Doses maiores

10 de junho de 2020

A esquerda em quarentena

Há um certo consenso de que, uma vez superada a pandemia, a vida jamais voltará ao normal. Também deveria ser consensual que, mesmo que Bolsonaro seja derrotado, não voltaremos à normalidade anterior.

O normal de antes da pandemia era o desmatamento que a provocou. Era o caos urbano que espalhou o vírus. Era a enorme desigualdade econômica e sanitária que tornou o covid muito mais mortal entre os pobres e não brancos.

E o normal antes de Bolsonaro, era o quê? A democracia? Qual democracia e para quem?

Lá onde a pandemia faz mais vítimas ficam os mesmos lugares onde a democracia sempre foi um conceito tão conhecido quanto abstrato. Em nenhum momento, por exemplo, essa ideia impediu que a polícia continuasse matando indiscriminadamente.

Nesses locais, do mesmo modo que a democracia não estava presente quando Bolsonaro chegou, não havia um mínimo de dignidade humana quando o coronavírus atacou.

Recentemente, foi divulgado o estudo “Bolsonarismo em crise?”, coordenado pelas pesquisadoras Camila Rocha e Esther Solano. Feito com eleitores de Bolsonaro das classes C e D, o levantamento apontou um certo arrependimento entre seus entrevistados.

Mas, mesmo entre esses “arrependidos”, a maioria repetiria o voto por “falta de alternativa” e graças a um persistente antipetismo.

Comentando os resultados de seu trabalho, Esther adverte que tal como acontece com a democracia, o significado de fascismo também permanece vago. E vai ser assim enquanto continuarmos a simplesmente definir fascismo como o oposto de democracia.

Bolsonaro ainda está lá, junto com o vírus. E nós? Nós já estávamos em quarentena muito antes dos dois chegarem.

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