Doses maiores

7 de junho de 2019

Há séculos, um açougueiro no poder

Acaba de ser lançado o Atlas da Violência 2019, do Ipea. Novamente, os dados provam que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo.

Entre as muitas conclusões que apresenta, a publicação revela que o número de homicídios cometidos com armas de fogo, crescia 5,44% anuais nos 14 anos anteriores ao Estatuto do Desarmamento. Já nos 14 anos posteriores, esse índice caiu para 0,85%.

Mesmo assim, o presidente do próprio Ipea, Carlos Von Doellinger, afirmou que “por uma questão de princípio, me incomoda a impossibilidade de o cidadão ter uma arma para a defesa da sua integridade física, de sua família e do seu patrimônio”.

É esta a lógica dos integrantes do governo Bolsonaro. Há mortes demais nas estradas? Flexibilizem-se as leis, punições e fiscalização de trânsito. O agronegócio abusa dos venenos agrícolas? Liberem-se ainda mais agrotóxicos. Mulheres são agredidas? Ofereça-se a elas uma arma para se defenderem.

Mas nada disso é um raio no céu azul. A alcateia louca que está no poder se vale de fake news, mentiras, calúnias e difamações. Mas seu modo de administrar o País é perfeitamente coerente com nossa realidade social e histórica.

Bolsonaro na presidência é a classe dominante sem filtros. Sem sociólogos, metalúrgicos ou guerrilheiras a tentar dourar a pílula venenosa da dominação extremamente truculenta dos poderosos locais.

A eleição de Bolsonaro é a mais pura demonstração da debilidade de uma Constituição cujas belas vestes da democracia moderna já não escondem o emporcalhado avental de um velho açougueiro sanguinolento.

Chegamos à pílula no 2.000. Doses suspensas por algumas semanas.

Leia também: As milícias no comando

6 de junho de 2019

O meteoro somos nós

José Eustáquio Diniz Alves é professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Em recente artigo, ele revelou dados impressionantes sobre o crescimento da população e da economia nos últimos dois mil anos. Por exemplo:

Do ano 1 da Era Cristã até o ano 2000, a população mundial passou de cerca de 225 milhões de habitantes para 6 bilhões e a renda per capita global passou de US$ 467 para US 6.055.

Ou seja, no período, o PIB global foi de US$ 106 bilhões a US$ 36,3 trilhões. A população aumentou 26,5 vezes, enquanto a economia cresceu 342,7 vezes. A renda per capital mundial, por sua vez, aumentou 13 vezes.

Mas, ele alerta, esse crescimento não foi uniforme ao longo dos dois milênios:

Entre o início do século 19 e o final do século 20, a população mundial passou de 1 bilhão de habitantes para 6 bilhões, aumentando 6 vezes. Já a renda per capita passou de US$ 667 para US $ 6.055 em 2000. Um aumento de 9,1 vezes em dois séculos.

Durante o século 19, aconteceu a Revolução Industrial, que, para muitos, inaugura o Antropoceno. Trata-se de um período que teria proporcionado “um aumento significativo do padrão de vida” da humanidade. Mas, diz o autor, “às custas do empobrecimento da natureza e do holocausto biológico dos demais seres vivos do Planeta”.

Por isso, conclui Alves, pessimista:

O “meteoro” que está provocando uma grande extinção de espécies no Antropoceno e gerando mudanças climáticas catastróficas se chama ser humano, que parece buscar o mesmo destino dos dinossauros.

Agora, vá dizer isso aos “terraplanistas”!

Leia também:
A humanidade e suas tentações suicidas  
Desde Platão, destruindo a natureza sem culpa

5 de junho de 2019

Doença e morte nas minas do trabalho uberizado

No último dia 8 de maio, motoristas “parceiros e parceiras” que trabalham nas principais empresas de transporte de passageiros por aplicativo como Uber, Cabify, 99 e Lyft realizaram uma grande manifestação global por melhores condições de trabalho.


(...)

As manifestações aconteceram em cidades dos Estados Unidos, Reino Unido, França, Austrália, Nigéria, Quênia, Chile, Brasil, Panamá, Costa Rica e Uruguai.


Os trechos acima são da matéria “Uber: assim começam as greves do futuro”, de Felipe Moda e Marco Antonio G. de Oliveira, publicado no Portal Outras Palavras, em 23/05/2019.

Já no blog Avenidas, Rafael Balago fala sobre “a montanha de dados” que a Uber possui sobre as cidades. Segundo o texto, a plataforma Movement, criada pela empresa, coleta e organiza dados sobre o trânsito em algumas cidades onde opera.

“Essa avalanche de dados”, diz Balago, ajuda as empresas “a ganhar mais dinheiro, pois facilitam a rotina de planejar a distribuição dos carros ao longo do dia, traçar rotas mais rápidas e desviar do trânsito antes de ele se formar”.

Mas seriam apenas “uma ponta do iceberg” do total de informações que as empresas estão levantando sobre o deslocamento de pessoas pelas cidades.

De um lado, a velha e teimosa luta de classes. De outro, evidências de que a empresas como a Uber só interessa escavar dados, utilizando seus motoristas como mineiros.

E como aqueles que formavam enormes contingentes no início da Revolução Industrial, os atuais mineradores escravizados por aplicativos também têm suas energias sugadas por jornadas estafantes.

Nas antigas minas escuras e perigosas ou nas atuais ruas e avenidas, doença, morte e mutilação ameaçam milhões de trabalhadores.

Leia também: Uber: de volta ao século 19

4 de junho de 2019

Os 50 anos da resistência gay de Stonewall

Em junho de 1969, estourava uma revolta no bar Stonewall, no Greenwich Village, Nova York. Foram seis noites de manifestações violentas.

O lugar era muito frequentado por gays pobres. Batidas policiais abusivas eram constantes. Mas a daquela noite acendeu o estopim.

Uma das lideranças surgidas naquele momento foi Sylvia Rivera. Segundo ela:

Fomos levados para fora do bar e a polícia nos encurralou. As pessoas começaram a jogar moedas nos policiais. Mas depois foram arremessadas garrafas. Nós não íamos mais aguentar aquela merda quietos.

Começaram a aparecer sem-tetos gays que viviam no parque, próximo ao bar. E, atrás deles, vieram as drag queens e depois veio todo mundo da região.

Muitos dos revoltosos eram latinos, como a própria Sylvia, ou negros, como sua amiga e camarada Marsha P. Johnson. A partir do tumulto, foi formada a Gay Liberation Front (GFL), com o seu próprio programa em defesa da revolução.

Sylvia e Marsha também ajudaram a formar a STAR (Street Transvestites Action Revolutionaries) que ocupou um prédio vazio para servir de moradia e base organizativa para travestis moradores de rua.

Em 1971, aconteceu a Convenção Revolucionária do Povo, na Filadélfia. Os Panteras Negras estavam presentes. Sylvia reuniu-se com seu líder, Huey Newton. Segundo ela, Newton concordou que grupos como GLF e STAR deveriam ser apoiados, pois eram revolucionários.

Cada um desses momentos de luta e organização devem ser sempre lembrados. Principalmente, quando mostram que é possível unificar a resistência de todas as vítimas da exploração e opressão capitalistas.

Mais informações podem ser encontradas em When gays and Panthers were United.

Leia também: Os Panteras Negras contra a homofobia

3 de junho de 2019

Inteligência Artificial à imagem e semelhança da estupidez social

Marildo Menegat é doutor em Filosofia pela UFRJ. Em entrevista publicada na página IHU On-Line em 29/05/2019, ele falou sobre inteligência artificial. 

Mais especificamente, sobre aquilo que seria uma espécie de emburrecimento da condição humana devido ao uso que vem sendo dado a essa ferramenta.

Por exemplo, nossos contatos cada vez mais frequentes com atendentes virtuais. Como observa Menegat, esses robôs já se comunicam perfeitamente conosco. Mas:

...não lhes pergunte se o tempo está bom, ou se andam estressados com tanto trabalho. Eles delimitam a conversação na resolução de uma mediação na qual você mesmo se torna a representação de uma coisa, no caso, o dinheiro-consumidor.

Trata-se, afirma o entrevistado, da:

...redução da linguagem a este momento empobrecedor da vida social. Uma troca entre coisas. Na contraparte a este contato, cada vez mais frequente as pessoas vão desaprendendo a riqueza e a inteligência presente no uso cotidiano da linguagem.

Para ele, haveria dois momentos nessa mediação. “Na primeira parte da mediação, a máquina nos roga para deixarmos de lado o especificamente humano e nos concentrarmos na nossa representação de consumidor (dinheiro); na segunda, nos convencemos que o horizonte rebaixado do dinheiro é o zênite do pensamento humano”.

Sendo que:

O atual domínio da técnica confina não apenas a linguagem, mas a imaginação e as capacidades sociais a um estreito cubículo, uma espécie de domesticação que em muito se assemelha ao método que os grandes frigoríficos utilizam para criar animais para o abate.

É assim que a Inteligência Artificial demonstra funcionar à imagem e semelhança da estupidez da sociedade que a vem criando.