Estado um de seus maiores inimigos e no mercado uma força que procura amansá-lo.
Por isso, o hip-hop não precisa que o Estado o reconheça como movimento cultural, como quer um projeto de lei. Também não pode ser reduzido a uma ocupação profissional, como pretende outra proposta legislativa. Ambas no Congresso Nacional. As duas exigem uma resposta firme do hip-hop coerente com suas origens.
Não à pacificação do hip-hop!
Leia também: Hip Hop contra ficha limpa pra torturadores
Blog de Sérgio Domingues, com comentários curtos sobre assuntos diversos, procurando sempre ajudar no combate à exploração e opressão.
Doses maiores
▼
30 de janeiro de 2014
Ingredientes para um enorme molotov social
Mauro Zanatta publicou a reportagem
“Presidente teme efeito ‘devastador’ à imagem do País”, no Estadão de 27/01. Um
trecho diz:
Uma "aliança", ainda
que não combinada, entre índios, trabalhadores sem terra, movimentos de sem
teto e facções no controle de presídios às vésperas da Copa da Fifa de Futebol
tem mantido o governo sob permanente tensão e obrigado ministros a uma intensa
troca de informações de bastidores sobre esses "termômetros" sociais.
O texto também cita os
rolezinhos e a volta dos black-blocs. O jornalista tem razão. Não há nenhuma
conspiração golpista nisso tudo. Se alguém criou essa mistura explosiva foi o
próprio governo.
Os direitos dos indígenas
estão sendo atropelados por empreiteiros, mineradoras e agronegócio. Setores com
que o governo construiu sua base de apoio no Congresso e fora dele.
As obras para a Copa não
acarretaram apenas uma montanha de dinheiro desperdiçado e roubado. Também
produziram milhares de sem-tetos.
Por dez anos, o governo
federal assistiu imóvel ao encarceramento em massa que transformou os presídios
superlotados em matadouros explosivos.
O lulismo apostou no consumo
como ascensão social e ajudou a tornar os shoppings fortalezas a serem
conquistadas pela juventude pobre.
A estupidez violenta das PMs estaduais
não é apenas tolerada. O governo federal resolveu legalizá-la e reforçá-la com
suas próprias tropas.
O caos urbano é produto
direto da aposta no financiamento público da indústria automobilística e do
correspondente abandono dos transportes públicos.
A polícia procura molotovs nas
mochilas e bolsas dos manifestantes. Mas as verdadeiras bombas estão sendo
fabricadas nos palácios do poder. Os fósforos estão nas mãos dos governantes. Acesos.
Leia também: Veteranos
das “Diretas Já” que nos envergonham
29 de janeiro de 2014
Dilma foi a Davos entregar sua carta aos exploradores
“Grandes empresários preferem
Aécio, mas acham que Dilma leva”. Este era o título de reportagem publicada
pelo Valor, em 17/05/2013. Citava pesquisas feitas com presidentes de 97 das
200 maiores empresas privadas do país.
Segundo o levantamento, 66% dos
entrevistados preferiam o tucano. É verdade que Dilma tinha 65% na população em
geral, mas isso não basta para o projeto petista para o País. E Davos acaba de
mostrar isso.
O discurso de Dilma na Suíça pode
ser considerado uma nova "Carta aos Brasileiros". Em busca da reeleição,
ela reedita o documento divulgado por Lula nas eleições de 2002 para
acalmar o “mercado”. É uma nova “Carta aos Banqueiros”.
Alguns trechos do que Dilma disse:
"Buscamos com determinação a
convergência para o centro da meta inflacionária". "A
responsabilidade fiscal é um princípio basilar da nossa visão do
desenvolvimento econômico e social". "Em breve, meu governo definirá
a meta de superávit primário para o ano consistente com a redução do
endividamento público."
Davos reúne os representantes
dos maiores exploradores do mundo. São banqueiros e empresários a quem o
governo petista quer agradar a qualquer custo. Não somos nós que dizemos. As
palavras são do petista André Singer, ex-porta-voz do governo Lula:
A ida de Dilma Rousseff ao
Fórum Econômico Mundial faz parte de um árduo roteiro, uma espécie de caminho
de Compostela, que a mandatária se vê condenada a cumprir para obter a
absolvição dos endinheirados. Há um ano o governo busca, sem sucesso, mostrar
ao mercado financeiro que desistiu da "aventura" desenvolvimentista e
deseja restabelecer o "status quo ante" (Folha de S. Paulo,
25/01/2014).
Leia também: Dilma reafirma pacto
conservador
27 de janeiro de 2014
As origens igualitárias da fé muçulmana
Quando Maomé começou a
defender uma nova fé incomodou os poderosos da época. Não porque ele afirmasse que
há somente um deus. Judeus e cristãos já defendiam o monoteísmo muito tempo antes.
Segundo o livro “No god but God”, de Reza Aslan, a hostilidade a Maomé surgiu de sua defesa da antiga
ética tribal, que era igualitarista e recomendava cuidados especiais em relação
aos mais fracos e incapazes.
Estes princípios teriam sido
abandonados durante o domínio dos coraixitas. Esta tribo dominava Meca, que já era
um centro religioso do mundo árabe muito antes do islamismo. Seus membros se
enriqueceram e acumularam poder explorando a fé popular.
Perseguidos pelos coraixitas,
Maomé e seus seguidores abandonaram Meca. Criaram a cidade de Medina, onde
organizaram uma federação de aldeias. O evento foi tão marcante que é
considerado o Ano 1 do calendário islâmico.
Um dos princípios da nova
comunidade era a igualdade de todos, independentemente de suas posses
materiais. Um imposto foi criado e sua arrecadação destinada aos mais pobres.
O
Corão justifica esse tributo dizendo que verdadeiramente virtuoso é aquele que “distribuiu
seus bens em caridade por amor a Deus, entre parentes, órfãos, necessitados,
viajantes, mendigos e para a libertação dos escravos”.
Com a crescente
institucionalização da fé muçulmana tais princípios foram abandonados. Surgiram
interpretações autoritárias do Corão para justificar a existência e aceitação
de uma elite sacerdotal.
Mas as origens igualitárias
do islamismo continuam presentes na militância de seus adeptos de esquerda no
mundo todo. Desmentem os que tentam mostrar a fé de 1,5 bilhão de pessoas como um
único credo fanático, intolerante, autoritário e injusto.
Leia também: Um
livro muçulmano contra a intolerância
26 de janeiro de 2014
Veteranos das “Diretas Já” que nos envergonham
Os órgãos da imprensa
comemoram os 30 anos do primeiro grande comício das Diretas Já. Muitos deles
fingem celebrar algo que temiam na época e continuam a temer hoje: as
manifestações populares. Mas ganharam a vergonhosa companhia de muitos dos que
foram às ruas em 1984.
O movimento pelas eleições
diretas para presidente iniciou o que o historiador Lincoln Secco chamou de
“Revolução Democrática”. Um período que foi até 1989, marcado por milhares de
lutas e duas grandes greves gerais. Pelo surgimento e fortalecimento de um polo
de oposição socialista formado por CUT, MST e PT. A classe dominante colocada
na defensiva.
Tudo isso foi canalizado para
a uma Constituinte controlada pelo poder econômico e para eleições fortemente
influenciadas pela Rede Globo. A partir daí, o processo eleitoral passou cada
vez mais a transformar rebeldes em despachantes do Poder. Os sindicatos se
especializaram em fazer de piqueteiros burocratas do Capital.
Trinta anos depois, temos
governos cheios de veteranos das Diretas que se aposentaram das lutas para
trabalhar para os poderosos. Sua última proeza foi aprovar uma lei contra manifestações
e greves no período da Copa do Mundo. Ou seja, trocaram suas bandeiras de luta
por canetas que autorizam a repressão às manifestações populares.
O povo nas ruas pode
representar um novo esgotamento popular diante dos acertos feitos pelo alto
para manter uma ordem injusta. As Diretas foram uma luta por representação
democrática. As atuais manifestações mostram que essa representação jamais se
concretizou. Não sabemos se estamos à beira de outra revolução democrática. Mas
já sabemos com quem não podemos contar se ela vier.
Leia o texto de Lincoln Secco
24 de janeiro de 2014
Preconceito social, racismo e consumo
Pesquisa do Datafolha indicaria
que 82% dos paulistanos são contra os rolezinhos. Além disso, 80% concordam com
proibições decretadas pela Justiça e 73% com as ações da PM. As atitudes que
mais incomodam os frequentadores de shoppings seriam correrias (70%) e
gritarias (54%). E para 72% não há preconceito racial na reação dos lojistas.
Todos esses números podem
embutir preconceitos e convicções não explicitados nas respostas. É o caso das “correrias”
e “gritarias”. Em que medida a repulsa a elas está condicionada ao status e à cor
de quem corre e de quem grita? Ou em que proporção sua ocorrência pode ter sido
exagerada pela grande mídia?
Mas também deveriam merecer
destaque alguns levantamentos do Instituto Data Popular. São de 2011 e 2012,
mas ajudam a explicar o preconceito contra os rolezinhos. Eis alguns dados levantados
junto às classes “média” e “alta”:
- 55% acham que deveria ser
obrigatória a fabricação de produtos em versões para ricos e para pobres.
- Segundo 16%, pessoas mal
vestidas deveriam ser barradas em certos lugares.
- Para 26% o metrô aumenta a
frequência de “pessoas indesejadas” em seus bairros.
- 17% são favoráveis a elevadores
separados em todos os estabelecimentos.
Mas esses números se referem
apenas aos que explicitam seu preconceito social. Além disso, esse tipo de
discriminação geralmente serve para esconder um racismo que seria “deselegante”
declarar. O mesmo fenômeno explicaria por que a maioria não enxerga discriminação
racial na repressão aos rolezinhos, como teria constatado o Datafolha.
Quando a intolerância que já cercava
a luta por direitos básicos chega ao direito de consumir podemos esperar pelo
pior.
Leia também: O
samba ontem, o funk hoje
23 de janeiro de 2014
O samba ontem, o funk hoje
Antes de ser considerado um
legítimo representante da música nacional, o samba foi muito perseguido. Antes dele, o mesmo ocorreu com manifestações carnavalescas populares como os entrudos e os
cordões.
Em seu livro “Escolas de
samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados”, Nelson da Nóbrega Fernandes
lembra a crescente repressão estatal a essas manifestações populares. Cita Ismael
Silva, que teria afirmado: “nós fizemos a escola de samba para não tomar
porrada da polícia”. Assim mesmo, demorou muito até que o cassetete cedesse lugar ao poder econômico.
Na República Velha, depois do
Carnaval, a Festa da Penha era o maior evento do Rio de Janeiro. Costumava reunir mais de cem mil pessoas. Tanto povo junto só podia provocar o medo das
elites. Em 1891, diz Nóbrega, o aparato repressivo designado para atuar na
festa era “formado por 160 praças de cavalaria e infantaria”.
Além disso, os ricos não
queriam que os foliões chegassem ao centro da cidade. Exemplo dessa disposição
é o que Olavo Bilac escreveu na revista “Kosmos” em outubro de 1906:
Num dos últimos domingos vi
passar pela Avenida Central um carroção atulhado de romeiros da Penha (...). Ainda
se a orgia desbragada se confinasse no arraial da Penha!
Um século depois, os bailes
funk são tão perseguidos como foram os batuques nas favelas. Os lugares “nobres”
a serem protegidos do acesso dos pobres são os shoppings. Os “rolezinhos” são as
novas romarias festivas, que a elite continua combatendo com cavalaria e infantaria.
E ainda temos muitos Bilacs espalhados pela grande imprensa.
Mudou a música. O enredo
continua o mesmo.
Leia também: Do
funk ostentação ao funk contestação
22 de janeiro de 2014
Do funk ostentação ao funk contestação
Entre as muitas análises
interessantes sobre os chamados “rolezinhos”, está o artigo “O Brasil ainda
está longe de ser um país de classe média”, de Gustavo Andrey Fernandes,
publicada no Valor em 17/01.
Fernandes diz que o
preconceito contra a presença massiva de jovens pobres nos shoppings vem do perfil elitista desse tipo de varejo. Segundo ele, os empresários preferem vender
pouco e caro a aumentar a quantidade e perder clientes ricos:
Naturalmente, esse fenômeno
somente é possível dado um baixo nível de competição da economia brasileira,
fruto da desigualdade social e do baixo nível de renda, o que permite sustentar
preços elevados a um público que tolera pagar valores mais altos para consumir
status.
Já o artigo “Pra onde vão os
rolezinhos”, de Bruno Cava, compara estes eventos ao protesto realizado
em agosto de 2000 no shopping carioca Rio Sul. Naquela ocasião, dezenas de
sem-tetos entraram naquele centro de compras, causando reações negativas. Mas
Cava alerta para as mudanças ocorridas desde então graças à ampliação do
consumo proporcionado pelo lulismo. Em 2000:
... os pobres levam pão com
mortadela para conseguir almoçar na praça de alimentação. Hoje, os jovens
ocupam o Mac Donald´s. Entram nas lojas e não apenas apalpam a mercadoria:
compram.
O texto publicado no blog
“Quadrados Loucos”, em 15/01, destaca outro elemento importante. “Em 2014, o
que aparece são corpos talhados com roupas de marca, cordões e relógios dourados,
alegremente cantando funk”.
Quem diria! A estupidez das elites transformou o funk ostentação
em funk contestação. E a repressão dos governos ainda pode transformar muitos jovens consumistas em novos ativistas.
Leia também: Não
aprendemos nada com as manifestações de junho?
21 de janeiro de 2014
A Lei de Talião e a Polícia Militar
Em 14/01, o jornal Brasil de
Fato trouxe a matéria intitulada “PM: ‘Nós ficamos sete dias de luto, vocês
também irão ficar!’”. O texto fala de uma série de operações policiais em
favela do Jardim Elba, zona leste de São Paulo.
Depois de ter um de seus
membros mortos, homens da corporação militar juraram vingança contra os
moradores do local. Segundo a matéria entre 24 e 25 de dezembro, os policiais
proibiram o funcionamento do comércio e bombas foram jogadas em residências e lojas.
A ação poderia ser
considerada um exemplo da chamada Lei de Talião. “Lex talionis” vem do latim e
pode ser traduzida por Lei da Retribuição. É mais conhecida pelo dito popular:
olho por olho, dente por dente. “Nosso luto será vingado por vosso luto”,
disseram os policiais.
Mas ao contrário do que pode
parecer, a Lei da Talião é o mais básicos dos limites à barbárie. Ela determina
que uma ofensa seja retribuída de forma proporcional. Um tapa na cara deve ser
retribuído com outro tapa na cara e não com uma paulada na cabeça, por exemplo.
A Lei da Retribuição torna-se
injusta se um dos lados do conflito tem poderes suficientes para responder de
modo desproporcional. Aí, o papel do direito e das leis é garantir que se faça
justiça e não vingança.
O assassinato de um policial
é um crime, que deve ser punido conforme o Código Penal. No lugar disso, a
polícia aterrorizou uma comunidade. É pior que a Lei de Talião. É a barbárie
sem limites, que vem atingindo somente os mais fracos. Por enquanto...
17 de janeiro de 2014
Um livro muçulmano contra a intolerância
Reza Aslan é o autor do
best-seller “Zelota, a vida e a época de Jesus de Nazaré”. Iraniano radicado
nos Estados Unidos, seu livro foi atacado por conservadores cristãos que não
admitiam que um muçulmano escrevesse uma biografia de seu messias.
Mas antes de “Zelota”, Aslan
escreveu “No god but God”, ainda sem tradução para o português. Neste caso,
não houve escândalos, pois o autor escreveu uma história de sua própria fé. Mas
o livro pode surpreender quem está acostumado aos preconceitos com que o
islamismo é tratado pela grande imprensa ocidental.
O termo “fundamentalismo”,
por exemplo, surgiu para descrever comunidades cristãs fanáticas dos Estados
Unidos no início do século 20. Gente que considerava a modernização e a
secularização da sociedade ameaças a seus princípios religiosos. Entre os
muçulmanos eles também existem e também são minoria. Mas os jornais insistem em
tratá-los como representantes da maioria.
“Guerra Santa” era como os
cavaleiros cruzados cristãos chamavam suas expedições militares, sangrentas
contra os povos árabes. Por trás da pretensa defesa de sua fé, estava a disputa
por rotas comerciais e territórios. Hoje, a imprensa mundial atribui esse significado
à palavra árabe “Jihad”. Na verdade, Jihad quer dizer “luta” ou “perseverança”,
podendo assumir caráter militar, mas não necessariamente.
Não é preciso concordar com todas
as conclusões a que o autor chega para descobrir na obra uma valiosa fonte de
informações. Uma contribuição importante para desmontar o clima de intolerância
criado em relação a uma fé que reúne um quarto da população mundial.
Voltaremos a comentar outros
trechos desse livro sobre a tolerância islâmica.
Leia também: Jesus
e seu irmão, uma dupla radical
16 de janeiro de 2014
Não aprendemos nada com as manifestações de junho?
Os “rolezinhos” nos shoppings
são a onda do momento. Os proprietários e as autoridades estão preocupados. Jovens
pobres e negros devem ir ao shopping em pares românticos ou em turmas de até
meia-dúzia. Mais que isso, é baderna, arrastão, ameaça ao patrimônio e à segurança.
Esta é mais uma das regras de nossa sociedade desigual e racista. Ela, que era silenciosa
até dias atrás, resolveu gritar.
Os donos do poder e seus hóspedes
já estão se mexendo. Seguranças privados e a PM promovem arrastões para retirar
as turmas da periferia dos shoppings. Seus proprietários afirmam que conseguiram
que o Facebook tirasse do ar convites para rolezinhos em São Paulo. A Justiça
legalizou o apartheid ao conceder liminares contra a promoção do evento em
shoppings.
Dilma encomendou diagnósticos
sobre o movimento. Haddad está atrás de representantes do movimento para
negociar. O objetivo é convencê-los a parar de incomodar os ricos.
E nós, da esquerda, o que
estamos fazendo? Em São Paulo, entidades do movimento negro promoverão um rolezinho
contra o racismo no Shopping Iguatemi, em 18/01. O Secretário Nacional de
Juventude da CUT escreveu artigo defendendo o movimento. Zé Maria de Almeida, da
CSP-Conlutas, e Luciana Genro, do PSOL, escreveram textos no mesmo sentido.
São iniciativas boas, mas fragmentadas.
É hora de organizar um mutirão das forças de esquerda contra essa onda de repressão.
De apoiar os jovens socialistas, anticapitalistas, anarquistas. Eles são apenas
grandes vítimas da sociedade que queremos derrubar. É o bastante para merecer
nosso apoio. Sem oportunismo e com muito respeito. É isso ou não aprendemos
nada com as jornadas de junho.
Leia também: Os rolezinhos contra a democracia racionada
15 de janeiro de 2014
As eleições egípcias e a casa do desespero
Os egípcios foram às urnas em
14/01. Votaram em um plebiscito sobre uma nova Constituição. Na verdade, dizem
os especialistas, trata-se de um referendo em relação ao atual governo chefiado
pelo general Abdel Fatah al-Sisi. O que representaria a muito provável vitória
do general?
Em primeiro lugar, uma
vitória de golpistas a serviço de interesses poderosos. Mas outras respostas
deveriam respeitar um princípio importante. Sisi não representa uma alternativa
laica e ocidental, obrigado a fazer uso de autoritarismo contra o fanatismo islâmico.
Ele mesmo é muçulmano.
Mais de 80% dos egípcios professam
a fé islâmica. Ninguém foi às urnas votar a favor ou contra sua religião. A questão
é política. Que relação a fé islâmica deve estabelecer com o Estado e a sociedade?
Ao contrário do que parece, os
muçulmanos não têm uma única resposta para essa questão. É verdade que muitos islâmicos
defendem o Corão como base para a constituição de um país. Mas há muitos outros
que não pensam assim. Obama é tão cristão quanto os fundamentalistas do Tea
Party. Nem por isso, é possível dizer que sejam politicamente idênticos.
Os poderes ocidentais têm
procurado achatar as diferenças no interior do mundo muçulmano. Transformá-lo
numa única massa fundamentalista com tendências terroristas. Desse modo, podem continuar
impondo seus interesses políticos e econômicos com cada vez mais violência
sobre seus adeptos.
Escondido por trás da defesa
de valores laicos ocidentais também há o fanatismo mais selvagem da história
humana. Como disse o filósofo Walter Benjamin, o capitalismo é a religião que leva
“o planeta homem" a transitar pela "casa do desespero”.
14 de janeiro de 2014
Os rolezinhos contra a democracia racionada
O Shopping Center JK Iguatemi
esclarece que obteve liminar no sentido de proibir a realização do movimento
ROLEZAUM NO SHOPPIM nos limites do empreendimento, quer em sua parte interna ou
externa, sob pena de incorrer cada manifestante identificado na multa de R$ 10
mil por dia.
O texto acima é de um cartaz afixado na entrada de um dos mais luxuosos centros de compras de São Paulo. O tal “Rolezaum” é mais um dos “rolezinhos” que vêm acontecendo desde o final de 2013. São grandes turmas de jovens da periferia que combinam visitar os shoppings ao mesmo tempo.
Esse tipo de evento costuma
receber o nome de “flash mob” quando promovido por garotos ricos. Mas organizados por jovens pobres e negros, são
tratados como baderna. São violentamente reprimidos pela PM e cerceados por
medidas judiciais, como no caso do Iguatemi. Os jovens, por sua vez, começam a
considerar os “rolezinhos” uma forma de defender seu legítimo direito de ir e
vir.
De fato, a chamada Lei de
Economia Popular diz que é vedado ao comerciante “favorecer ou preferir
comprador ou freguês em detrimento de outro”. Mas uma sociedade desigual não
aplica leis ou garante a ordem para todos igualmente. Nem o sagrado direito
capitalista de consumir é capaz de superar o preconceito social e o racismo.
Trata-se de mais uma amostra
da “democracia racionada” que vem marcando a história brasileira. Para poucos e
para os de cima. Também podem ser as primeiras marolas que antecipam novas e
maiores ondas de indignação.
Pelo jeito, os donos do poder
não aprenderam nada com as manifestações de junho.
Leia também: Na
Copa, democracia racionada, repressão abundante
13 de janeiro de 2014
Foucault e Pedrinhas
Em 2014, se completam 30 anos
da morte de Michel Foucault. E um de seus objetos de estudo foram as prisões, tema
de uma de suas maiores obras: “Vigiar e Punir”.
Um dos aspectos destacados pelo
livro é a crescente importância assumida pela privação da liberdade como forma
de castigo:
Como não seria a prisão a
pena por excelência numa sociedade em que a liberdade é um bem que pertence a
todos da mesma maneira e ao qual cada um está ligado por um sentimento
"universal e constante"?
Realmente, a liberdade só
poderia se tornar valor supremo em uma sociedade que precisa de força de
trabalho amplamente disponível para ser explorada. Sob esta nova lógica, privar
alguém da liberdade seria uma punição também para os compradores de trabalho
humano.
Desse modo, os castigos
corporais deveriam ser desestimulados. Inclusive, para facilitar a recuperação do
preso e sua devolução ao mercado de trabalho.
Mas se não é mais o corpo que
deve ser punido, o objeto de suplício passa a ser a alma:
À expiação que tripudia sobre
o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o
intelecto, a vontade, as disposições.
A barbárie reinante no presídio
maranhense de Pedrinhas e em todo o sistema prisional brasileiro parecem
desmentir essa tese. Mas Foucault se referia a uma codificação legal que existe
e vigora na grande maioria dos países.
Que ela se transforme em seu
contrário no mundo real, talvez seja resultado de um longo processo de submissão.
Fora das prisões, muitos corações, intelectos, vontades e disposições também se
renderam à crueldade do poder.
10 de janeiro de 2014
Na Copa, democracia racionada, repressão abundante
A Copa do Mundo vem aí. Mas o
que muita gente quer saber mesmo é como serão as manifestações populares contra
a realização do torneio. Serão capazes de repetir ou superar o tamanho que
assumiram em 2013?
Ninguém sabe, mas o aparelho
repressivo do Estado já está dando sua resposta. Alckmin criou um batalhão da
PM com função antiterrorista. Cabral, um Batalhão de Grandes Eventos. O governo
federal, a Força Nacional de Segurança Pública.
Em texto recente, Lincoln Secco utiliza o
conceito de “democracia racionada", criada por Carlos Marighella, que
descreveria:
... os regimes brasileiros
que não são exatamente uma ditadura aberta, mas que também não se tornam
democráticos. Assim, podemos definir a democracia racionada como uma forma
semi-legal em que a violência contra os pobres e os opositores se combina com ações
autoritárias dentro da legalidade e os escassos direitos são distribuídos a
conta gotas para os setores mais moderados da oposição.
Um exemplo seria o período
entre 1946 e 1964. Apesar de haver eleições, partidos e justiça funcionando, a
repressão nunca cessou. Só o governo Dutra matou quase uma centena de
comunistas.
Referindo-se aos desafios do
atual período, Lincoln afirma: “Ou
consolidamos um regime democrático ou recuamos para formas semi-ditatoriais,
como no período 1946-1964”.
A má notícia é que a maior
força política de esquerda surgida nas últimas décadas já se rendeu à
“democracia racionada”. O PT tem muitas diferenças em relação a setores de
direita. Daí, a grande rivalidade eleitoral. Mas em relação às manifestações,
uns e outros preparam idênticas e abundantes medidas de repressão.
Leia também: Metrópoles, as máquinas capitalistas de caos
9 de janeiro de 2014
Os brioches de Maria Antonieta e as lagostas de Roseana
Enquanto um massacre ocorre
nos presídios do Maranhão, a governadora do estado encomenda 80 kg de lagosta,
uma tonelada e meia de camarão e baldes de sorvete. De um lado, o banquete. De
outro, uma máquina de castigos e vingança, denunciada como desumana há 250
anos.
Foi em 1764 que o filósofo
italiano Cesare Beccaria publicou o livro “Dos delitos e das penas”. Entre
outros princípios, a obra defendia o fim da pena de morte e das penas cruéis,
presunção de inocência, individualização e proporcionalidade da pena e
recuperação do condenado.
Dois séculos e meio depois,
os princípios defendidos por Beccaria ainda não são respeitados no Brasil. E
não somente no Maranhão. As penas para quem rouba, mata ou estupra são diferentes, claro. Mas não é assim que a realidade funciona.
Um ladrão sentenciado à
prisão, por exemplo, pode sofrer tortura, estupro ou ser morto. A execução fica a
cargo de seus próprios companheiros de cela ou dos carcereiros. A mesma lógica vale
para os pobres e negros que caem nas mãos da PM sem nem mesmo terem sido
condenados. Tudo sob a supervisão criminosa de autoridades togadas,
engravatadas ou vestindo o tailleur da última moda.
Os princípios de Beccaria não
se impuseram apenas pelos valores que defendia. Sua adoção dependeu de um longo
processo histórico que tem entre seus momentos mais importantes a Revolução
Francesa. Aquela que adotou a guilhotina por ser a menos cruel das formas de
execução.
Uma das primeiras vítimas da
guilhotina foi Maria Antonieta, rainha que recomendou ao povo que comesse
brioches na falta de pão. Roseana Sarney prefere lagostas.
Leia também:
A paz dos campos de concentração
e dos cemitérios
8 de janeiro de 2014
Um Marx selvagem e uma esquerda domesticada
O livro “Marx Selvagem” é
leitura obrigatória. A obra Jean Tible mostra como Marx e Engels buscaram se
afastar da visão eurocêntrica que marcou muitos momentos de sua elaboração
teórica. Principalmente, ao tomarem contato com experiências sociais como a Confederação
dos Iroqueses e a comuna rural russa.
Através da observação desse
tipo de sociedade, os fundadores do marxismo não apenas passaram a respeitar a
lógica social de povos não europeus. Também se tornaram ainda mais convictos de
que é preciso lutar pela abolição do Estado. Afinal, sociedades sem poder
político centralizado num aparelho de dominação se mostram não apenas viáveis,
como necessárias.
Além disso, o livro mostra
que as correções de rumo que os fundadores do marxismo buscaram fazer em sua
obra tinham como bússola as lutas populares. Era a serviço destas que estava
sua produção teórica. Nada que envolvesse a emancipação humana podia lhes ser
estranho.
No prefácio, Michael Lowy faz
um importante destaque: “As comunidades indígenas no Brasil e na América Latina
se encontram na primeira linha da luta em defesa da Natureza”.
A ironia é que Tible é um
respeitado militante do Partido dos Trabalhadores. E o governo petista foi
descrito por Dom Erwin, presidente do Conselho Indigenista Missionário, como
“anti-indígena, omisso e negligente”. Afirmação inegável diante das alianças
prioritárias que Lula e Dilma estabeleceram com o agronegócio, empreiteiras e
mineradoras.
Tible certamente não tem
responsabilidade direta em relação a essa lamentável situação. É outro exemplo
da esquizofrenia vivida pelo PT. Um partido que ainda conta com bons lutadores,
mas que foi domesticado pelos de cima para barbarizar os de baixo.
Leia também:
7 de janeiro de 2014
O turismo da miséria e a miséria do turismo
Que a indústria turística
aumenta a desigualdade social, já sabíamos. Que, além disso, e não menos
importante, promove destruição cultural e ambiental também não é novidade.
Mas transformar a miséria
humana em mercadoria para distração de viajantes chega a níveis inéditos de baixeza moral. É o que mostra a matéria “Turismo de miséria”, de Catherine A.
Traywick, publicada no Globo em 05/01.
Em Bloemfontein, África do
Sul, por exemplo, 82 dólares possibilitam passar uma noite em uma imitação de
favela dentro de um resort, com direito a “aquecimento no chão, wi-fi gratuito
e serviços de SPA”.
Em Hidalgo, México, o turista
desembolsa 19 dólares para fingir ser um imigrante tentando atravessar
ilegalmente a fronteira para os Estados Unidos. Em Jacarta, Indonésia, por 10
dólares pretende-se oferecer a experiência de quem tem sua casa inundada pelas
águas da chuva.
Na cidade sueca de
Gotemburgo, um tour pelos locais utilizados pelos sem-teto locais para dormir
sai por 15 dólares. A 16 dólares, uma agência de turismo oferece caminhadas por
Amsterdã guiadas por um morador de rua. São Francisco, na Califórnia, oferece
passeio semelhante por 20 dólares.
Os promotores desse turismo
doentio tentam se justificar com um discurso de responsabilidade social. Os
valores arrecadados seriam usados para aliviar os problemas sociais que revela.
Mas, como diz a jornalista, é “assustador pagar pela experiência de visitar os
mais pobres como se fossem animais no zoológico”.
Nessa história, porém, quem
mais se distancia da condição humana são os diretamente envolvidos nas
operações de compra e venda. Pior que a pobreza material, é a miséria moral de quem a transforma em espetáculo.
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6 de janeiro de 2014
O nosso otimismo e o pessimismo deles
Vários artigos e notícias publicados
pela grande imprensa nos últimos dias de 2013 pintavam um cenário econômico
nada animador para este ano. Há o temor de uma volta da crise das dívidas
públicas na Europa, por exemplo.
O crescimento econômico dos chamados
países “emergentes” dá sinais de que começa a estagnar. A exceção chinesa não serve
de consolo. Matéria do Globo, de 01/01 alerta: “China diz que governos locais
devem quase US$ 3 trilhões”. Mas não é só isso.
Em 29/12, a Folha publicava “Rei
do carvão é símbolo de problema chinês”. Trata-se de um magnata cuja mineradora está
afogada em dívidas que chegam a R$ 10 bilhões e virou símbolo de um dos
principais riscos que rondam a economia chinesa: a bolha de crédito no sistema
financeiro paralelo.
Na entrada do ano, no
entanto, surgiram notícias aparentemente mais positivas. Entre elas, o suposto
vigor da recuperação da economia americana. Mas a imprensa mais especializada não
vê motivos para muita comemoração.
Um cenário melhor pode levar ao
corte da generosa derrama de dinheiro público na economia estadunidense. Com menos
dólares no mercado, mais alto seu preço. E o preço do dinheiro é o juro. Altas taxas
de juros nos Estados Unidos atraem de volta para lá os investimentos que foram para
outras partes do mundo. O que se ganharia de um lado, se perderia do outro.
Ou seja, a própria imprensa capitalista
está pessimista em relação à economia que tanto defende. As vítimas serão as de
sempre: os explorados e oprimidos do mundo. Que saibamos responder com o
otimismo de nossas lutas, como fizemos em 2013.
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