Em 1940, Walter Benjamin escreveu: “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura.”
Uma das formas consagradas de “transmissão da cultura” é o museu. Museus são quase onipresentes na Europa. Tanto nos países que foram impérios ou potências coloniais como nos que tentaram a empreitada colonizadora mais tardiamente, como a Alemanha.
No livro “Freud, pensador da cultura”, Renato Mezan, utiliza a definição de Hermann Broch, escritor e especialista em história da arte, para definir uma obra de arte “verdadeira” como materialização do “sentido da época”, em que o artista consegue captar o momento histórico em que vive como totalidade, “acima e através da multiplicidade desorientadora dos acontecimentos que se sucedem e coexistem”. Ora, diz Broch, “uma obra de arte que reproduz o conteúdo total de uma época (e, portanto não apenas o seu estilo), e que representa por isso uma ‘novidade’ inquietante, não se torna, geralmente, algo familiar antes que a época tenha acabado, o que significa que ela é apreciada e reconhecida apenas quando o período de sua criação já se tornou uma totalidade histórica”. Em oposição a ela, diz Mezan, a “pequena” obra de arte não conseguiria exprimir em si a totalidade de sua época, mas apenas um de seus aspectos.
A partir daí, Mezan aborda a “museificação” da arte. Processo pelo qual o “museu, com sua disposição tranquilizante, em que as obras coexistem umas ao lado das outras, protegidas do público por molduras e cordões de isolamento, pode ser visto como o lugar em que a arte é neutralizada, justo por meio de sua glorificação”.
Ao lembrar a constante presença dos guias nas visitas ao museu, por exemplo, Mezan observa que “o fato de que se tenha tornado necessário ensinar a ver o que mostra um quadro ou uma estátua diz muito sobre essa função de neutralização da arte, já que o melhor jeito de se escudar do sentido de uma produção humana é ignorar a forma pela qual ele se materializa, num estilo determinado e num código expressivo particular”.
É possível extrapolar essa lógica para a atividade turística em geral, organizada cada vez mais como uma indústria. Mais do que isso, uma indústria que produz sensações em série. Como aquelas turmas de viajantes que seguem em ritmo acelerado, de olho na bandeirinha do guia, pelos locais mais atraentes do destino turístico da moda. Correm de uma atração à outra, em uma velocidade que vem aumentando muito nos últimos anos, já que agora nem se trata mais de observar, mas de registrar imagens a serem rapidamente despachadas pelas redes virtuais. Imagens que estão cada vez mais bem elaboradas graças aos recursos cibernéticos, mas que são facilmente esquecidas em meio à enxurrada de muitas outras semelhantes. É o turismo “instagramatizado”.
Há muito tempo, fazer turismo deixou de ser sinônimo de viajar, no sentido de conhecer os lugares, seus habitantes, costumes, cultura, características locais, e, principalmente, mazelas e contradições. É mais um ramo econômico do qual participamos. Até pouco tempo, nossa função era a de consumidores. Agora, também participamos como produtores, uma vez que costumamos compartilhar nossa experiência por meio de imagens postadas nas redes virtuais, ajudando a manter aquecidas as demandas da indústria do turismo. Por outro lado, quando mostramos as fotos e vídeos a amigos e parentes, temos a sensação de as vermos com o mesmo estranhamento de quem não nos acompanhou na viagem. A experiência parece ter permanecido na dimensão bidimensional das imagens processadas em nossos celulares.
O que está escrito acima relata fenômenos mais visíveis para quem viaja por países da Europa, mas, claro, que também acontece em vários outros destinos turísticos, incluindo Estados Unidos, China, Rússia, Índia e vários países periféricos. Em muitos destes casos, a “museificação” poder ocorrer mesmo na ausência de grandes acervos museológicos. Museus não cumprem sempre e necessariamente essa função alienadora. Mas tal como outras instituições, são capturados pelo fetichismo da mercadoria e carregam pesada herança colonial.
Para muitos, o verbo viajar poderia ser substituído por “turistar”. Porque viajar, mesmo, com tempo para convivência, vivência, contemplações e experiências tridimensionais concretas e não museificadas ou instagramatizadas, só para herdeiros.
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