Trecho do artigo “A esquerda vai ao Parlamento”, de Maurício Abdalla, publicado em Outras Palavras:
Muitos optaram por lutar apenas no contexto de batalha político-eleitoral e do exercício do poder institucional, e isso levou, muitas vezes, em nome da sustentação dessa opção, a alianças com inimigos, aceitação de recursos impróprios e permissões exageradas para que as regras viciadas do jogo político, que conduzem à corrupção, fossem usadas sob o pretexto da justificação dos meios pelos fins. Além disso, alguns mandatos de esquerda se tornaram “autopoiéticos”. A autopoiese é um conceito criado pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela para se referir ao funcionamento da célula, que eles definem como uma máquina autopoiética. Enquanto todas as máquinas produzem algo diferente de si mesmas, a célula tem todo o seu funcionamento voltado exclusivamente à produção de si mesma (autopoiese é, etimologicamente, “fazer a si mesmo”). Quando um mandato procura apenas se perpetuar nas próximas eleições, ser um campo de fortalecimento de tendências internas do partido e retribuir apoios com distribuição de cargos e assessorias para manter-se no poder, eles se tornam autopoiéticos. Tudo que fazem visa a sua própria manutenção, e não há mais projeto estratégico no qual se referenciar. Por mais pontos positivos que possam acumular para colocar naquele jornal de prestação de contas distribuído na pré-campanha de reeleição, é pouco para mandatos que tenham a emancipação como projeto de transformação radical da sociedade. Para a célula, a autopoiese é o que garante a vida. Para um partido de esquerda, é o que produz a morte.
E, assim, aqui jazemos. Mas jamais na paz dos rendidos.
Leia também: Nossas contribuições para o emburrecimento geral
Nenhum comentário:
Postar um comentário