Doses maiores

30 de janeiro de 2014

Não à pacificação do hip-hop!

O hip-hop nasceu da resistência à discriminação social, racismo, violência policial, falta de direitos básicos. Seus criadores eram negros, porto-riquenhos, jamaicanos e outros setores marginalizados da população estadunidense.

Esse caráter combativo está explícito na letra dos melhores raps, mas não apenas neles.

Jovens pobres criaram o grafite para mostrar que tinham ocupado com sua arte os territórios em que foram abandonados para morrer.

Os movimentos quebrados do break recusam o corpo domesticado que a disciplina autoritária da fábrica, do quartel e das escolas tenta impor.

O DJ dá vida nova a sons que permaneceriam sepultados no vinil se dependesse da reprodução gangrenada da indústria fonográfica.

O hip-hop nasceu para alegrar, mas pegou raiva quando seus adeptos passaram a ter seus bailes interrompidos pela polícia e proibidos pelas autoridades.

Teve seu ódio despertado pela violência com que suas cores, gestos, roupas, jeitos de cantar e dançar foram tratados.

Mas o hip-hop olha para a luz cada vez que tira crianças e jovens da ignorância e da ira sem direção. Quando mostra quais são seus verdadeiros inimigos e os acolhe num abraço firme de combatente.

Tudo isso fez do hip-hop uma cultura de resistência e luta, que tem no Estado um de seus maiores inimigos e no mercado uma força que procura amansá-lo.

Por isso, o hip-hop não precisa que o Estado o reconheça como movimento cultural, como quer um projeto de lei. Também não pode ser reduzido a uma ocupação profissional, como pretende outra proposta legislativa. Ambas no Congresso Nacional. As duas exigem uma resposta firme do hip-hop coerente com suas origens.

Não à pacificação do hip-hop!

Leia também: Hip Hop contra ficha limpa pra torturadores

Ingredientes para um enorme molotov social

Mauro Zanatta publicou a reportagem “Presidente teme efeito ‘devastador’ à imagem do País”, no Estadão de 27/01. Um trecho diz:

Uma "aliança", ainda que não combinada, entre índios, trabalhadores sem terra, movimentos de sem teto e facções no controle de presídios às vésperas da Copa da Fifa de Futebol tem mantido o governo sob permanente tensão e obrigado ministros a uma intensa troca de informações de bastidores sobre esses "termômetros" sociais.

O texto também cita os rolezinhos e a volta dos black-blocs. O jornalista tem razão. Não há nenhuma conspiração golpista nisso tudo. Se alguém criou essa mistura explosiva foi o próprio governo.

Os direitos dos indígenas estão sendo atropelados por empreiteiros, mineradoras e agronegócio. Setores com que o governo construiu sua base de apoio no Congresso e fora dele.

As obras para a Copa não acarretaram apenas uma montanha de dinheiro desperdiçado e roubado. Também produziram milhares de sem-tetos.

Por dez anos, o governo federal assistiu imóvel ao encarceramento em massa que transformou os presídios superlotados em matadouros explosivos.

O lulismo apostou no consumo como ascensão social e ajudou a tornar os shoppings fortalezas a serem conquistadas pela juventude pobre.

A estupidez violenta das PMs estaduais não é apenas tolerada. O governo federal resolveu legalizá-la e reforçá-la com suas próprias tropas.

O caos urbano é produto direto da aposta no financiamento público da indústria automobilística e do correspondente abandono dos transportes públicos.

A polícia procura molotovs nas mochilas e bolsas dos manifestantes. Mas as verdadeiras bombas estão sendo fabricadas nos palácios do poder. Os fósforos estão nas mãos dos governantes. Acesos.

29 de janeiro de 2014

Dilma foi a Davos entregar sua carta aos exploradores

“Grandes empresários preferem Aécio, mas acham que Dilma leva”. Este era o título de reportagem publicada pelo Valor, em 17/05/2013. Citava pesquisas feitas com presidentes de 97 das 200 maiores empresas privadas do país.

Segundo o levantamento, 66% dos entrevistados preferiam o tucano. É verdade que Dilma tinha 65% na população em geral, mas isso não basta para o projeto petista para o País. E Davos acaba de mostrar isso.

O discurso de Dilma na Suíça pode ser considerado uma nova "Carta aos Brasileiros". Em busca da reeleição, ela reedita o documento divulgado por Lula nas eleições de 2002 para acalmar o “mercado”. É uma nova “Carta aos Banqueiros”.

Alguns trechos do que Dilma disse: "Buscamos com determinação a convergência para o centro da meta inflacionária". "A responsabilidade fiscal é um princípio basilar da nossa visão do desenvolvimento econômico e social". "Em breve, meu governo definirá a meta de superávit primário para o ano consistente com a redução do endividamento público."

Davos reúne os representantes dos maiores exploradores do mundo. São banqueiros e empresários a quem o governo petista quer agradar a qualquer custo. Não somos nós que dizemos. As palavras são do petista André Singer, ex-porta-voz do governo Lula:

A ida de Dilma Rousseff ao Fórum Econômico Mundial faz parte de um árduo roteiro, uma espécie de caminho de Compostela, que a mandatária se vê condenada a cumprir para obter a absolvição dos endinheirados. Há um ano o governo busca, sem sucesso, mostrar ao mercado financeiro que desistiu da "aventura" desenvolvimentista e deseja restabelecer o "status quo ante" (Folha de S. Paulo, 25/01/2014).

27 de janeiro de 2014

As origens igualitárias da fé muçulmana

Quando Maomé começou a defender uma nova fé incomodou os poderosos da época. Não porque ele afirmasse que há somente um deus. Judeus e cristãos já defendiam o monoteísmo muito tempo antes.

Segundo o livro “No god but God”, de Reza Aslan, a hostilidade a Maomé surgiu de sua defesa da antiga ética tribal, que era igualitarista e recomendava cuidados especiais em relação aos mais fracos e incapazes.

Estes princípios teriam sido abandonados durante o domínio dos coraixitas. Esta tribo dominava Meca, que já era um centro religioso do mundo árabe muito antes do islamismo. Seus membros se enriqueceram e acumularam poder explorando a fé popular.

Perseguidos pelos coraixitas, Maomé e seus seguidores abandonaram Meca. Criaram a cidade de Medina, onde organizaram uma federação de aldeias. O evento foi tão marcante que é considerado o Ano 1 do calendário islâmico.

Um dos princípios da nova comunidade era a igualdade de todos, independentemente de suas posses materiais. Um imposto foi criado e sua arrecadação destinada aos mais pobres. 

O Corão justifica esse tributo dizendo que verdadeiramente virtuoso é aquele que “distribuiu seus bens em caridade por amor a Deus, entre parentes, órfãos, necessitados, viajantes, mendigos e para a libertação dos escravos”.

Com a crescente institucionalização da fé muçulmana tais princípios foram abandonados. Surgiram interpretações autoritárias do Corão para justificar a existência e aceitação de uma elite sacerdotal.

Mas as origens igualitárias do islamismo continuam presentes na militância de seus adeptos de esquerda no mundo todo. Desmentem os que tentam mostrar a fé de 1,5 bilhão de pessoas como um único credo fanático, intolerante, autoritário e injusto.

26 de janeiro de 2014

Veteranos das “Diretas Já” que nos envergonham

Os órgãos da imprensa comemoram os 30 anos do primeiro grande comício das Diretas Já. Muitos deles fingem celebrar algo que temiam na época e continuam a temer hoje: as manifestações populares. Mas ganharam a vergonhosa companhia de muitos dos que foram às ruas em 1984.

O movimento pelas eleições diretas para presidente iniciou o que o historiador Lincoln Secco chamou de “Revolução Democrática”. Um período que foi até 1989, marcado por milhares de lutas e duas grandes greves gerais. Pelo surgimento e fortalecimento de um polo de oposição socialista formado por CUT, MST e PT. A classe dominante colocada na defensiva.

Tudo isso foi canalizado para a uma Constituinte controlada pelo poder econômico e para eleições fortemente influenciadas pela Rede Globo. A partir daí, o processo eleitoral passou cada vez mais a transformar rebeldes em despachantes do Poder. Os sindicatos se especializaram em fazer de piqueteiros burocratas do Capital.

Trinta anos depois, temos governos cheios de veteranos das Diretas que se aposentaram das lutas para trabalhar para os poderosos. Sua última proeza foi aprovar uma lei contra manifestações e greves no período da Copa do Mundo. Ou seja, trocaram suas bandeiras de luta por canetas que autorizam a repressão às manifestações populares.

O povo nas ruas pode representar um novo esgotamento popular diante dos acertos feitos pelo alto para manter uma ordem injusta. As Diretas foram uma luta por representação democrática. As atuais manifestações mostram que essa representação jamais se concretizou. Não sabemos se estamos à beira de outra revolução democrática. Mas já sabemos com quem não podemos contar se ela vier.


Leia também: Não aprendemos nada com as manifestações de junho?

24 de janeiro de 2014

Preconceito social, racismo e consumo

Pesquisa do Datafolha indicaria que 82% dos paulistanos são contra os rolezinhos. Além disso, 80% concordam com proibições decretadas pela Justiça e 73% com as ações da PM. As atitudes que mais incomodam os frequentadores de shoppings seriam correrias (70%) e gritarias (54%). E para 72% não há preconceito racial na reação dos lojistas.

Todos esses números podem embutir preconceitos e convicções não explicitados nas respostas. É o caso das “correrias” e “gritarias”. Em que medida a repulsa a elas está condicionada ao status e à cor de quem corre e de quem grita? Ou em que proporção sua ocorrência pode ter sido exagerada pela grande mídia?

Mas também deveriam merecer destaque alguns levantamentos do Instituto Data Popular. São de 2011 e 2012, mas ajudam a explicar o preconceito contra os rolezinhos. Eis alguns dados levantados junto às classes “média” e “alta”:

- 55% acham que deveria ser obrigatória a fabricação de produtos em versões para ricos e para pobres.
- Segundo 16%, pessoas mal vestidas deveriam ser barradas em certos lugares.
- Para 26% o metrô aumenta a frequência de “pessoas indesejadas” em seus bairros.
- 17% são favoráveis a elevadores separados em todos os estabelecimentos.

Mas esses números se referem apenas aos que explicitam seu preconceito social. Além disso, esse tipo de discriminação geralmente serve para esconder um racismo que seria “deselegante” declarar. O mesmo fenômeno explicaria por que a maioria não enxerga discriminação racial na repressão aos rolezinhos, como teria constatado o Datafolha.

Quando a intolerância que já cercava a luta por direitos básicos chega ao direito de consumir podemos esperar pelo pior.

23 de janeiro de 2014

O samba ontem, o funk hoje

Antes de ser considerado um legítimo representante da música nacional, o samba foi muito perseguido. Antes dele, o mesmo ocorreu com manifestações carnavalescas populares como os entrudos e os cordões.

Em seu livro “Escolas de samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados”, Nelson da Nóbrega Fernandes lembra a crescente repressão estatal a essas manifestações populares. Cita Ismael Silva, que teria afirmado: “nós fizemos a escola de samba para não tomar porrada da polícia”. Assim mesmo, demorou muito até que o cassetete cedesse lugar ao poder econômico.

Na República Velha, depois do Carnaval, a Festa da Penha era o maior evento do Rio de Janeiro. Costumava reunir mais de cem mil pessoas. Tanto povo junto só podia provocar o medo das elites. Em 1891, diz Nóbrega, o aparato repressivo designado para atuar na festa era “formado por 160 praças de cavalaria e infantaria”.

Além disso, os ricos não queriam que os foliões chegassem ao centro da cidade. Exemplo dessa disposição é o que Olavo Bilac escreveu na revista “Kosmos” em outubro de 1906:

Num dos últimos domingos vi passar pela Avenida Central um carroção atulhado de romeiros da Penha (...). Ainda se a orgia desbragada se confinasse no arraial da Penha!

Um século depois, os bailes funk são tão perseguidos como foram os batuques nas favelas. Os lugares “nobres” a serem protegidos do acesso dos pobres são os shoppings. Os “rolezinhos” são as novas romarias festivas, que a elite continua combatendo com cavalaria e infantaria. E ainda temos muitos Bilacs espalhados pela grande imprensa.

Mudou a música. O enredo continua o mesmo.

22 de janeiro de 2014

Do funk ostentação ao funk contestação

Entre as muitas análises interessantes sobre os chamados “rolezinhos”, está o artigo “O Brasil ainda está longe de ser um país de classe média”, de Gustavo Andrey Fernandes, publicada no Valor em 17/01.

Fernandes diz que o preconceito contra a presença massiva de jovens pobres nos shoppings vem do perfil elitista desse tipo de varejo. Segundo ele, os empresários preferem vender pouco e caro a aumentar a quantidade e perder clientes ricos:

Naturalmente, esse fenômeno somente é possível dado um baixo nível de competição da economia brasileira, fruto da desigualdade social e do baixo nível de renda, o que permite sustentar preços elevados a um público que tolera pagar valores mais altos para consumir status.

Já o artigo “Pra onde vão os rolezinhos”, de Bruno Cava, compara estes eventos ao protesto realizado em agosto de 2000 no shopping carioca Rio Sul. Naquela ocasião, dezenas de sem-tetos entraram naquele centro de compras, causando reações negativas. Mas Cava alerta para as mudanças ocorridas desde então graças à ampliação do consumo proporcionado pelo lulismo. Em 2000:

... os pobres levam pão com mortadela para conseguir almoçar na praça de alimentação. Hoje, os jovens ocupam o Mac Donald´s. Entram nas lojas e não apenas apalpam a mercadoria: compram.

O texto publicado no blog “Quadrados Loucos”, em 15/01, destaca outro elemento importante. “Em 2014, o que aparece são corpos talhados com roupas de marca, cordões e relógios dourados, alegremente cantando funk”.

Quem diria! A estupidez das elites transformou o funk ostentação em funk contestação. E a repressão dos governos ainda pode transformar muitos jovens consumistas em novos ativistas.

21 de janeiro de 2014

A Lei de Talião e a Polícia Militar

Em 14/01, o jornal Brasil de Fato trouxe a matéria intitulada “PM: ‘Nós ficamos sete dias de luto, vocês também irão ficar!’”. O texto fala de uma série de operações policiais em favela do Jardim Elba, zona leste de São Paulo.

Depois de ter um de seus membros mortos, homens da corporação militar juraram vingança contra os moradores do local. Segundo a matéria entre 24 e 25 de dezembro, os policiais proibiram o funcionamento do comércio e bombas foram jogadas em residências e lojas.

A ação poderia ser considerada um exemplo da chamada Lei de Talião. “Lex talionis” vem do latim e pode ser traduzida por Lei da Retribuição. É mais conhecida pelo dito popular: olho por olho, dente por dente. “Nosso luto será vingado por vosso luto”, disseram os policiais.

Mas ao contrário do que pode parecer, a Lei da Talião é o mais básicos dos limites à barbárie. Ela determina que uma ofensa seja retribuída de forma proporcional. Um tapa na cara deve ser retribuído com outro tapa na cara e não com uma paulada na cabeça, por exemplo.

A Lei da Retribuição torna-se injusta se um dos lados do conflito tem poderes suficientes para responder de modo desproporcional. Aí, o papel do direito e das leis é garantir que se faça justiça e não vingança.

O assassinato de um policial é um crime, que deve ser punido conforme o Código Penal. No lugar disso, a polícia aterrorizou uma comunidade. É pior que a Lei de Talião. É a barbárie sem limites, que vem atingindo somente os mais fracos. Por enquanto...

Leia também: Para negros e pobres, pena de morte é exceção tornada regra

17 de janeiro de 2014

Um livro muçulmano contra a intolerância

Reza Aslan é o autor do best-seller “Zelota, a vida e a época de Jesus de Nazaré”. Iraniano radicado nos Estados Unidos, seu livro foi atacado por conservadores cristãos que não admitiam que um muçulmano escrevesse uma biografia de seu messias.

Mas antes de “Zelota”, Aslan escreveu “No god but God”, ainda sem tradução para o português. Neste caso, não houve escândalos, pois o autor escreveu uma história de sua própria fé. Mas o livro pode surpreender quem está acostumado aos preconceitos com que o islamismo é tratado pela grande imprensa ocidental.

O termo “fundamentalismo”, por exemplo, surgiu para descrever comunidades cristãs fanáticas dos Estados Unidos no início do século 20. Gente que considerava a modernização e a secularização da sociedade ameaças a seus princípios religiosos. Entre os muçulmanos eles também existem e também são minoria. Mas os jornais insistem em tratá-los como representantes da maioria.

“Guerra Santa” era como os cavaleiros cruzados cristãos chamavam suas expedições militares, sangrentas contra os povos árabes. Por trás da pretensa defesa de sua fé, estava a disputa por rotas comerciais e territórios. Hoje, a imprensa mundial atribui esse significado à palavra árabe “Jihad”. Na verdade, Jihad quer dizer “luta” ou “perseverança”, podendo assumir caráter militar, mas não necessariamente.

Não é preciso concordar com todas as conclusões a que o autor chega para descobrir na obra uma valiosa fonte de informações. Uma contribuição importante para desmontar o clima de intolerância criado em relação a uma fé que reúne um quarto da população mundial.

Voltaremos a comentar outros trechos desse livro sobre a tolerância islâmica.

16 de janeiro de 2014

Não aprendemos nada com as manifestações de junho?

Os “rolezinhos” nos shoppings são a onda do momento. Os proprietários e as autoridades estão preocupados. Jovens pobres e negros devem ir ao shopping em pares românticos ou em turmas de até meia-dúzia. Mais que isso, é baderna, arrastão, ameaça ao patrimônio e à segurança. Esta é mais uma das regras de nossa sociedade desigual e racista. Ela, que era silenciosa até dias atrás, resolveu gritar.

Os donos do poder e seus hóspedes já estão se mexendo. Seguranças privados e a PM promovem arrastões para retirar as turmas da periferia dos shoppings. Seus proprietários afirmam que conseguiram que o Facebook tirasse do ar convites para rolezinhos em São Paulo. A Justiça legalizou o apartheid ao conceder liminares contra a promoção do evento em shoppings.

Dilma encomendou diagnósticos sobre o movimento. Haddad está atrás de representantes do movimento para negociar. O objetivo é convencê-los a parar de incomodar os ricos.

E nós, da esquerda, o que estamos fazendo? Em São Paulo, entidades do movimento negro promoverão um rolezinho contra o racismo no Shopping Iguatemi, em 18/01. O Secretário Nacional de Juventude da CUT escreveu artigo defendendo o movimento. Zé Maria de Almeida, da CSP-Conlutas, e Luciana Genro, do PSOL, escreveram textos no mesmo sentido.

São iniciativas boas, mas fragmentadas. É hora de organizar um mutirão das forças de esquerda contra essa onda de repressão. De apoiar os jovens socialistas, anticapitalistas, anarquistas. Eles são apenas grandes vítimas da sociedade que queremos derrubar. É o bastante para merecer nosso apoio. Sem oportunismo e com muito respeito. É isso ou não aprendemos nada com as jornadas de junho.

15 de janeiro de 2014

As eleições egípcias e a casa do desespero

Os egípcios foram às urnas em 14/01. Votaram em um plebiscito sobre uma nova Constituição. Na verdade, dizem os especialistas, trata-se de um referendo em relação ao atual governo chefiado pelo general Abdel Fatah al-Sisi. O que representaria a muito provável vitória do general?

Em primeiro lugar, uma vitória de golpistas a serviço de interesses poderosos. Mas outras respostas deveriam respeitar um princípio importante. Sisi não representa uma alternativa laica e ocidental, obrigado a fazer uso de autoritarismo contra o fanatismo islâmico. Ele mesmo é muçulmano.

Mais de 80% dos egípcios professam a fé islâmica. Ninguém foi às urnas votar a favor ou contra sua religião. A questão é política. Que relação a fé islâmica deve estabelecer com o Estado e a sociedade?

Ao contrário do que parece, os muçulmanos não têm uma única resposta para essa questão. É verdade que muitos islâmicos defendem o Corão como base para a constituição de um país. Mas há muitos outros que não pensam assim. Obama é tão cristão quanto os fundamentalistas do Tea Party. Nem por isso, é possível dizer que sejam politicamente idênticos.

Os poderes ocidentais têm procurado achatar as diferenças no interior do mundo muçulmano. Transformá-lo numa única massa fundamentalista com tendências terroristas. Desse modo, podem continuar impondo seus interesses políticos e econômicos com cada vez mais violência sobre seus adeptos.

Escondido por trás da defesa de valores laicos ocidentais também há o fanatismo mais selvagem da história humana. Como disse o filósofo Walter Benjamin, o capitalismo é a religião que leva “o planeta homem" a transitar pela "casa do desespero”.

Leia também: Intolerância religiosa e fanatismo neoliberal

14 de janeiro de 2014

Os rolezinhos contra a democracia racionada

O Shopping Center JK Iguatemi esclarece que obteve liminar no sentido de proibir a realização do movimento ROLEZAUM NO SHOPPIM nos limites do empreendimento, quer em sua parte interna ou externa, sob pena de incorrer cada manifestante identificado na multa de R$ 10 mil por dia.

O texto acima é de um cartaz afixado na entrada de um dos mais luxuosos centros de compras de São Paulo. O tal “Rolezaum” é mais um dos “rolezinhos” que vêm acontecendo desde o final de 2013. São grandes turmas de jovens da periferia que combinam visitar os shoppings ao mesmo tempo.

Esse tipo de evento costuma receber o nome de “flash mob” quando promovido por garotos ricos. Mas organizados por jovens pobres e negros, são tratados como baderna. São violentamente reprimidos pela PM e cerceados por medidas judiciais, como no caso do Iguatemi. Os jovens, por sua vez, começam a considerar os “rolezinhos” uma forma de defender seu legítimo direito de ir e vir.

De fato, a chamada Lei de Economia Popular diz que é vedado ao comerciante “favorecer ou preferir comprador ou freguês em detrimento de outro”. Mas uma sociedade desigual não aplica leis ou garante a ordem para todos igualmente. Nem o sagrado direito capitalista de consumir é capaz de superar o preconceito social e o racismo.

Trata-se de mais uma amostra da “democracia racionada” que vem marcando a história brasileira. Para poucos e para os de cima. Também podem ser as primeiras marolas que antecipam novas e maiores ondas de indignação.

Pelo jeito, os donos do poder não aprenderam nada com as manifestações de junho.

13 de janeiro de 2014

Foucault e Pedrinhas

Em 2014, se completam 30 anos da morte de Michel Foucault. E um de seus objetos de estudo foram as prisões, tema de uma de suas maiores obras: “Vigiar e Punir”.

Um dos aspectos destacados pelo livro é a crescente importância assumida pela privação da liberdade como forma de castigo:

Como não seria a prisão a pena por excelência numa sociedade em que a liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira e ao qual cada um está ligado por um sentimento "universal e constante"?

Realmente, a liberdade só poderia se tornar valor supremo em uma sociedade que precisa de força de trabalho amplamente disponível para ser explorada. Sob esta nova lógica, privar alguém da liberdade seria uma punição também para os compradores de trabalho humano.

Desse modo, os castigos corporais deveriam ser desestimulados. Inclusive, para facilitar a recuperação do preso e sua devolução ao mercado de trabalho.

Mas se não é mais o corpo que deve ser punido, o objeto de suplício passa a ser a alma:

À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições.

A barbárie reinante no presídio maranhense de Pedrinhas e em todo o sistema prisional brasileiro parecem desmentir essa tese. Mas Foucault se referia a uma codificação legal que existe e vigora na grande maioria dos países.

Que ela se transforme em seu contrário no mundo real, talvez seja resultado de um longo processo de submissão. Fora das prisões, muitos corações, intelectos, vontades e disposições também se renderam à crueldade do poder.

Leia também: Os brioches de Maria Antonieta e as lagostas de Roseana

10 de janeiro de 2014

Na Copa, democracia racionada, repressão abundante

A Copa do Mundo vem aí. Mas o que muita gente quer saber mesmo é como serão as manifestações populares contra a realização do torneio. Serão capazes de repetir ou superar o tamanho que assumiram em 2013?

Ninguém sabe, mas o aparelho repressivo do Estado já está dando sua resposta. Alckmin criou um batalhão da PM com função antiterrorista. Cabral, um Batalhão de Grandes Eventos. O governo federal, a Força Nacional de Segurança Pública.

Em texto recente, Lincoln Secco utiliza o conceito de “democracia racionada", criada por Carlos Marighella, que descreveria:

... os regimes brasileiros que não são exatamente uma ditadura aberta, mas que também não se tornam democráticos. Assim, podemos definir a democracia racionada como uma forma semi-legal em que a violência contra os pobres e os opositores se combina com ações autoritárias dentro da legalidade e os escassos direitos são distribuídos a conta gotas para os setores mais moderados da oposição.

Um exemplo seria o período entre 1946 e 1964. Apesar de haver eleições, partidos e justiça funcionando, a repressão nunca cessou. Só o governo Dutra matou quase uma centena de comunistas.

Referindo-se aos desafios do atual período, Lincoln afirma: “Ou consolidamos um regime democrático ou recuamos para formas semi-ditatoriais, como no período 1946-1964”.

A má notícia é que a maior força política de esquerda surgida nas últimas décadas já se rendeu à “democracia racionada”. O PT tem muitas diferenças em relação a setores de direita. Daí, a grande rivalidade eleitoral. Mas em relação às manifestações, uns e outros preparam idênticas e abundantes medidas de repressão.

Leia o texto de Lincoln Secco, aqui

9 de janeiro de 2014

Os brioches de Maria Antonieta e as lagostas de Roseana

Enquanto um massacre ocorre nos presídios do Maranhão, a governadora do estado encomenda 80 kg de lagosta, uma tonelada e meia de camarão e baldes de sorvete. De um lado, o banquete. De outro, uma máquina de castigos e vingança, denunciada como desumana há 250 anos.

Foi em 1764 que o filósofo italiano Cesare Beccaria publicou o livro “Dos delitos e das penas”. Entre outros princípios, a obra defendia o fim da pena de morte e das penas cruéis, presunção de inocência, individualização e proporcionalidade da pena e recuperação do condenado.

Dois séculos e meio depois, os princípios defendidos por Beccaria ainda não são respeitados no Brasil. E não somente no Maranhão. As penas para quem rouba, mata ou estupra são diferentes, claro. Mas não é assim que a realidade funciona.

Um ladrão sentenciado à prisão, por exemplo, pode sofrer tortura, estupro ou ser morto. A execução fica a cargo de seus próprios companheiros de cela ou dos carcereiros. A mesma lógica vale para os pobres e negros que caem nas mãos da PM sem nem mesmo terem sido condenados. Tudo sob a supervisão criminosa de autoridades togadas, engravatadas ou vestindo o tailleur da última moda.

Os princípios de Beccaria não se impuseram apenas pelos valores que defendia. Sua adoção dependeu de um longo processo histórico que tem entre seus momentos mais importantes a Revolução Francesa. Aquela que adotou a guilhotina por ser a menos cruel das formas de execução.

Uma das primeiras vítimas da guilhotina foi Maria Antonieta, rainha que recomendou ao povo que comesse brioches na falta de pão. Roseana Sarney prefere lagostas.

Leia também:
A paz dos campos de concentração e dos cemitérios

8 de janeiro de 2014

Um Marx selvagem e uma esquerda domesticada

O livro “Marx Selvagem” é leitura obrigatória. A obra Jean Tible mostra como Marx e Engels buscaram se afastar da visão eurocêntrica que marcou muitos momentos de sua elaboração teórica. Principalmente, ao tomarem contato com experiências sociais como a Confederação dos Iroqueses e a comuna rural russa.

Através da observação desse tipo de sociedade, os fundadores do marxismo não apenas passaram a respeitar a lógica social de povos não europeus. Também se tornaram ainda mais convictos de que é preciso lutar pela abolição do Estado. Afinal, sociedades sem poder político centralizado num aparelho de dominação se mostram não apenas viáveis, como necessárias.

Além disso, o livro mostra que as correções de rumo que os fundadores do marxismo buscaram fazer em sua obra tinham como bússola as lutas populares. Era a serviço destas que estava sua produção teórica. Nada que envolvesse a emancipação humana podia lhes ser estranho.

No prefácio, Michael Lowy faz um importante destaque: “As comunidades indígenas no Brasil e na América Latina se encontram na primeira linha da luta em defesa da Natureza”.

A ironia é que Tible é um respeitado militante do Partido dos Trabalhadores. E o governo petista foi descrito por Dom Erwin, presidente do Conselho Indigenista Missionário, como “anti-indígena, omisso e negligente”. Afirmação inegável diante das alianças prioritárias que Lula e Dilma estabeleceram com o agronegócio, empreiteiras e mineradoras.

Tible certamente não tem responsabilidade direta em relação a essa lamentável situação. É outro exemplo da esquizofrenia vivida pelo PT. Um partido que ainda conta com bons lutadores, mas que foi domesticado pelos de cima para barbarizar os de baixo.

Leia também:
Mais lições do comunismo indígena

7 de janeiro de 2014

O turismo da miséria e a miséria do turismo

Que a indústria turística aumenta a desigualdade social, já sabíamos. Que, além disso, e não menos importante, promove destruição cultural e ambiental também não é novidade.

Mas transformar a miséria humana em mercadoria para distração de viajantes chega a níveis inéditos de baixeza moral. É o que mostra a matéria “Turismo de miséria”, de Catherine A. Traywick, publicada no Globo em 05/01.

Em Bloemfontein, África do Sul, por exemplo, 82 dólares possibilitam passar uma noite em uma imitação de favela dentro de um resort, com direito a “aquecimento no chão, wi-fi gratuito e serviços de SPA”.

Em Hidalgo, México, o turista desembolsa 19 dólares para fingir ser um imigrante tentando atravessar ilegalmente a fronteira para os Estados Unidos. Em Jacarta, Indonésia, por 10 dólares pretende-se oferecer a experiência de quem tem sua casa inundada pelas águas da chuva.

Na cidade sueca de Gotemburgo, um tour pelos locais utilizados pelos sem-teto locais para dormir sai por 15 dólares. A 16 dólares, uma agência de turismo oferece caminhadas por Amsterdã guiadas por um morador de rua. São Francisco, na Califórnia, oferece passeio semelhante por 20 dólares.

Os promotores desse turismo doentio tentam se justificar com um discurso de responsabilidade social. Os valores arrecadados seriam usados para aliviar os problemas sociais que revela. Mas, como diz a jornalista, é “assustador pagar pela experiência de visitar os mais pobres como se fossem animais no zoológico”.

Nessa história, porém, quem mais se distancia da condição humana são os diretamente envolvidos nas operações de compra e venda. Pior que a pobreza material, é a miséria moral de quem a transforma em espetáculo.

Leia também:

6 de janeiro de 2014

O nosso otimismo e o pessimismo deles

Vários artigos e notícias publicados pela grande imprensa nos últimos dias de 2013 pintavam um cenário econômico nada animador para este ano. Há o temor de uma volta da crise das dívidas públicas na Europa, por exemplo.

O crescimento econômico dos chamados países “emergentes” dá sinais de que começa a estagnar. A exceção chinesa não serve de consolo. Matéria do Globo, de 01/01 alerta: “China diz que governos locais devem quase US$ 3 trilhões”. Mas não é só isso.

Em 29/12, a Folha publicava “Rei do carvão é símbolo de problema chinês”. Trata-se de um magnata cuja mineradora está afogada em dívidas que chegam a R$ 10 bilhões e virou símbolo de um dos principais riscos que rondam a economia chinesa: a bolha de crédito no sistema financeiro paralelo.

Na entrada do ano, no entanto, surgiram notícias aparentemente mais positivas. Entre elas, o suposto vigor da recuperação da economia americana. Mas a imprensa mais especializada não vê motivos para muita comemoração.

Um cenário melhor pode levar ao corte da generosa derrama de dinheiro público na economia estadunidense. Com menos dólares no mercado, mais alto seu preço. E o preço do dinheiro é o juro. Altas taxas de juros nos Estados Unidos atraem de volta para lá os investimentos que foram para outras partes do mundo. O que se ganharia de um lado, se perderia do outro.

Ou seja, a própria imprensa capitalista está pessimista em relação à economia que tanto defende. As vítimas serão as de sempre: os explorados e oprimidos do mundo. Que saibamos responder com o otimismo de nossas lutas, como fizemos em 2013.

Leia também: