Doses maiores

9 de setembro de 2022

Bondosos escravocratas bem no meio do inferno

No terceiro volume da trilogia “Escravidão”, Laurentino Gomes fala de um “traço comum na biografia dos grandes traficantes e senhores de escravos”. Segundo ele, esses mercenários impiedosos:

Patrocinaram artistas, apoiaram a construção de museus, organizaram teatros e companhias de dança, financiaram expedições científicas, doaram somas expressivas para igrejas, irmandades religiosas, hospitais, escolas e obras de assistência aos pobres e doentes.

Um dos mais famosos foi Pereira Marinho, que: 

... apontado como o grande benfeitor da capital baiana a partir da década de 1860, financiou a construção do hospital Santa Izabel (...) e doou dinheiro e alimentos para as vítimas da grande seca do Nordeste, a mais devastadora de todos os tempos, entre 1877 e 1879. Também apoiou financeiramente asilos e orfanatos. No seu testamento, declarou ter “a consciência tranquila de passar para a vida eterna sem nunca haver concorrido para o mal de meu semelhante”.

Em junho de 2020, o Coletivo de Entidades Negras, organização nacional do movimento negro, pediu à Santa Casa de Misericórdia da Bahia que retirasse a estátua de Pereira Marinho da frente do hospital Santa Izabel, em respeito às milhões de vítimas do tráfico de africanos escravizados no Atlântico. Mas, óbvia e vergonhosamente, a direção da instituição “recebeu polidamente o documento, mas desde então nenhuma providência foi tomada”.

Em comparação com os antigos escravocratas, os atuais nem mesmo se dão ao trabalho de praticar benemerências. Não compartilham a ilusão de Pereira Marinho de alcançar a vida eterna com a consciência tranquila. Sabem que todos se encontrarão em lugar a eles reservado nas mais profundas e assustadoras covas do inferno.

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