Doses maiores

29 de setembro de 2022

Eclesiastes ou a Natureza do Deus-Capital

Em seu livro “A Religião do Capital”, Paul Lafargue cria seu próprio “Eclesiastes”. Na Bíblia, trata-se de uma série de pregações sobre as melhores condutas para a vida. 

Na versão do marxista franco-cubano e genro de Marx, tornou-se o “Livro do Capitalista”. Entre os seus muitos “ensinamentos”, seguem alguns do capítulo “Natureza do Deus-Capital”:

– Eu sou o Deus devorador de homens. Sento-me nas fábricas e consumo os trabalhadores. Eu transubstancio a vida insignificante do proletário em capital divino. Sou o mistério infinito: minha substância eterna é apenas carne perecível. Minha onipotência enfraquece a força humana. A força inerte do Capital vem da força do assalariado.

– Princípio dos princípios: toda produção começa comigo, toda troca termina comigo.

– Sou o Deus vivo, presente em todos os lugares: ferrovias, altos-fornos, grãos de trigo, navios, vinhedos, moedas de ouro e prata são os membros dispersos do Capital universal.

– Sou a alma incomensurável do mundo civilizado, com um corpo infinitamente variado e múltiplo. Vivo no que se compra e se vende. Ajo em todas as mercadorias e nenhuma existe fora da minha unidade de vida.

– Brilho ouro e cheiro estrume. Me alegro no vinho e corro no ácido.

– Vocês tocam, cheiram e saboreiam meu corpo, mas meu espírito mais sutil que o éter é evasivo aos sentidos. Minha mente é crédito. Para se manifestar, não precisa de um corpo.

– Entrego-me e retiro-me a meu bel-prazer e não presto contas. Sou o Onipotente que comanda as coisas que vivem e as coisas que estão mortas.

É isso. Quem quiser, siga-O como seu servo. Mas quem ainda tiver dignidade, que O enfrente.

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28 de setembro de 2022

Não há cheque em branco nenhum para Lula

Em sua coluna de hoje, no Globo, Vera Magalhães alertou que tantos e tão diferentes apoios declarados a Lula não podem “ser um cheque em branco para o petista gastar como bem entender”.

Na mesma edição, Alvaro Gribel descreveu o encontro de Lula com “pesos-pesados” do empresariado nacional, ocorrido, ontem, em São Paulo. O texto destaca os elogios de Aloizio Mercadante ao governo FHC, assim como a necessidade de combater a inflação a qualquer custo. Não à toa, Abílio Diniz brincou, chamando-o de “economista liberal”.

Em sua vez de falar, Lula preferiu passar a palavra para os empresários, para “saber deles o que seu governo precisava fazer para resolver os problemas do Brasil”.

Falaram Abílio Diniz, ex-Pão de Açúcar, André Esteves, do BTG, Fábio Ermínio de Moraes, da Votorantim, e Luis Henrique Guimaraes, do grupo Cosan. “Em comum, os quatro executivos trataram Lula como próximo presidente eleito”, relata o colunista. Ainda segundo ele:

Lula falou abertamente que é contra o teto de gastos, mas prometeu voltar a ter superávits primários. Deu a entender que essa será a sua política fiscal, a mesma que vigorou em seu governo. Prometeu recuperar a credibilidade internacional do país, e que a sociedade brasileira entrou em pânico, a ponto de apoiar e eleger um político como Bolsonaro.

Tá certo. Pra que teto de gastos se já existe o superávit primário, também conhecido como bolsa-família do grande capital?

Cheque em branco nada, Vera Magalhães. Já está preenchido e será descontado dos miseráveis saldos da maioria pobre e explorada do País. Derrotar Bolsonaro é prioridade absoluta. Mas vai nos sair muito caro.

Leia também:
O grande capital não tem o que reclamar de Bolsonaro
Era Lula: pobre é baratinho

No avesso das eleições, algum caminho

Em agosto de 2022, o Coletivo Desmedida do Possível lançou um manifesto muito lúcido e necessário sobre as eleições que se aproximam e seus desdobramentos. Abaixo, alguns trechos:

Somos pela derrota de Bolsonaro. Logo, somos pela eleição de Lula. (...)  Uma vitória de Bolsonaro pode abrir as portas para o golpismo, mas uma derrota também. Nada é garantido. No entanto, sua derrota eleitoral assegura que o golpismo continuará ilegítimo e ilegal.

(...)

O retorno da contenção lulista pode ser um passo para trás, de uma classe dominante em busca de uma saída da Nova República. No fundo, seria uma antessala de novas batalhas. O novo consenso parece ser uma trégua, para retomar uma guerra inevitável.

(...)

A dinâmica da guerra emana das formas de reprodução da vida brasileira. Há uma guerra dos de cima, contra os de baixo. Há uma guerra do Estado, contra a população preta e pobre. Mas, acima de tudo, a guerra é cotidiana, porque a forma de vida é concorrencial: o desempregado concorre com o desempregado, mas também com quem está empregado. Que, por sua vez, concorre com seus colegas de emprego.

(...)

Vivemos um mundo que produz em abundância, mas essa abundância é vivida como escassez. Esse feitiço tem um nome: mercadoria.

(...)

Não está claro se a paz tem futuro. Mas está claro que só teremos um futuro emancipado, à altura da nossa imaginação, se escaparmos da política da mercadoria. As eleições, no estágio atual, servem globalmente para encobri-la. No avesso das eleições, talvez possamos descobrir algum caminho.

Vale a pena ler a íntegra, disponível aqui.

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27 de setembro de 2022

A abolição da escravidão foi obra dos escravizados

Em 1884, havia uma associação secreta, em Pernambuco, chamada Clube do Cupim. Seu objetivo era ajudar escravizados a fugir para o Ceará e outras regiões do Nordeste onde ficavam a salvo da perseguição dos capitães do mato. 

“Caifases” era o nome de uma célula revolucionária que funcionava em São Paulo nos anos que antecederam a Lei Áurea de 1888. Seus membros penetravam nas propriedades rurais disfarçados de mascates e vendedores ambulantes. Promoviam reuniões clandestinas com grupos de escravos, incentivando-os a se rebelarem. Perseguiam capitães-do-mato e denunciavam fazendeiros acusados de maltratar seus cativos. Organizavam e patrocinavam fugas em massa de escravos, que eram levados para abrigos situados em Cubatão, no litoral paulista. Ali obtinham dos abolicionistas certificados falsos de liberdade, que lhes possibilitava trabalhar como estivadores no porto ou em fazendas. Um desses refúgios, o Quilombo do Jabaquara, no caminho de Santos, chegou a reunir 20 mil pessoas.

Os exemplos acima estão relatados no terceiro volume da trilogia “Escravidão”, de Laurentino Gomes. São apenas dois casos, mas mostram que a Abolição nunca foi iniciativa de uma princesa branca condoída dos escravizados. Ao contrário, foi produto das muitas lutas protagonizadas, principalmente, por negros, indígenas e brancos pobres.

Todo esse processo de resistência passou por momentos importantes como Palmares, Conjuraçao Baiana e Revolta dos Malês, mas continuou após o fim da escravidão. Canudos, Contestado e Revolta da Chibata, por exemplo, são lutas que fazem parte dessa grande tradição de insurgência popular. E elas continuam necessárias porque os escravocratas e racistas em geral permanecem firmes e precisam ser combatidos sem trégua. Sempre a partir de baixo e avante!

Leia também: Trabalhadores ingleses contra a escravidão

26 de setembro de 2022

Quando e porque Marx disse que não era marxista

Em maio de 1880, Marx e o líder operário francês Jules Guesde redigiram um programa para disputar as eleições francesas. Segundo Marx, o documento trazia “demandas que surgiram espontaneamente do próprio movimento operário”. 

Apesar de apresentar uma introdução onde o objetivo comunista era definido em poucas linhas, as medidas propostas eram muito concretas. Por exemplo: 

- Abolição das leis que estabelecem a inferioridade do trabalhador em relação ao patrão, e da mulher em relação ao homem;

- Fim da dívida pública;

- Um dia de descanso por semana ou proibição de trabalho por mais de seis dias em sete. Redução da jornada de trabalho para oito horas para adultos. Proibição de trabalho para menores de 14 anos e, entre 14 e 16 anos, redução de oito para seis horas diárias.

- Salário mínimo legal, reajustado anualmente de acordo com preços definidos por uma comissão estatística dos trabalhadores;

- Salário igual para trabalho igual, para trabalhadores de ambos os sexos.

Há outras medidas interessantes e que poderiam estar em qualquer lista de reivindicações atual. 

Depois que o programa foi acordado, no entanto, surgiu uma polêmica sobre seus objetivos imediatos. Enquanto Marx os entendia como um meio de agitação em torno de demandas alcançáveis no âmbito do capitalismo, Guesde considerava essas reformas como “uma isca para atrair os trabalhadores mais radicais”. 

Acusando Guesde e seus companheiros franceses de serem meros criadores de “frases revolucionárias” e de negar o valor das lutas reformistas, Marx fez sua famosa observação de que, se essas políticas representavam o marxismo, “eu mesmo não sou marxista”.

A íntegra pode ser acessada aqui, em inglês.

23 de setembro de 2022

O grande capital não tem o que reclamar de Bolsonaro

É costume atribuir o golpe de 2016 e a eleição de Bolsonaro ao desconforto das elites com a melhoria da situação dos mais pobres. Ressentimento resumido na frase “esses aeroportos estão parecendo rodoviárias”. Mas quem realmente manda na economia do País jamais pisou em uma rodoviária.

Precisamos de mais economia política e menos anedotas. É o que procura fazer, por exemplo, Eduardo Costa Pinto em seu programa “Diário da Crise”, disponível na internete. Em episódio recente, ele analisa “os lucros da mega burguesia brasileira nos últimos anos”.

Professor do Instituto de Economia da UFRJ, Costa Pinto apresenta as taxas de lucro das 230 maiores empresas privadas registradas na Bolsa. Em números que incluem os bancos, a taxa de lucro dessas empresas caiu de 17% em 2010 para 4% em 2015.

No ano seguinte, vieram o golpe do impeachment, a reforma trabalhista e outras medidas dos governos Temer e Bolsonaro que fizeram despencar a renda dos trabalhadores. Resultado, os lucros subiram de 9% para 24% entre 2016 e 2021.

Mas se forem retirados os bancos da conta, a lucratividade das empresas despencou ainda mais. Caiu de 18%, em 2010, para -2%, em 2015. Depois do golpe, voltaram a disparar, indo de 7% para 27%, de 2016 a 2021.

Portanto, se valesse a vontade desses setores, Bolsonaro já estaria com a reeleição garantida. Mas como somos um dos países mais injustos do mundo, infelizmente para eles, os grandes capitalistas são uma pequena minoria.

Dito isso, que fique claro. O grande capital não quer abrir mão das grandes taxas de lucro que conquistou. Nós que lutemos. Literalmente.

Leia também: À burguesia interessa decisão no segundo turno

22 de setembro de 2022

As boas novas de Paulo costumam ser ignoradas

“Evangelho” quer dizer “boa-nova”, em grego. E a boa-nova transmitida pelos apóstolos de Jesus era o cristianismo.

Um dos principais evangelistas foi Paulo. O problema é que o cristianismo não era aceito pelas autoridades religiosas não cristãs. E Paulo vivia sendo preso por causa de suas pregações. Dos cárceres, enviava muitas cartas. Uma delas foi escrita em Éfeso, na Grécia Antiga. Abaixo, trechos dela na interpretação bem humorada de Mark Russell, no livro “Deus está decepcionado com você”.

Algumas pessoas ainda dão muita importância ao fato de vocês não terem sido circuncidados, mas eu não me importo. Não importa que alguns de nós tenham nascido judeus e outros gentios, tudo o que importa é que somos um povo de Deus. Então, mantenham seus pintos do jeito que quiserem.

Embora eu não me importe se você for enforcado como pagão, devo insistir que você pare de pensar como pagão. Você sabe do que eu estou falando. Desonestidade. Violência. Birras. Lembre-se, tornar-se cristão deveria fazer de vocês pessoas novas.

Pelo amor de Deus, não contem piadas sujas ou fofocas uns sobre os outros. Esse tipo de coisa corrói uma igreja de dentro pra fora. A ideia é perdoar uns aos outros, assim como Cristo os perdoou.

Homens, só porque vocês são os chefes da família e suas esposas têm que fazer o que vocês mandam não significa que podem ser idiotas indiferentes e emocionalmente indisponíveis. Façam-nas felizes, já que elas se casaram com vocês.

Ah, façam algumas orações por mim, também. Acontece que estou na cadeia novamente. 

Beijos! Paulo.

São conselhos nada revolucionários. Mesmo assim, seguem ignorados.

21 de setembro de 2022

O catecismo do superávit público

Voltamos ao livro “A Religião do Capital”, de Paul Lafargue. Publicada em 1886, a obra nada sagrada e muito satírica mantém muito de sua atualidade.

Por exemplo, quando o catecismo dessa nova e poderosa religião laica ordena aos trabalhadores proceder da seguinte maneira em relação a suas economias: Levá-las às caixas econômicas do Estado para que possam ser utilizadas para cobrir os déficits do orçamento público. As quantias depositadas nas caixas de poupança são utilizadas para liquidar a dívida flutuante, que chega a muitos bilhões. Todos os anos, os superávits das contas públicas são usados para compensar os déficits do orçamento. Afinal, o Sr. Ministro das Finanças destacou o perigo que esta situação representa. O Estado pode falir caso os depositantes venham a reivindicar seu dinheiro.

Devemos sempre colocar nossas economias à disposição de nossos senhores, recomenda a doutrina. E nos resignarmos quando os filantropos das finanças, antecipando nossas demandas, nos anunciam que nossas economias se dissiparam em fumaça.

Enquanto isso, diz o texto sagrado, o capital nos concede a inocente distração de eleger legisladores que fazem leis para nos punir. Mas nos proíbe de nos ocupar com política e de dar ouvidos aos socialistas.

Nossos padres mais cultos, os economistas oficiais, dizem que a religião do capital existe desde o início do mundo. Mas como ela era ainda muito pequena, Júpiter, Jeová, Jesus e outros falsos deuses reinaram em seu lugar e em seu nome. Mas desde cerca do ano de 1.500, cresceu e continua a crescer em massa e poder. Hoje domina o mundo, arremata Lafargue.

Assim foi. Assim é...

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20 de setembro de 2022

A origem fascista do nazismo de esquerda

A extrema-direita costuma afirmar que o nazismo era de esquerda. Um absurdo criado pelas manipulações ideológicas feitas pelo fascismo histórico. É o que mostra o livro “Labirintos do Fascismo”, de João Bernardo.

Quando Mussolini e Hitler surgiram era enorme a influência dos comunistas na política europeia. Frente a isso, fascistas e nazistas sequestraram e distorceram elementos isolados do discurso da esquerda. Por exemplo, atribuindo ao conceito econômico de exploração os sinônimos moralistas de especulação e corrupção. Ou convertendo o conceito social de luta de classes no tema cultural do declínio da civilização. Já a noção política de vanguarda proletária virou elite, conceito sociológico.

Essas operações, diz Bernardo, permitiram “converter um sistema ideológico da classe trabalhadora em palavras de ordem esparsas, destinadas a mobilizar os descontentes de todas as classes”.

Não à toa, o nome oficial do Partido Nazista era Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores. E seu programa de 1920 condenava o capital especulativo e defendia somente os rendimentos do capital industrial. Como se este já não fosse inseparável do capital financeiro desde o século 19. Tentando legitimar a riqueza apropriada pelos empresários, o programa previa até e pena de morte para usurários e especuladores.

Num discurso em 1920, Hitler disse: “Não somos um partido de classe, mas de honestos produtores”. Dentre estes, estavam os grandes patrões que exploravam os trabalhadores alemães e financiaram as políticas nazistas de destruição do movimento operário.

Toda essa confusão de conceitos é bastante comum em qualquer conversa corriqueira até hoje. Alimentada pelo grande capital e aproveitada pelo fascismo, precisa ser combatida pelo trabalho ideológico cotidiano da esquerda.

Leia também: Itália, 1919: fascistas e socialistas defendem propostas semelhantes

19 de setembro de 2022

A polícia bolsonarista é anterior ao bolsonarismo

“PRF se tornou modelo de polícia do bolsonarismo” diz o editorial do Globo de hoje. O texto começa citando uma reportagem da revista “piauí", segundo a qual a PRF passou “de uma polícia dedicada ao patrulhamento de rodovias federais” para uma corporação responsável por operações policiais e chacinas elogiadas pelo clã Bolsonaro.

O editorial lembra a ação da PRF no massacre de Varginha, Minas Gerais, ocorrido em outubro de 2021. Nele morreram 26 homens, que estariam se preparando para assaltar uma agência do Banco do Brasil. Meses depois, 41 policiais rodoviários mataram 23 supostos traficantes no Complexo do Alemão, no Rio. Foi a segunda ação mais letal na história do estado.

Em 2019, prossegue o texto, a PRF matou quatro pessoas. Em 2020, 16. Em 2021, 35. Em 2022, até junho, foram 38, incluindo um motociclista sufocado com gás lacrimogêneo no porta-malas de uma viatura em Sergipe.

O editorial termina dizendo que, com “maior letalidade, a PRF vem se tornando aos poucos o modelo de polícia do bolsonarismo”.

Muita hipocrisia do jornalão carioca. Afinal, as ações da “PRF bolsonarista” não configuram um rompimento em relação ao modo que vêm ser comportando as forças de repressão do Estado brasileiro, em todos os seus níveis. Essa é a prática corrente das polícias há muitas décadas no Brasil. Talvez, séculos. E, provavelmente, trata-se de um dos fatores responsáveis pela eleição de Bolsonaro. Uma relação de mútuo reforço entre o que o bolsonarismo criou e o que criou o bolsonarismo.

Afastado Bolsonaro da presidência, muito provavelmente seguirá forte a política genocida que tentam atribuir apenas a ele.

Leia também:
A esquerda em quarentena
As tropas do fascismo estão prontas

16 de setembro de 2022

Trabalhadores ingleses contra a escravidão

No terceiro volume de sua trilogia “Escravidão”, Laurentino Gomes esclarece os motivos por trás da condenação do governo britânico ao tráfico escravista no século 19.

O diplomata Robert Hesketh representou a Inglaterra no Brasil de 1808 a 1847, relata Gomes. Em depoimento ao parlamento em Londres, estimou que pelo menos a metade do capital britânico investido no Brasil nessa época tinha envolvimento direto com o tráfico clandestino. O mesmo tráfico que o governo inglês exigiu que fosse extinto no Brasil como condição para reconhecer nossa independência.

Já o historiador norte-americano Robert Edgar Conrad escreveu que “milhares de cidadãos britânicos e norte-americanos estiveram envolvidos direta ou indiretamente no complexo sistema do tráfico escravista e no comércio legal que sustentava a economia brasileira baseada no trabalho escravo”.

Segundo o autor, grandes traficantes de gente nas costas africanas emitiam faturas de compras de mercadorias usadas no tráfico que eram descontadas em todos os grandes centros financeiros europeus e norte-americanos da época, incluindo Londres, Bristol e Liverpool. Esses testemunhos mostram como a escravização interessava aos capitalistas ingleses.

Na verdade, diz Gomes, a exigência do fim do tráfico negreiro foi produto principalmente da atuação dos mais de mil comitês operários abolicionistas que existiam na Grã-Bretanha na primeira metade do século 19. Essas organizações eram decisivas na eleição de parlamentares, o que acabou pressionando o governo inglês a adotar medidas contra o trabalho servil em países como Brasil, Portugal e Espanha.

Quem deu combate ao vergonhoso comércio de gente na Inglaterra foram os trabalhadores organizados. Não se tratava do humanitarismo esclarecido da elite britânica, mas da boa e velha luta de classes.


Leia também: Escravidão: a soberania nacional humilhada pelos ingleses

15 de setembro de 2022

Escravidão: a soberania nacional humilhada pelos ingleses

Em 1826, a Inglaterra condicionou seu apoio à independência do Brasil à aprovação de uma lei em nosso parlamento proibindo o tráfico negreiro. Era a famosa “lei para inglês ver”, já que jamais foi cumprida.

Até que em junho de 1850, uma frota inglesa patrulhava o litoral brasileiro para reprimir o contrabando negreiro e um de seus navios flagrou o desembarque de escravizados no porto de Paranaguá, no litoral paranaense.

O capitão da frota capturou dois navios negreiros e ameaçou bombardear o porto. O comandante local respondeu com tiros de canhão. Mas o poder de fogo da frota britânica era tão superior que os ingleses se limitaram a disparar poucos tiros para evitar um massacre e uma crise diplomática.

Enquanto isso, no Rio, o governo imperial avaliou que resistir poderia ser desastroso. Além do risco de ataques às capitais e cidades litorâneas pela poderosa armada britânica, um bloqueio marítimo paralisaria completamente o comércio brasileiro. A economia iria à ruína. A única saída, portanto, era acabar de uma vez por todas com o tráfico de escravos.

Desse modo, em tempo recorde, o ministro da Justiça Eusébio de Queirós convocou a Câmara dos Deputados para, às pressas, finalmente aprovar um projeto emperrado na burocracia legislativa desde 1837.

Em 4 de setembro, 65 dias após a troca de tiros em Paranaguá, o imperador sancionou a lei que suprimia definitivamente o comércio de gente. Foi assim que a vergonha da escravidão fez o país que ainda comemorava sua soberania recém-conquistada humilhar-se diante dos canhões britânicos.

O relato acima está no terceiro volume da trilogia “Escravidão”, de Laurentino Gomes.

Leia também: Bondosos escravocratas bem no meio do inferno

14 de setembro de 2022

O único deus que ainda não conheceu um ateu

Paul Lafargue era casado com Laura Marx, filha de Karl e Jenny. Sua obra mais conhecida é “O Direito à Preguiça”. 

Mas está sendo lançado no Brasil o livro “A Religião do Capital”. Publicada em 1886, a obra faz uma paródia satírica do sistema capitalista. Principalmente, de sua dominação impiedosa sobre os explorados e oprimidos.

Lafargue imagina a realização de um Congresso em Londres, no final do século 19, reunindo os mais poderosos homens do mundo a serviço do capital. O objetivo do encontro seria buscar os meios mais eficazes para deter a perigosa invasão das ideias socialistas.

Estão presentes governantes como Salisbury, Chamberlain e Randolph Churchill. Bismarck teria faltado por causa de uma crise alcoólica.

Também compareceram grandes industriais e banqueiros como Vanderbilt, Rothschild, Gould, Soubeyran, Krupp, Dietz-Monin, Schneider...

Em certo momento, um dos participantes declara com ênfase:

A única religião que pode atender às necessidades do momento é a religião do Capital. O Capital é o verdadeiro Deus, presente em todos os lugares, manifesta-se em todas as formas – é ouro deslumbrante e migalha fedorenta, rebanho de ovelhas e carregamento de café, estoque de Bíblias sagradas e fardos de gravuras pornográficas, gigantescas máquinas com grandes chassis ingleses. O capital é o Deus que todos conhecem, veem, tocam, cheiram, provam. Ele existe para todos os nossos sentidos. Ele é o único Deus que ainda não conheceu um ateu.

Cristãos, judeus e adeptos de outras religiões bateram palmas e gritaram: "Tem razão. O capital é Deus, o único Deus vivo!"

Há uma versão integral, em francês, aqui. Em breve, mais trechos desse texto instigante.

Leia também: Queremos a preguiça de Deus

13 de setembro de 2022

Não faça como os romanos, disse Paulo aos romanos

Mark Russell apresenta sua própria versão da “Carta de Paulo aos Romanos” no livro “Deus está decepcionado com você”. Vejamos alguns trechos:

As Leis de Moisés não vão domesticar ou mudar sua alma. Apenas fornecem uma gaiola para contê-la. Mas a salvação não é ficar dentro de uma prisão. Trata-se de transformar sua alma para que ela não precise ficar presa. É a sua alma que viverá no céu, não a gaiola. Você acha que Deus quer milhares de cães soltos no céu, mastigando os móveis? Não. Ele quer que sua alma cresça, amadureça e se transforme em algo digno do Céu.

O Império Romano também tem leis. Não quebrá-las não faz de você um homem santo, apenas faz de você alguém que não gosta de ser pregado em pedaços de madeira.

Eu sei que dizem "Quando em Roma, faça como os romanos". Mas você não precisa entender isso literalmente. Especialmente, quando se trata de orgias. Convenhamos, Roma está cheia de bêbados, prostitutas, enganadores, idólatras e efeminados. Quanto menos você aprender com eles, melhor.

Mas quando se trata de tornar o cristianismo universal, Paulo realmente era o cara:

Em outras religiões, você tem que se banhar em sangue de vaca ou arrebentar os joelhos rastejando até um santuário. Já nós, tudo o que temos a fazer é admitir que erramos e crer em Cristo. Nossa religião é muito mais eficiente e bem melhor para os joelhos. Mas temos que parar de pensar em nós mesmos como um puxadinho do judaísmo. Somos nossa própria religião, aberta a todos. Todos precisam de Deus, não somente os judeus.

Leia também: Algumas pílulas de humor e sabedoria cristã

12 de setembro de 2022

Mussolini venceu matando um morto

Em 1929, o romancista português Manuel Ribeiro diagnosticou: “Nos fins de 1920 a situação era esta: dum lado o Socialismo que frustrara a Revolução e não se decidia por coisa nenhuma; do outro, o país em terror a tremer dum furacão que ulula ainda, mas que vai já longe. Mussolini aproveita o pânico, corre a matar um morto e é acolhido como salvador. Eis o singelo esquema do triunfo mussoliniano”.

A citação acima está no livro “Labirintos do Fascismo”, de João Bernardo. Segundo ele, o fascismo somente venceu onde a burocratização já havia rendido o movimento operário. Mas para nosso autor, “a burocratização é gerada sempre pela base de um movimento, nunca pelo topo”.

Por mais que os dirigentes queiram consagrar seus privilégios, afirma Bernardo, “jamais o poderão fazer se a luta mantiver um dinamismo coletivo e os trabalhadores comuns se conservarem ativos e vigilantes”.

Os primeiros ensaios de violência contrarrevolucionária das milícias de Mussolini “foram inseparáveis da denúncia do reformismo socialista”. Foram muitos meses de lutas radicais nas fábricas italianas no início dos anos 1920. Mas se as direções do Partido Socialista e dos sindicatos se recusaram a avançar rumo à tomada do poder, “os trabalhadores tampouco conseguiram organizar de maneira estável a sua iniciativa própria”, diz ele.

Foi assim que o fascismo conseguiu reforçar sua penetração social e radicalizar sua atuação. Foi este o terreno da vitória de Mussolini, conclui o autor.

O grande diferencial dessa crítica é a recusa em culpar apenas as direções operárias pelas derrotas sofridas pela classe. Como se os trabalhadores organizados não pudessem se encarregar de seus próprios fracassos.

Leia também: As versões sutis e discretas do fascismo

9 de setembro de 2022

Bondosos escravocratas bem no meio do inferno

No terceiro volume da trilogia “Escravidão”, Laurentino Gomes fala de um “traço comum na biografia dos grandes traficantes e senhores de escravos”. Segundo ele, esses mercenários impiedosos:

Patrocinaram artistas, apoiaram a construção de museus, organizaram teatros e companhias de dança, financiaram expedições científicas, doaram somas expressivas para igrejas, irmandades religiosas, hospitais, escolas e obras de assistência aos pobres e doentes.

Um dos mais famosos foi Pereira Marinho, que: 

... apontado como o grande benfeitor da capital baiana a partir da década de 1860, financiou a construção do hospital Santa Izabel (...) e doou dinheiro e alimentos para as vítimas da grande seca do Nordeste, a mais devastadora de todos os tempos, entre 1877 e 1879. Também apoiou financeiramente asilos e orfanatos. No seu testamento, declarou ter “a consciência tranquila de passar para a vida eterna sem nunca haver concorrido para o mal de meu semelhante”.

Em junho de 2020, o Coletivo de Entidades Negras, organização nacional do movimento negro, pediu à Santa Casa de Misericórdia da Bahia que retirasse a estátua de Pereira Marinho da frente do hospital Santa Izabel, em respeito às milhões de vítimas do tráfico de africanos escravizados no Atlântico. Mas, óbvia e vergonhosamente, a direção da instituição “recebeu polidamente o documento, mas desde então nenhuma providência foi tomada”.

Em comparação com os antigos escravocratas, os atuais nem mesmo se dão ao trabalho de praticar benemerências. Não compartilham a ilusão de Pereira Marinho de alcançar a vida eterna com a consciência tranquila. Sabem que todos se encontrarão em lugar a eles reservado nas mais profundas e assustadoras covas do inferno.

Leia também: O coração escravocrata da independência nacional

8 de setembro de 2022

À burguesia interessa decisão no segundo turno

Em junho de 2021, Marcos Nobre afirmou que Bolsonaro era candidato “fortíssimo” à reeleição. Passado mais de um ano, não é possível dizer que o respeitado cientista social estivesse erradíssimo. Talvez, apenas errado.

A candidatura Bolsonaro parece não sair do lugar. E segundo a maioria dos analistas, o mais recente Sete de Setembro só serviu para manter sua base aguerrida, porém minoritária. 

Mesmo assim, continua difícil que a eleição se resolva no primeiro turno. E não apenas pela aparente dificuldade da candidatura petista em ganhar os votos necessários. 

Em poucos momentos históricos, as divisões no interior da burguesia ficaram tão nítidas. E a capacidade de superar essas divisões, também. Bolsonaro ainda não foi completamente descartado pelos setores mais importantes do grande capital.

É o caso dos grandes varejistas. Personagens desprezíveis como Luciano Hang e seus cúmplices golpistas devem muito a Bolsonaro, cujas políticas fizeram despencar o valor da força de trabalho, explorada em larga escala por eles.

Já o agronegócio ama a política bolsonarista de destruição ambiental e tem como maior cliente a China, cujo pragmatismo impede qualquer retaliação comercial devido a derrubada de florestas, ataques a direitos ou violência contra populações locais.

Claro que a potências da mídia empresarial, como a Globo e parte da grande imprensa, interessa derrotar Bolsonaro, uma vez que este lhes declarou guerra já durante a campanha eleitoral passada.

Mas uma definição em segundo turno seria o ideal para todos. Não só para arrancar mais concessões de Lula, como para tentar domesticar Bolsonaro. Esta última alternativa, muito improvável, felizmente.

Por enquanto, não há nada erradíssimo ou certíssimo. Só tensíssimo!

Leia também: Das muitas conspirações, a menos pior

6 de setembro de 2022

Das muitas conspirações, a menos pior

A situação que vivemos atualmente é resultado de várias conspirações. Começou com o golpe do impeachment tramado pelos tucanos, inconformados com sua derrota eleitoral. Seu braço operacional, a Lava-Jato. 

Um tanto tardia, mas fundamental, foi a entrada em cena da cabala do Centrão, integrando o próprio governo a ser derrubado. 

O objetivo era enterrar qualquer ambição eleitoral do PT nas eleições seguintes. Mas a mancomunação militar atropelou geral, obrigando todas as outras a confluir para a eleição de Bolsonaro.

Empossado, o novo presidente dificultou bastante as coisas. Mas o entrelaçamento de interesses estabelecidos para viabilizar a deposição de Dilma manteve harmonia suficiente para sustentar o possuído.

Incluída aí a omissão igualmente conspirativa das “instituições democráticas” diante dos muitos crimes cometidos por Bolsonaro antes e durante a pandemia. 

Mas quase 700 mil mortes pela Covid, economia rastejando, desemprego voando e fome se espalhando, além das inúmeras ilegalidades cometidas pela conluio lavajatista, acabaram permitindo o retorno de Lula ao cenário eleitoral. 

Nesse momento, sob o temor de uma derrota acachapante do capacho das casernas, alguns conjurados abandonaram suas cabalas de origem. Iniciaram uma via conspiratória alternativa, com espaço para conchavos com forças institucionais à esquerda. 

Mesmo assim, a grande conspiração, composta por outras de variados tamanhos e formas de atuação, permanece em pleno funcionamento, sem qualquer prejuízo para os inúmeros retrocessos sociais que promoveu. Por ora, relativamente ameaçada, somente a matilha feroz que ocupa o Alvorada. 

Verdadeiramente prejudicados, os de sempre. Vítimas da grande conjuração que une as classes dominantes há séculos. Milhões de explorados, oprimidos e massacrados, novamente condenados a escolher a conspiração menos pior.

Leia também: A esquerda aqui jaz. Mas nunca em paz

5 de setembro de 2022

A esquerda aqui jaz. Mas nunca em paz

Trecho do artigo “A esquerda vai ao Parlamento”, de Maurício Abdalla, publicado em Outras Palavras:

Muitos optaram por lutar apenas no contexto de batalha político-eleitoral e do exercício do poder institucional, e isso levou, muitas vezes, em nome da sustentação dessa opção, a alianças com inimigos, aceitação de recursos impróprios e permissões exageradas para que as regras viciadas do jogo político, que conduzem à corrupção, fossem usadas sob o pretexto da justificação dos meios pelos fins. Além disso, alguns mandatos de esquerda se tornaram “autopoiéticos”. A autopoiese é um conceito criado pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela para se referir ao funcionamento da célula, que eles definem como uma máquina autopoiética. Enquanto todas as máquinas produzem algo diferente de si mesmas, a célula tem todo o seu funcionamento voltado exclusivamente à produção de si mesma (autopoiese é, etimologicamente, “fazer a si mesmo”). Quando um mandato procura apenas se perpetuar nas próximas eleições, ser um campo de fortalecimento de tendências internas do partido e retribuir apoios com distribuição de cargos e assessorias para manter-se no poder, eles se tornam autopoiéticos. Tudo que fazem visa a sua própria manutenção, e não há mais projeto estratégico no qual se referenciar. Por mais pontos positivos que possam acumular para colocar naquele jornal de prestação de contas distribuído na pré-campanha de reeleição, é pouco para mandatos que tenham a emancipação como projeto de transformação radical da sociedade. Para a célula, a autopoiese é o que garante a vida. Para um partido de esquerda, é o que produz a morte.

E, assim, aqui jazemos. Mas jamais na paz dos rendidos.

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2 de setembro de 2022

Algumas pílulas de humor e sabedoria cristã

Mais Fragmentos do livro “God Is Disappointed In You” (“Deus está decepcionado com você”), de Mark Russell. 

Evangelho de Marcos:

“Onde está Jesus?” alguém perguntou. "Está por aqui em algum lugar", respondeu o anjo. "Você quer dizer que ele está vivo?" "Claro", respondeu o anjo. “Você acha mesmo que conseguiriam matar um cara que traz os mortos de volta à vida?”

Evangelho de Lucas:

A ideia mais importante de Jesus sobre religião era o perdão. O mundo em que ele vivia tinha tudo a ver com vingança, matança e não desagradar deuses que atingiam pessoas com raios apenas para vê-las brilhar no escuro. Jesus pensou: “A vida não seria boa se todos nós simplesmente perdoássemos uns aos outros? Se eu te perdoasse, não sentiria necessidade de vingança. Se você me perdoasse, eu não precisaria ficar com medo de virar as costas para ninguém. Se Deus perdoasse a todos nós, nós o amaríamos mais como pai do que o temeríamos como um policial do universo”.

Jesus não acreditava em vingança. “Se a justiça precisa ser feita”, ele dizia, “isso é uma tarefa para Deus, não para linchadores”.

Evangelho de João:

Jesus entregou pães e peixes a seus discípulos para distribuir à multidão. Milagrosamente, ele não apenas alimentou todo mundo, como ainda tinha sobras. “Bem, eu já vi o suficiente!” alguém disse, terminando o último sanduíche de peixe. “Esse cara é claramente o Messias.” A multidão aplaudiu, e Jesus saiu de mansinho antes que a turba resolvesse levá-lo a Jerusalém, derrubar o governo e coroá-lo como rei.

Pílulas de algum humor e muita sabedoria cristã sempre ajudam.

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1 de setembro de 2022

O coração escravocrata da independência nacional

No início do século 17, Pernambuco era uma província rebelde tanto em relação a Portugal como à corte do Rio de Janeiro. Por isso, em julho de 1822, José Bonifácio enviou para lá um emissário com a promessa de que, em troca do apoio à independência, os senhores de engenho seriam protegidos de uma eventual rebelião escrava.

Muitos anos depois da Independência, os principais traficantes negreiros continuavam a ser portugueses. Um exemplo é o relatório do cônsul britânico Robert Hesketh, o qual mostra que dos 38 grandes mercadores de escravos em atuação no Rio de Janeiro, dezenove eram portugueses, doze brasileiros, dois franceses e dois norte-americanos. Havia ainda um espanhol, um italiano e um anglo-americano.

As informações acima estão no terceiro volume da trilogia “Escravidão”, de Laurentino Gomes.

Gomes também cita a impressionante “lista dos traficantes clandestinos de escravos agraciados com honrarias e títulos de nobreza em Portugal. Concedidos pela rainha Maria II, esses títulos costumavam ser oficialmente reconhecidos no Brasil pelo irmão dela”, o imperador Pedro II.

A escravidão já não existe e é até considerada crime. Mas o racismo jamais foi derrotado pela lei, tanto aqui como em Portugal. Basta verificar os inúmeros casos de crimes racistas que permanecem impunes, tanto lá como aqui.

O que antes era cumplicidade escravocrata, hoje é uma tolerância que reforça a violência racista. Situação perfeitamente simbolizada pela importação provisória do músculo cardíaco de Pedro I.

Que a iniciativa tenha partido de um governo explicitamente racista evidencia a persistência dos vícios de um processo de independência acertado entre os membros da mesma camada de nobres escravocratas.

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