Doses maiores

29 de março de 2019

O potencial transformador dos partidos digitais

Encerrando esta série de comentários sobre o livro “The Digital Party”, de Paolo Gerbaudo, destaquemos que, para o autor:

...o partido digital responde a uma questão fundamental: a necessidade de atualizar radicalmente as formas organizacionais de política e adaptá-las à era digital.

O problema, diz Gerbaudo, “é como abordar os limites do partido digital e transformar essa proposta partidária em um meio não apenas para a democracia digital, mas para a democracia amplamente definida”.

Esta tarefa mostra-se mais urgente, diz ele, porque esse modelo organizacional continuará a se espalhar em diferentes sistemas políticos, incluindo os partidos tradicionais.

Para Gerbaudo quatro questões deveriam nortear a construção dos partidos digitais como instrumentos de verdadeira transformação social.

Primeiro, mais peso precisa ser dado às iniciativas de baixo para cima.

Em segundo lugar, a gestão de plataformas e processos de tomada de decisão devem ser atribuídas a um comitê independente, democraticamente eleito.

Terceiro, é preciso buscar novas formas de integração social, além de ampliar os contatos presenciais.

Quarto, é preciso abandonar o preconceito excessivo contra a burocracia, bem como a obsessão com o participacionismo.

Além disso, evitar a dependência exagerada da exploração do trabalho voluntário dos membros do partido.

Também é importante ter consciência de que “relações de poder podem ser rearranjadas, mas nunca completamente eliminadas, independentemente da perfeição e suposta neutralidade das ferramentas utilizadas”.

Por fim, é preciso combater as utopias tecnológicas ingênuas, mas também a fobia em relação ao novo que, frequentemente, atinge muitos setores da esquerda.

Aliás, diríamos, o novo jamais deveria nos assustar. Deve ser, antes de tudo, compreendido e, conforme o caso, assimilado ou combatido.

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28 de março de 2019

A crise de 2008 e os partidos digitais

Em seu livro “The Digital Party”, Paolo Gerbaudo destaca a importância da Grande Recessão mundial iniciada em 2008 para o surgimento dos partidos digitais.

A crise fez disparar em muitos países o número dos que vivem uma condição social e econômica instável, lutam para sobreviver e veem seus direitos sociais cada vez mais desrespeitados.

Aprofundou-se o caráter fragmentado, precarizado e disperso de amplos setores da classe trabalhadora. Mas eles também passaram a incluir muitos jovens que dominam as ferramentas digitais.

É exatamente essa juventude dinâmica que os partidos digitais vêm atraindo.

O Movimento de cinco estrelas é forte, particularmente, entre pessoas com idades entre 35 e 44 anos. A esmagadora maioria dos eleitores do Podemos tem menos de 35 anos. Nas eleições presidenciais de 2017, o França Insubmissa conseguiu 30% de seus votos entre os que tinham entre 18 e 24 anos.

Jeremy Corbyn lidera o “Momentum”, no interior do Partido Trabalhista inglês. A organização tem forte presença nas redes virtuais. Nas últimas eleições, 66% de seus votos vieram de eleitores com idade entre 18 e 19 anos.

Bernie Sanders, do Partido Democrata estadunidense, lidera uma equipe que utiliza bastante as ferramentas digitais. Aos 78 anos de idade, a base eleitoral do senador tem, em média, menos de 45 anos.

Ou seja, com todas as contradições, limites, riscos e ilusões que os partidos digitais apresentam, eles não podem ser simplesmente descartados. Provavelmente, vieram para ficar e já influenciam fortemente o funcionamento dos partidos tradicionais.

Mais que isso, Gerbaudo entende que podem se tornar instrumentos importantes para a transformação social, desde que...

Fica para a próxima pílula.

27 de março de 2019

Os riscos para a democracia de base nos partidos digitais

O que era sólido nos partidos tradicionais, desmanchou-se no ar nos partidos digitais, afirma Paolo Gerbaudo em “The Digital Party”. O livro aborda organizações como o Podemos espanhol e o Cinco Estrelas italiano.

O autor compara os partidos digitais a empresas “startups”. Com seu pequeno “capital inicial” e equipe central enxuta, conseguem se movimentar agilmente, desorganizando o “mercado” e atraindo “clientes”.

O Cinco Estrelas, por exemplo, tem um “não-estatuto” e seu endereço oficial é o blog de Beppe Grillo, seu dirigente máximo. O mesmo a quem seus liderados se referem, muito contraditoriamente, como um “não-líder”.

Lideranças influentes, grandes sedes, regulamentos detalhados, corpos profissionalizados. Tudo isso deve ser abandonado. Simbolizariam opacidade, burocratização, falta de democracia e sigilo.

Já as estruturas locais, devem ser soltas, informais e em rede. Mas Jorge Lago, dirigente do Podemos, por exemplo, argumenta que essas instâncias não são um espaço para decisão, mas para ação. O grande risco está na velha separação entre decisão e execução.

O Cinco Estrelas começou a organizar seus grupos de base em 2005. Eram assembleias abertas, discutindo diferentes questões. Em 2013, o partido entrou no parlamento. Em 2015, os coletivos locais perderam poderes. Passaram a falar em nome do partido apenas seus representantes institucionais.

Nas atuais condições sociais, as pessoas estão mais relutantes ou ocupadas demais para participar de reuniões presenciais do que na era industrial. Nesse contexto, fragilizar grupos locais de debate e deliberação fragmenta a participação.

O processo decisório passa a depender do acesso individual a computadores e smartphones. Algo que pode ser desastroso para a democracia partidária. Afinal, não existe tecnologia neutra.

26 de março de 2019

A ideologia do participacionismo nos partidos digitais

Pawel Kuczynski
“Participacionismo” é como Paolo Gerbaudo chama o que ele considera ser uma poderosa ideologia dos partidos digitais, em seu livro “The Digital Party”.

Segundo ele, trata-se de um credo democrático radical que considera a participação e não a representação a fonte última de legitimidade política.

Baseia-se em noções de abertura, espontaneidade, transparência, autenticidade e intermediação zero. Valores profundamente influenciados pela tecnologia digital e sua cultura correlata.

Essa ideologia é perfeita para que Facebook, Twitter, Google, Youtube, Uber e Airbnb ganhem muito dinheiro. Já na esfera política, tende ao hiperindividualismo neoliberal, diz Gerbaudo.

Uma visão em que a participação individual se opõe ou desconfia da participação coletiva. Pessoas isoladas ou em pequenos grupos no lugar de associações, sindicatos ou partidos tradicionais.

Por outro lado, esse fenômeno pode criar uma "tirania de pessoas com tempo". Aquelas que têm a possibilidade e dedicação suficientes para se engajar em discussões qualitativas complexas. Geralmente, pouco preocupadas com sua sobrevivência.

Para ilustrar, o autor cita a “Lei da participação 1-9-90” de Jakob Nielsen: em qualquer comunidade, a grande maioria - 90% ou mais - é feita de usuários passivos. Cerca de 10% dos participantes são ativos, mas dentro dos quais apenas 1% é realmente atuante. Na Wikipédia, por exemplo, 0,003% dos usuários criam dois terços do conteúdo do site, exemplifica Gerbaudo.

Por fim, alerta o autor, a tomada de decisão é limitada por uma série de regras embutidas no design do software e nos processos de gerenciamento e moderação das discussões coletivas. E o círculo se fecha. Tais processos funcionam sob a lógica neoliberal dos novíssimos monopólios da informação.

Leia também: O “partido plataforma” e suas contradições

25 de março de 2019

O “partido plataforma” e suas contradições

Em seu livro “The Digital Party”, Paolo Gerbaudo afirma que:

Assim como o partido de massa refletiu a natureza e as tendências da sociedade industrial, o partido digital internaliza o modelo de plataforma popularizado por empresas como Google, Facebook e Amazon.

Por isso, o autor também chama essa nova organização de "partido plataforma". Um modelo partidário que procura reproduzir a lógica das plataformas das redes digitais em sua própria estrutura de tomada de decisões.

Tão "faminto por dados" como as corporações nascidas no Vale do Silício, o partido plataforma procura expandir constantemente sua base de dados e rede de contatos.

Essa configuração baseada na utilização da tecnologia digital proporcionaria uma nova democracia de base, mais aberta à sociedade civil e à intervenção ativa de cidadãos comuns.

Semelhante a uma “startup”, como Uber e Airbnb, teriam a mesma capacidade de crescer muito rapidamente. Um exemplo é o Movimento Cinco Estrelas, que, com menos de uma década de existência, tornou-se o maior partido italiano e atualmente integra o governo nacional.

No entanto, diz Gerbaudo, diferente do que dizem alguns de seus defensores, tal reestruturação organizacional do coletivo partidário não resultou em uma difusão radical do poder ou levou a uma situação na qual todos têm peso igual.

Uma das principais razões para isso é que o partido plataforma tende a deslocar a ênfase do conteúdo para o processo. Como nas redes virtuais, é fácil entrar e participar. E, como nelas, muito difícil entender do que exatamente se está participando e quais seus objetivos globais concretos.

Não à toa, o Cinco Estrelas descambou rapidamente para posições de direita.

Leia também: Antes do partido digital, o “partido televisão” e o partido de massas

22 de março de 2019

Antes do partido digital, o “partido televisão” e o partido de massas

Em seu livro “The Digital Party”, Paolo Gerbaudo descreve a teoria do intelectual italiano Marco Revelli, que vê no partido de massas o equivalente político da fábrica fordista no nível econômico.

Primeiro, por seu "gigantismo" e esforço "para incorporar grandes massas de pessoas de maneira estável, organizadas em estruturas sólidas e permanentes".

Depois, por seu "trabalho político" coletivo, inspirado por critérios tayloristas de eficiência e racionalização. Os militantes seriam os trabalhadores da linha de montagem. Os dirigentes locais, os supervisores. O comitê central, os executivos.

Mas a crise do capitalismo fordista também afeta o partido de massas, que se vê enfraquecido diante da crença imposta pelo neoliberalismo num mundo “pós-industrial, pós-ideológico e pós-classe”.

Surge, então, o “partido televisão”, fortemente influenciado pela ascensão da TV como o canal dominante da comunicação.

O modelo fordista dá lugar ao paradigma “midiático-marqueteiro”, derivado de ramos considerados representantes da vanguarda da economia pós-industrial.

O partido televisão não tem mais o apoio de uma base militante ativa. São, principalmente, seus líderes que apelam diretamente aos eleitores em programas televisivos.

Essa nova organização política já não tem uma base de classe claramente definida. De forma oportunista, procura atrair diferentes camadas sociais. O eleitorado é um mercado a ser conquistado.

Há também um fortalecimento da liderança partidária, com campanhas personalizadas e centradas nos candidatos. Essa mediação política à distância corroeu o papel das bases no partido e contribuiu fortemente para gerar uma atitude passiva no eleitorado.

Aparece, então, o partido digital, prometendo resolver ou minimizar os problemas introduzidos pelo partido televisão. Será capaz de cumprir o que promete? Continua na próxima pílula.

21 de março de 2019

Facebook: quando o oco domina o mundo

O Facebook é uma concha vazia, um recipiente que adquire significado apenas por meio do conteúdo gerado pelo usuário que é produzido por indivíduos interagindo nele.

Mas também funciona como um "aparente paradoxo", em que um "mecanismo estrito e invariável (ditadura de meios) oferece uma heterogeneidade de usos autodirigidos (liberdade de fins)".

As palavras acima estão em “The stack: on software and sovereignty”, de Benjamin Bratton. A obra é citada no livro “The Digital Party”, de Paolo Gerbaudo, ambos sem tradução.

A análise ajuda a entender a lógica do Facebook. Por trás de maravilhas como compartilhamento, descentralização e livre fluxo de informações, um mecanismo que direciona fortemente a vida de bilhões pelo planeta.

Segundo Gerbaudo, esse mecanismo “tem importantes implicações para o exercício do poder em termos da centralização que facilita e das distorções inerentes às regras e protocolos da plataforma”.

Resumindo, a adesão é voluntária e a participação é livre, mas ambas limitadas e orientadas por algoritmos que são definidos por uma minoria e seus valores. Uma centralização tão sutil, quanto poderosa.

O fato é que produtos como o Facebook resultam da mentalidade típica do Vale do Silício. Liberal em relação a costumes, mas fanática quanto aos imperativos do mercado.

E são tais imperativos que transformaram a “concha vazia” do Facebook numa das mais adequadas caixas de ressonância dos valores conservadores que vêm sendo impostos pelo neoliberalismo há décadas.

Trump e Bolsonaro no poder são símbolos perfeitos do sucesso dessa lógica. Se não pode ser considerada o único fator determinante para a vitória deles, ela mostra que cascas vazias também podem funcionar de forma colaborativa.

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O bode de estimação do Facebook

20 de março de 2019

Os antigos e os novíssimos monopólios da verdade

Pawel Kuczynski
Os primeiros aparelhos de rádio serviam tanto para recepção como para emissão. Uma troca que ficava fora do alcance da indústria e dos governos.

As estações de rádio permitiram opor alguns emissores a milhões de receptores. Um monólogo que, geralmente, trata somente do que interessa ao mercado e ao poder.

A TV já surgiu sob a lógica do monólogo. Não à toa, nos países economicamente dependentes as redes de difusão audiovisual foram priorizadas em relação à estrutura telefônica.

No início do século 21, surge a maior empresa de mídia da história. O sucesso do Facebook se deveu muito à restauração dos contatos interpessoais. Ainda que virtuais.

Décadas de neoliberalismo criaram o ambiente ideológico perfeito para a volta do diálogo sem risco para os poderes estabelecidos. Ao contrário, tinha tudo para os favorecer.

Associações, clubes, sindicatos, partidos esvaziados. A família reduzida a, no máximo, quatro ou cinco membros. Os apartamentos no lugar de aldeias, vilas, paróquias.

O individualismo no lugar da solidariedade, a competição ao invés da colaboração. Empreendedorismo, sim, consciência de classe, jamais.

Cenário perfeito para que os diálogos se limitassem ao nível virtual. Inclusive, da sala para o quarto.

Evidentemente, a maior empresa de mídia já formada também é o maior anunciante. O Facebook monetizou os contatos entre as pessoas, alavancando bilhões de dólares por hora.

Enquanto isso, o Google monetizou radicalmente a informação. Vale como fato objetivo aquele que recebe mais cliques.

Esta é basicamente a economia política que opõe os interesses de antigos e novíssimos monopólios da verdade. Nosso grande desafio é saber explorar as contradições dessa briga. Estaremos à altura da tarefa?

19 de março de 2019

O combate às mentiras e aos monopólios da verdade

A pílula de ontem citou recomendações adotadas pelo colunista Helio Gurovitz para que a imprensa enfrente as “vozes discordantes” que acreditam no festival de mentiras que empesteia as redes virtuais. Seria preciso:

...respeitá-las, ouvi-las, manter a calma e não entrar em gritaria, não adotar um tom de queixa, ser sincero e determinado nas próprias crenças, pensar e tratar não só de fatos, mas sobretudo dos valores...

Certo, tudo muito válido. Mas será que a imprensa que vem dominando a distribuição de informações no mundo há décadas teria condições de adotar tal postura? Impossível.

Os atuais monopólios de comunicação só sabem despejar seus produtos em larga escala. Falta-lhes a capacidade de dialogar porque sua lógica é unidirecional.

Mas é pior que isso. Tratar não só de fatos, mas sobretudo de valores, recomenda o colunista. Para a grande imprensa isso equivaleria a admitir que defende certos valores. E que eles são os dos poderosos. Da minoria.

Ou seja, os instrumentos de comunicação melhor preparados para travar esse combate são os alternativos. A extrema-direita já começou a trabalhar nisso há vários anos. O resultado é óbvio.

Falta à esquerda fazer o mesmo. Deixar de priorizar eleições para disputar cabeças e almas. Parar de depender de estruturas sob controle estatal ou empresarial. Travar a batalha da contra-hegemonia, que exige menos recursos financeiros e muito mais trabalho cotidiano.

Só quem tem uma visão de mundo radicalmente diferente àquela defendida por criaturas como Trump e Bolsonaro pode derrotá-los.

Mas é crucial para travar essa luta compreender o papel dos novíssimos monopólios de mídia. Facebook e Google, principalmente. Fica para a próxima pílula.

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18 de março de 2019

O festival de falsidades e os monopólios da verdade

Em 14/03/2019, na revista Época, Helio Gurovitz abordou “O desafio da imprensa diante de Trump e Bolsonaro”.

Basicamente, tal desafio envolveria o combate ao festival de falsidades que gira em torno dos presidentes nomeados no título.

O colunista cita o livro “Don’t think of an elephant!” (Não pense num elefante!) do linguista estadunidense George Lakoff. Para ele, fatos são cruciais, mas:

...precisam ser emoldurados de modo adequado para que entrem no discurso público de modo eficaz. Acreditar que apenas apresentá-los de maneira competente basta para que o cidadão “acorde” é uma ilusão”.

Nos conservadores, exemplifica o linguista, as crenças derivam da imagem da família com pai rigoroso. Nos progressistas, da família com pais carinhosos.

Segundo Lakoff, “muitas das ideias que ultrajam os progressistas são o que os conservadores veem como verdade” e vice-versa. Referindo-se a Trump, Bolsonaro e seus aliados, afirma: “Eles não são estúpidos. Estão ganhando porque são inteligentes. Entendem como as pessoas pensam e falam.”

Por fim, o colunista transcreve alguns princípios úteis recomendados pelo linguista “para dialogar com vozes discordantes”.

...é preciso respeitá-las, ouvi-las, manter a calma e não entrar em gritaria, não adotar um tom de queixa, ser sincero e determinado nas próprias crenças, pensar e tratar não só de fatos, mas sobretudo dos valores — e evitar adotar a moldura do adversário ao rebater ataques. “Não use a linguagem deles. A linguagem seleciona uma moldura — e não será a moldura que você quer.”

Dicas importantes, sem dúvida. Mas que imprensa poderia adotá-las? Certamente, não a dos monopólios que se declaram isentos e objetivos, mas também defendem verdades interessadas.

Continua na próxima pílula.

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15 de março de 2019

Nos Estados Unidos, pacto verde ou tragédia vermelha?

Em 07/02/2019, nos Estados Unidos, parlamentares democratas liderados por Alexandria Ocasio-Cortez apresentaram um projeto-de-lei intitulado o “Green New Deal”.

O “Novo Acordo Verde” é um plano ambiental que pretende criar uma economia mais amiga do meio ambiente naquele país, até 2030. Também pretende unir questões sociais e ecológicas, incorporando pautas dos movimentos populares.

São cinco objetivos em 10 anos. O mais ambicioso deles, a conversão da matriz energética dos Estados Unidos em algo próximo de 100% com fontes de energia limpa, renovável e sem emissões de carbono.

José Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, analisou o projeto em artigo publicado no portal EcoDebate.

Segundo ele, não será fácil implementar a proposta, entre outros motivos, porque “é impossível viabilizar um novo projeto verde para os EUA se for baseado no crescimento demoeconômico do país”.

Alves está se referindo, especialmente, ao desenfreado consumismo estadunidense. Tao lucrativo para alguns poucos, como desastroso para a enorme maioria, de lá e do resto do planeta.

A proposta inspira-se no “New Deal”. Uma série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo Roosevelt, para recuperar a economia estadunidense após a Grande Depressão de 1929.

Realmente a recuperação econômica estadunidense no período posterior foi impressionante. Mas há muitas evidências de que esse sucesso se deveu muito mais à Segunda Guerra Mundial que ao New Deal.

A “recuperação” econômica aconteceu, principalmente, graças à barbárie que queimou muitos milhões de vidas pelo planeta. É assim que o capitalismo se recicla. No lugar do verde, a cor do sangue dos explorados.

Leia também: Vida longa e próspera, rumo ao colapso?

14 de março de 2019

Facebook, partidos digitais, “tecnopólio”

Vivemos sob uma espécie de “tecnopólio”, diz Siva Vaidhyanathan no livro “Mídia antissocial: como o Facebook nos desconecta e enfraquece a democracia”.

Para explicar, ele cita o teórico da comunicação estadunidense, Neil Postman:

O tecnopólio é um estado de cultura. Também é um estado de espírito. Consiste no endeusamento da tecnologia, o que significa que a cultura busca sua aprovação na tecnologia, encontra suas satisfações na tecnologia e recebe ordens da tecnologia.

Sob seu império, diz Vaidhyanathan:

A aprendizagem torna-se uma questão de pesquisar, copiar e colar em vez de imergir, considerar e deliberar. Todos são quantificados. Todos estão expostos. Todos estão em guarda. Todos exaustos.

O tecnopólio surgiu sorrateiro no alvorecer do século 20, diz ele. Em 1992, uma canção de Bruce Springsteen descreveu seu poder sem explicitá-lo: "Cinquenta e sete canais e nada". “Hoje, perdemos a conta de quantos canais são”, afirma.

Apesar disso, Vaidhyanathan afirma que não pretende sair do Facebook. “O longo e lento processo de mudar mentes, culturas e ideologias nunca produz resultados em curto prazo”, diz.

Para ele:

...a resposta mais frutífera aos problemas que o Facebook cria, revela ou amplifica seria reinvestir e fortalecer instituições que geram conhecimento profundo e significativo.

Seria possível concordar com o autor se gerar conhecimento profundo e significativo em uma sociedade movida pela busca do lucro acima de tudo não fosse cada vez mais inviável.

É o que mostra, por exemplo, o surgimento dos chamados partidos digitais, cujo funcionamento fortemente condicionado pela tecnologia parece potencializar a democracia, mas pode derrotá-la definitivamente.

Tecnopólio, enfim, é só outra forma de monopólio do poder. Poder de classe.

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O bode de estimação do Facebook

13 de março de 2019

Aliança com neoliberais, o cacete!

Em sua coluna de 11/03/2019, na Folha, Celso Rocha de Barros cita o economista estadunidense Brad De Long:

“Barack Obama assumiu a Presidência com o plano de saúde de Mitt Romney, o plano de combate à mudança climática de John McCain, e a política externa de George H.W. Bush”. Romney, McCain e Bush pai sempre foram vistos como republicanos moderados.

Entretanto, pergunta o economista: algum desses moderados disse uma única palavra de apoio a qualquer coisa que Obama tenha feito em oito anos? “No”, conclui, “they fucking did not”.

Segundo o entrevistado, os neoliberais norte-americanos deveriam conversar diretamente com “socialistas” como o senador Bernie Sanders, porque já não há mais uma centro-direita por lá. Os A turma neoliberal moderada dos anos 1990 já era, diz ele.

Barros, por sua vez, afirma que diferente dos Estados Unidos, no Brasil a grande derrotada foi “a esquerda socialista”. Portanto, caberia a ela procurar os moderados do neoliberalismo. Figuras tucanas da linha Pedro Malan ou tucanizadas da espécie Palocci, por exemplo.

Isso porque, diz Barros, nos dois países, é preciso reconstruir o centro, “e a direita não parece interessada em fazê-lo”.

Mas de fato, no Brasil, a direita jamais esteve interessada em construir posições centristas. E, nos raros momentos que o fez, foi sob pressão de lutas radicalizadas travadas pelos de baixo.

Sempre que puderam, “nossas” classes dominantes preferiram adotar medidas ultraconservadoras. Muitas vezes, graças às ilusões da “nossa” esquerda quanto ao respeito delas por leis e justiça social.

Ou seja, traduzindo a proposta do economista estadunidense para o contexto local: Buscar alianças com o centro neoliberal? Porra nenhuma!

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8 de março de 2019

Dominação masculina sempre houve. Mas pode acabar

Há uma crença generalizada na esquerda de que dominação masculina, machismo, sexismo, nasceram com a sociedade de classes. Antes dela, haveria razoável equilíbrio entre os sexos. Alcançado o fim da sociedade sem classes, portanto, a opressão sobre as mulheres também acabaria.

Esta ideia deve a sua força a alguns escritos de Marx e Engels. Este último, principalmente, já que em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, ele chega a afirmar que o conflito entre os sexos seria desconhecido “durante toda a pré-história”.

Novos estudos mostram que não é bem assim. Eles estão resumidos num recente livreto de Christophe Darmangeat. O antropólogo marxista francês basicamente conclui que a dominação masculina sempre foi a regra. Na melhor das hipóteses, em algumas sociedades e épocas o desequilíbrio entre os sexos mostrou-se apenas menor.

Ao mesmo tempo, afirma, a ideia de que deve haver uma igualdade entre mulheres e homens somente surgiu sob o capitalismo. Este seria o primeiro sistema econômico em que as características concretas dos produtores de mercadorias, como sua identidade sexual, se fundem e dissolvem, subsistindo apenas a quantidade de trabalho humano que elas encarnam. No capitalismo, dinheiro é dinheiro. Não tem sexo.

“Salário igual para trabalho igual!”. Para Darmangeat, esta reivindicação fundamental das mulheres trabalhadoras exprime essa necessidade histórica da maneira mais clara possível.

Tais desdobramentos, por si mesmos, diz ele, não eliminam a divisão sexual do trabalho. Mas criam as condições para a sua desaparição.

Fazer acontecer é a tarefa que nos cabe. A todas e todos.

A publicação é sintética e muito didática. Pode ser baixada aqui.

Leia também:
O proletariado nasceu mulher

7 de março de 2019

Brumadinho: quanto Vale trocar vida por lucros?

Quando houve o rompimento de sua barragem em Mariana, as ações da Vale despencaram nas bolsas. Mas a concentração da culpa pela tragédia na Samarco protegeu a mineradora.

Resultado, entre as tragédias de Mariana e Brumadinho, o valor da Vale no mercado acionário passou de R$ 77 bilhões para R$ 297 bilhões.

Quando da tragédia em Brumadinho, as ações da Vale despencaram 24,5% na Bolsa de São Paulo. Na Bolsa de Nova York, caíram 27,5%. Mas, já naquele momento “agentes ligados ao mercado financeiro”:

...apontavam a possibilidade de ganhos futuros. No dia da tragédia em Brumadinho, 25/01, o Bank of America mantinha a indicação de compra das ações da Vale, baseado na expectativa de elevação do preço do minério devido à parada simultânea da Samarco e do Complexo Paraopeba e na existência de capacidade ociosa da Vale.

Ao mesmo tempo, a possível desativação de dez barragens da mineradora sob risco de rompimento reduziria sua produção anual em 10%. Com isso, haveria uma redução da oferta que elevaria o preço do ferro. Combinada ao aumento da extração do Sistema Norte da empresa, previsto para breve, essa redução pode se refletir positivamente no valor acionário da empresa.

As informações acima estão em “É culpa da Vale, dizem especialistas. Mas o que é a Vale?”, artigo de Rodrigo Salles Pereira dos Santos e Bruno Milanez, publicado na Folha, em 03/03/2019.

Diante disso, a resposta à pergunta do título do artigo é óbvia. O que é a Vale se não a lógica cruel do capitalismo em pleno funcionamento. Vidas perdidas e prejuízos ambientais incalculáveis trocadas por gordos lucros acionários.

Leia também: A febre amarela e as barragens do capital

1 de março de 2019

Partidos digitais, precisamos falar sobre eles

Os partidos digitais são o tema do livro “The Digital Party”, recém-lançado e ainda sem tradução para o português. O autor é Paolo Gerbaudo, diretor do Centro de Cultura Digital no King's College, em Londres. 

Segundo Gerbaudo, os pioneiros foram os Partidos Piratas, surgidos em países do Norte da Europa. Mais recentemente, surgiram formações de esquerda como o “Podemos” espanhol e “França Insubmissa”. Outro exemplo é o “Cinco Estrelas” italiano, cada vez mais inclinado à direita.

Eles prometem uma nova política apoiada pela tecnologia digital. Alegam que seria mais democrática, mais aberta às pessoas comuns, mais imediata e direta, mais autêntica e transparente.

Seriam a solução para o déficit democrático que transformou os partidos tradicionais em instituições dominadas por tecnocratas e políticos que servem apenas a si mesmos.

Pretendem resolver a crise da democracia, a partir da organização que, tradicionalmente, sempre agiu como o principal elo entre os cidadãos e o Estado: o partido político.

No entanto, tal reestruturação organizacional não leva, como alguns de seus defensores gostariam que acreditássemos, a uma difusão radical do poder na organização, nem leva a uma situação na qual "todos têm o mesmo peso",

Pelo contrário, há uma tendência mais ambígua. Uma crescente concentração de poder nas mãos do líder do partido carismático, a quem o autor descreve como "hiperlíder", acompanhado de uns poucos à sua volta.

Uma "democracia reativa" que se manifesta pelo domínio de formas de um "engajamento democrático passivo". Constantemente retroalimentadas por intervenções da liderança, feitas de cima para baixo.

Partidos digitais, vamos falar sobre eles.

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