Doses maiores

29 de setembro de 2016

Nas eleições, o crime se organiza

Em 18/09, Bruno P. W. Reis publicou, na Folha, um artigo contendo uma “tipologia” dos políticos brasileiros.

Resumindo muito, haveria cinco tipos de políticos:

1 - “Incorruptíveis”: raríssimos, claro. Frequentemente derrotados, óbvio.

2 - “Politicamente engajados”: são contra ilegalidades, ainda que não possam evitar algum contato com elas.

3 - “Tipo médio”: “joga o jogo”, o que inclui recorrer a ilegalidades.

4 - “Larápio”: se utiliza do poder para ficar rico. O corrupto típico.

5 - “Testa de ferro do crime organizado”. Está na política “para promover os interesses da atividade criminosa”.

Segundo o autor, somente os tipos 3,4 e 5 realmente cometem crimes. O último é o pior, mas todos devem ser responsabilizados e punidos dentro da lei. “Devemos apenas cuidar de evitar que, ao enchermos as cadeias com 3, terminemos por encher os plenários legislativos com 5”, diz ele.

Apesar do aviso, é isso que a cúpula de nosso aparelho jurídico-policial vem fazendo. E é muito provável que seja por isso que o quinto item da lista acima ande “tocando o terror” nas eleições municipais.

Até agora, foram 96 candidatos assassinados. As investigações atribuem os crimes a milícias, traficantes e facções como o PCC.

Assim chegamos à seguinte situação. Por um lado, liberdade para as milícias, que costumam ser apoiadas por políticos de direita dos vários tipos. Por outro, a recente absolvição dos PMs envolvidos no massacre do Carandiru fortalece ainda mais uma facção criminosa nascida exatamente do desejo de vingança em relação àquele episódio.

Ou seja, na política institucional o crime compensa até quando envolve muito sangue.

Leia também: Nossa caravana passa e o eleitor assiste

28 de setembro de 2016

Hillary x Trump: escolha a barbárie

Em 27/09, Hillary Clinton e Donald Trump realizaram o primeiro debate como candidatos oficiais de seus partidos. Levantamentos indicam que Hillary venceu o confronto.

Ainda assim, as pesquisas mostram que Trump continua com chances de vitória. E se esta situação causa pânico em muita gente, há os que não consideram a eleição do republicano um desastre completo. Afinal, dizem eles, a “democracia americana” é maior do que qualquer lunático.

Não é bem assim. Ninguém chamaria Obama de louco ou truculento. No entanto, ele é o único presidente na história de seu país a completar dois mandatos em guerra. Além disso, a radicalização do racismo também é uma marca do primeiro negro na presidência americana.

São evidências de que as características pessoais dos ocupantes da Casa Branca fazem pouca diferença sob a mais eficiente ditadura de classe do mundo. O bipartidarismo que bloqueia qualquer desafio aos interesses do grande capital também promove tragédias humanas nos Estados Unidos e no resto do planeta.

Voltando ao debate presidencial, a vitória de Hillary foi recebida com alívio por Wall Street e pelas principais bolsas de valores do mundo. Estes setores temem as ameaças de Trump contra uma globalização econômica extremamente vantajosa para o sistema imperialista mundial.

Ou seja, de um lado, temos uma candidatura apoiada pela turma responsável pela maior crise econômica desde 1929. Do outro, a ditadura perfeita pode finalmente encontrar um chefe sob medida.

O viciado sistema político americano jamais permitiu que o socialismo se colocasse como horizonte possível. Desse modo, foi abrindo caminho para que a “maior democracia do mundo” decida qual versão da barbárie adotará.

27 de setembro de 2016

Carta ao século 19: meritocracia hereditária e guilhotina

Amigos do século 19, escrevo-lhes novamente direto do Brasil, no ano de 2016, onde vim parar sem saber como ou porque.

Dentre as muitas coisas prodigiosas que testemunhei, uma em especial muito me espantou. Quando eu vivia aí, no começo dos anos 1800, costumava denunciar os privilégios hereditários, em que a origem aristocrática se coloca acima dos méritos e esforços pessoais.

Duzentos anos depois, porém, percebo que pouca coisa mudou.

No mundo jurídico, por exemplo, somente alguns poucos, nascidos em “berço de ouro”, chegam aos mais altos tribunais. Na medicina, as melhores ocupações são dominadas por pessoas de famílias abastadas. Entre os generais, ocorre o mesmo.

A regra vale para a maioria das ocupações de maior prestígio. E, ainda que não seja este o caso dos políticos, metade dos atuais parlamentares do País “herdaram” os votos de seus parentes.

Claro que surgem, vez por outra, um cirurgião ou um alto magistrado negro. Mas as novas dinastias usam tais exceções para alegar que o esforço individual supera tudo. Por trás dessa esperteza a que dão o nome de “meritocracia” oculta-se a regra que dá caráter quase hereditário à ocupação dos altos escalões sociais.

Enfim, parece não passar de retórica vazia a igualdade de oportunidades que o advento da sociedade burguesa nos prometeu. Em grande parte, continuam a valer vantagens legadas pelo sangue.

Foi sangue, aliás, que alguns de meus predecessores no século 18 derramaram em profusão no combate a privilégios odiosos como esses. Naquela época, usaram a guilhotina. Estou ansioso para saber o que vão utilizar nos tempos que correm.

Leia também: Carta ao século 19: menos banhos, mais fidalguia

26 de setembro de 2016

Nossa caravana passa e o eleitor assiste

Em 1973, Luis Fernando Verissimo publicou o conto “O Popular”. Veja, abaixo, um exemplo de como se comportava o personagem principal da narrativa:

Os jornais mostravam tanques na Cinelândia protegidos por soldados de baioneta calada e lá estava o Popular, com um embrulho embaixo do braço, examinando as correias de um dos tanques. Pancadaria na Avenida? Corria polícia, corria manifestante, corria todo mundo, menos o Popular. O Popular assistia. Cheguei a imaginar, certa vez, uma série de cartuns em que o Popular aparecia assistindo ao Descobrimento do Brasil, à Primeira Missa, ao Grito da Independência, à Proclamação da República...

Aí vêm as eleições municipais. No Rio de Janeiro, por exemplo, 40% dos eleitores podem mudar seu voto na última hora. Ninguém sabe direito em que direção. Em São Paulo, o PT não consegue entender por que seu prefeito está nas últimas colocações.

Talvez, se substituíssemos o “Popular” de Verissimo pelo “Eleitor” alguma coisa se esclarecesse. O fato é que o eleitor médio é uma abstração que vota a cada dois anos. No máximo, elege alguém que corresponde vagamente a suas expectativas. Depois disso, a política se mantém distante de sua vida.

A verdade é que a democracia contemporânea separa o trabalhador do cidadão, mesmo que sejam a mesma pessoa. Nesta condição, o eleitor continua a ver passarem diante de si cortejos dos quais não participa. Do “Descobrimento do Brasil” à “Proclamação da República”.

Enquanto nós, da esquerda, insistirmos em enxergar no Eleitor a inteireza do Popular, continuaremos a fazer parte, mesmo sem querer, das caravanas que passam ao largo de sua vida. 

25 de setembro de 2016

Na educação, a ideologia dos charlatães sem partido


Em toda a sociedade civilizada existem necessariamente duas classes de pessoas: a que tira sua subsistência da força de seus braços e a que vive de renda de suas propriedades ou do produto de funções onde o trabalho do espírito prepondera sobre o trabalho manual. A primeira é a classe operária; a segunda é aquela que eu chamaria de classe erudita Os homens da classe operária têm desde cedo necessidade do trabalho de seus filhos. Essas crianças precisam adquirir desde cedo o conhecimento, sobretudo, o hábito e a tradição do trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo na escola (...). Os filhos da classe erudita, ao contrário, podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; têm muita coisa a aprender para alcançar o que se espera deles no futuro.

As palavras acima são do filósofo francês Destutt de Tracy (1754-1836). O educador Gaudêncio Frigotto costuma citá-las para denunciar propostas que tentam impor aos filhos dos pobres uma educação voltada apenas ao trabalho pesado e repetitivo.

A lógica defendida por Destutt orienta as propostas do governo Temer para o Ensino Médio. A diminuição das disciplinas obrigatórias tornaria definitivo o monopólio do ensino privado na formação de pessoas mais críticas e autônomas.

Destutt também deu o nome de “ideologia” à ciência que estuda as ideias. Fracassou completamente porque aquilo que acreditava ser ciência não passava de suas ideias sobre as ideias. Apenas mais uma ideologia, portanto.

Do mesmo mal sofrem os que acreditam no movimento Escola sem Partido. Partidário, ideológico e conservador, é ele que inspira os atuais charlatões à frente do Ministério da Educação.

Leia também: A Escola sem Partido na caverna de Platão

22 de setembro de 2016

Sem saber, participamos da mais óbvia conspiração

Em 21/09, completaram-se os 150 anos do nascimento de H.G. Wells. Suas obras mais famosas são “A Máquina do Tempo”, “O Homem Invisível” e “A Guerra dos Mundos”.

Mas poucos conhecem o lado autoritário e elitista do autor inglês, que se mostra mais claramente em seus livros menos conhecidos. É o caso de “Conspiração Aberta”, publicado no Brasil pela Vide Editorial. No site da editora, a apresentação do livro diz:

Neste trabalho, a conspiração está completamente esquematizada: ela deveria ser executada por diversas organizações separadas, mas que trabalhassem juntas, ao invés de ser feita por um grupo apenas.

Os tópicos abordados vão desde a ideia da conspiração até detalhes de sua implementação, tais como a função da religião e da educação nesse esquema, o modo como ele deveria se desenvolver - de um movimento de discussões e debates à programação de atividades -, a vida humana tal como deveria se dar na nova e planejada comunidade global - entre outros.

Não seria exagero paranoico ver na descrição acima uma antecipação de nossas atuais redes virtuais, dominadas por enormes corporações. Seja em interações via Facebook, WhatsApp, Twitter, seja pela enorme apropriação de informações sobre nossos hábitos e preferências, principalmente por meio do consumo.

Seja como for, esses mecanismos ameaçam condicionar nossas decisões fazendo uso de engenhosos algoritmos. Trata-se de uma conspiração que não apenas é explícita, como defendia Wells. Também conta com a nossa colaboração, mesmo que sejamos nós suas maiores vítimas.

Duvida? Pesquise no Google, agora, e obtenha a melhor comprovação para qualquer teoria. Você mesmo vai colocá-la em prática ao tentar verificar sua existência.

Leia também: Jornada de trabalho e vampirização de almas

21 de setembro de 2016

Crimes de Lula. Mais provas

Em novembro de 2006, Lula afirmou que a questão indígena estava entre os entraves ao desenvolvimento nacional.

Esta visão se traduziu em uma política de enorme desprezo pelas causas indígenas. Quanto à homologação de suas terras, por exemplo, os governos petistas perderam para os dos tucanos pelo placar de 84 a 148, segundo a Fundação Nacional do Índio.

O outro lado dessa política foi a entrega e destruição de territórios indígenas por grandes projetos como Belo Monte e o Complexo Tapajós. Obras que faziam parte do Programa de Aceleração de Crescimento, utilizado fartamente por Lula para eleger sua sucessora.

Mas o mais grave são os seguintes números divulgados pelo Conselho Indigenista Missionário:

...foram registrados 167 assassinatos de indígenas no governo FHC, média de 20,8 mortes por ano. Já no governo Lula o número subiu para 452 assassinatos, 56,5 em média por ano, ou crescimento de 271%. Em 2011, o primeiro ano do governo Dilma, foram contabilizados 51 assassinatos de indígenas pelo CIMI e em 2012 outras 57 mortes, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), média de 54 mortes por ano, próxima à do governo Lula e 260% maior do que a do governo tucano.

Esses dados vergonhosos são produto direto da aposta dos governos petistas no complexo empresarial “agro-minerador” dominado pelos gigantes do setor.

São crimes como esses que Lula realmente cometeu enquanto ocupou ou frequentou o Palácio do Planalto. É por eles que deveria responder. São eles que devemos lembrar para que a luta pela derrubada de Temer jamais se confunda com mobilizações pela volta do PT ao poder.

Leia também: Crimes de Lula. Com provas

20 de setembro de 2016

Bayer e Monsanto: mais veneno na sua mesa

A união Bayer/Monsanto está sendo considerada a maior da história, envolvendo 66 bilhões de dólares. Uma pechincha para o tamanho dos lucros que virão.

A operação dará à Bayer acesso a sementes de soja e trigo, incluindo as transgênicas. A Monsanto acrescentará à sua produção mais de 80 agrotóxicos. Para a grande maioria da população mundial estão reservados enormes prejuízos ambientais, incluindo sérios danos à saúde.

A “Coalizão contra os Perigos da Bayer”, de origem alemã, diz que o monopólio imposto ao mercado pela empresa paralisa as pesquisas de herbicidas há 25 anos. Como resultado, cada vez mais plantas se adaptam aos produtos da empresa e os agricultores precisam utilizar mais agrotóxicos, “com efeitos devastadores sobre a biodiversidade”.

Apesar disso, a Bayer tem reputação muito melhor que a Monsanto. Mas não deveria. Em 2001, por exemplo, a empresa precisou retirar o medicamento Lipobay do mercado mundial. A droga para tratamento de colesterol causou a morte de uma centena de pessoas.

No Brasil, temos muito com que nos preocupar. Como maiores consumidores mundiais de agrotóxicos, cada brasileiro ingere 5,2 quilos de veneno anuais, contra os 1,8 quilos por estadunidense.

Mas não é a primeira vez que as duas empresas se unem. Entre 1954 e 1967, elas formaram a Mobay Chemical Corporation. A principal missão da nova empresa foi fornecer ao Exército dos Estados Unidos o Agente Laranja. Utilizado na Guerra do Vietnã, o produto matou pelo menos 400 mil pessoas.

Mais do que nunca, faz sentido a pergunta que faz o documentário de Silvio Tendler, “O veneno está na mesa”: até quando vamos engolir isso?

Crimes de Lula. Com provas

Lula não deveria ser julgado por possuir um tríplex que ninguém provou ser dele. Há coisas muito mais graves.

Em 13/9, Joaci Cunha, professor da Universidade Católica do Salvador, apresentou a conferência “Financeirização e efeitos sobre a estrutura agrária brasileira”, durante colóquio do Instituto Humanitas Unisinos.

Segundo ele, nos últimos 50 anos, a ampliação latifundiária no Brasil ocorreu em dois momentos principais. Durante a ditadura militar de 64 e, vejam só, sob os governos petistas.

De 1967 a 1977, os generais ampliaram a área ocupada por grandes propriedades no Brasil em cerca de 70 milhões de hectares. Durante os governos Lula, ocorreu uma concentração fundiária de mais 104 milhões de hectares, afirma o professor.

Citando dados do Ipea, Cunha afirma que somente as exportações do complexo de soja se apropriaram de 129 bilhões de m3 de água, em 2013. Um volume equivalente ao consumo anual das populações chinesa e latino-americanas juntas.

Já a agricultura familiar, responde por 70% da produção de alimentos e emprega 74% da força de trabalho rural do País. Mas recebe apenas 14% do crédito agrícola nacional e ocupa 24% das terras agricultáveis. 

Houve avanços, admite o palestrante, mas foram setorizados e particularizados, aumentando a diferenciação entre os camponeses.

A agricultura familiar chega a ultrapassar a produção do agronegócio na produção de café, arroz e milho. Mas em outros setores, 80% dos camponeses mal conseguem gerar renda para manter sua família. E em certas regiões, 20% deles não geram renda alguma.

Estes são os verdadeiros crimes pelos quais Lula e seus liderados devem responder diante dos tribunais da História. E há muito mais...

Leia também: Sobre provas, convicções e hóspedes indesejáveis

18 de setembro de 2016

Na pré-história, faça amor, não faça guerra

“First Peoples” é uma das mais recentes séries do PBS, canal educativo estadunidense. O documentário revela fatos muito interessantes sobre a trajetória que nossa espécie iniciou uns 200 mil anos atrás.

Há algum tempo, por exemplo, sabemos que não descendemos dos neandertais ou de outras linhagens humanas extintas, como o “Homo erectus”, o “Homo heidelbergensis” ou os Denisovanos. Elas correspondem a ramos evolutivos paralelos ao nosso.

Mas a série desmente uma crença que interessa aos que tentam tornar a competição selvagem característica inerente à natureza humana. A de que acabamos dominando o planeta porque usamos nossas capacidades superiores para eliminar rivais pré-históricos.

Claro que deve ter havido alguma hostilidade entre povos tão diferentes. Mas evidências mostram que os contatos amigáveis prevaleceram e levaram ao que os cientistas chamam de “hibridação”. Ou seja, ao bom e velho “faça amor, não faça guerra”. 

Um caso interessante é o da queratina. Herdada dos Neandertais, ela tornou nossa pele mais resistente a climas frios. Já os Denisovanos, deram aos tibetanos a capacidade de viver sem dificuldades a 4 mil metros de altura, graças à menor quantidade de hemoglobina em seu sangue.

Falando em sangue, há vários tipos de glóbulos brancos espalhados pelas populações humanas no planeta. Isso é bom porque aumenta nossa imunidade. E parte desta diversidade pode ser consequência dos carinhos que trocamos com nossos primos extintos.

Essas descobertas mostram como diversidade, tolerância e solidariedade foram importantes na formação da humanidade. Desautorizam teses conservadoras, que preferem acreditar em competição feroz e pureza racial.

Apesar disso, os defensores dessas ideias continuam por aí, rosnando e arrastando suas clavas .

Leia também: O oitavo passageiro somos nós

16 de setembro de 2016

Sobre provas, convicções e hóspedes indesejáveis

Em 14/09, um grande grupo de crianças e jovens negros circulava por Copacabana. A polícia foi chamada para reprimir um suposto arrastão.

Cerca de 40 menores foram detidos. Nada foi encontrado com eles que justificasse as acusações de roubo.

A polícia não precisava de mais provas contra o grupo que o racismo que alimenta suas convicções e as dos que a acionaram.

A casos como esses correspondem exemplos em que a impunidade preserva criminosos comprovados, mas que têm a cor de pele e a classe social consideradas adequadas.

No mesmo dia do “arrastão” de Copacabana, Lula da Silva foi acusado de corrupção pela Operação Lava-Jato. Não há provas, disseram os acusadores, só convicção.

Os protestos de Lula são legítimos. Mas a perseguição política de que ele é vítima tem motivos muito específicos. Não se trata do que seu governo fez ou deixou de fazer. Mas de suas origens sociais e históricas.

Alguém que nasceu na Senzala, liderou greves e presidiu um partido de esquerda jamais conquistará a confiança da Casa-Grande. Ainda que nunca tenha faltado docilidade no tratamento que dispensou a seus proprietários.

É por isso que a regra que destina tratamento injusto ao andar de baixo abriu uma exceção para fazer o mesmo no andar de cima, desde que os atingidos sejam hóspedes que se tornaram muito inconvenientes.

Mas há um crime pelo qual Lula pode ser condenado com abundância de provas. É a convicção de que deve permanecer ao lado dos que jamais toleraram sua gente.

Leia também: E o cadáver se mexeu!

15 de setembro de 2016

O velho golpe das novas privatizações

As privatizações de Temer foram anunciadas com alarde. Segundo a imprensa, o “Crescer” é um novo programa.

Nada mais falso.

Ninguém pode acusar Miriam Leitão de simpatia pelos governos petistas nem antipatia pelo atual. Em sua coluna, no entanto, ela desconfia que substituir o PAC pelo “Crescer” pode não passar de “uma troca de rótulo”.

Mas o coordenador do programa, Wellington Moreira Franco, fez questão de destacar as diferenças. Segundo ele, desta vez, “não haverá a substituição da aritmética, com as quatro operações fundamentais, pela ideologia”.

Ainda assim, Miriam volta à carga para afirmar: “...o programa será feito, como os outros, em grande parte com dinheiro público”.  Claro como dois e dois...

Ou seja, nada a ver com aritmética e tudo com uma ideologia, que, afinal mudou pouco em sua essência. Igualmente ideológica é a acusação feita aos governos petistas de serem “estatizantes”, inclusive por gente como Miriam Leitão.

No máximo, os governos petistas resolveram favorecer certos setores no lugar de outros.

É o caso das empresas de Saúde e Educação, que lucraram como “nunca antes na história”. Ou da política para as Telecomunicações, que levantou e derrubou a Oi, enquanto as concorrentes lucraram horrores. E do Agronegócio, claro.

Portanto, o Estado sob gerência petista, tal como na época dos governos tucanos, jamais deixou de favorecer o capital privado. Só escolheu seus próprios “queridinhos” no mercado.

Como se vê, o quanto de novidade há no mais recente programa de privatizações dá a medida dos objetivos da manobra que colocou Temer na Presidência. Os governos do PT fizeram parte do golpe que suas viúvas tanto lamentam. 

14 de setembro de 2016

Quem é a moradora do edifício Aquarius?

No filme de Kleber Mendonça Filho, Sônia Braga é Clara, única moradora de um antigo prédio na Praia de Boa Viagem, Recife.

Viúva, 65 anos e morando sozinha, ela não aceita vender seu apartamento para uma empreiteira que planeja demolir a construção para levantar um condomínio de luxo.

Diante da resistência da moradora solitária, a empreiteira lança mão de expedientes tão implacáveis quanto os ferozes tubarões que frequentam a praia recifense.

Como é seu estilo, Mendonça faz uso abundante e inteligente de metáforas, efeitos de suspense e denúncias sutis das desigualdades sociais do País.

Mas, afinal, quem representaria a personagem de Sônia Braga? Qual é sua metáfora?

A possibilidade mais transparente seria aquela na qual Clara representa uma classe média tradicional, mas nem por isso conservadora.

Proprietária de cinco imóveis, Clara está longe de ter problemas materiais. Mas utiliza essa condição para resistir ao cerco da empreiteira. Não admite trocar as lembranças que habitam seu apartamento por dinheiro.

Também são elementos positivos sua tranquilidade em relação à homossexualidade do filho e o despojamento diante de sua própria sexualidade. Os laços de amizade que estabeleceu com a empregada doméstica também merecem destaque.

Por sua idade, Clara pertence à geração que ainda era jovem durante as lutas pela redemocratização do País. Dentre os que delas participaram, a maioria deve estar muito frustrada com os rumos que a democracia tomou.  

Se a metáfora vale, tal como no filme, o cerco a nossas liberdades e conquistas aumenta a cada dia. E como mostra seu final, a determinação de resistir só tem alguma chance se trocar a solidão pela solidariedade.

13 de setembro de 2016

Paraolimpíadas e esperanças mutiladas

Em 11/09, o atleta argelino Abdellatif Baka venceu os 1.500 metros em prova para deficientes visuais, sem guia. Aconteceu nas Paraolimpíadas 2016, mas a marca também lhe daria o ouro nas Olimpíadas.

Já o alemão Markus Rehm é campeão no salto em distância. Usando prótese em uma das pernas, ele quebrou o recorde mundial chegando aos 8,40 metros. A marca ultrapassa em 2 cm a do vencedor das Olimpíadas 2016.

Essas façanhas permitiriam esperar para breve a participação de paratletas nas Olimpíadas. Mas somente no primeiro caso, que não envolve próteses. Sobre estas últimas pesam suspeitas de que favoreçam artificialmente seu portador. Principalmente, as eficientes lâminas de fibra de carbono que substituem pernas amputadas.

Por enquanto, a Federação Internacional de Atletismo resolveu a polêmica decidindo que cabe ao paratleta provar a igualdade de condições para concorrer a uma vaga olímpica. No caso de Rehm, avaliações feitas por pesquisadores na Alemanha, Japão e Estados Unidos indicaram que a prótese ajuda no salto, mas atrapalha na corrida.

Ainda assim, o debate está longe de acabar.

De qualquer maneira, não seria difícil que, em breve, a tecnologia das próteses leve o desempenho paratlético a níveis inimagináveis. Neste caso, grandes empresas do ramo podem transformar a paraolimpíada em vitrine para a promoção de tecnologia biônica.

Também é possível que algumas pessoas recorram a amputações voluntárias para garantir patrocínios esportivos graúdos ou acrescentar a suas vantagens econômicas superpoderes físicos. Não se pode descartar, ainda, que essa tecnologia seja usada para formar exércitos biônicos.

Enfim, seria mais uma possibilidade de alívio para dramas humanos mutilada pela lógica do lucro e do poder.

Leia também:

11 de setembro de 2016

Sobre pessoas, pássaros, abelhas... e pessoas, de novo

Em 04/09, Ricardo Bonalume Neto publicou na Folha “Humanos conversam com pássaros para coletar mel na África”. O artigo fala sobre o pássaro-do-mel, que costuma guiar pessoas até colmeias. Uma vez espantadas as abelhas com fumaça, retira-se o mel e as aves comem a cera.

Observado em Moçambique, os moradores locais iniciam o acerto entre as duas espécies emitindo um determinado grito. Os pássaros atendem e iniciam os voos de árvore em árvore até chegar às colmeias.

Um estudo publicado na Science, em 21/07, mostrou que quando o chamado era feito do modo certo, os pássaros atendiam 66% das vezes, com um índice de acerto de 81%. Mas quando não eram feitos corretamente, os acertos diminuíam pela metade, ou menos.

Ou seja, parece que os pássaros só cumprem o combinado quando sabem que as pessoas que os chamam deixarão a cera para eles. Bem sabichões...

Ao mesmo tempo, assusta saber que nos últimos anos as abelhas vêm desaparecendo rapidamente no mundo todo. Das 20 mil espécies do inseto, um quarto está em extinção.

O caso é alarmante porque elas são responsáveis pela polinização. Elemento fundamental para manter o equilíbrio ambiental e a biodiversidade.

Nada disso envolve a bonita parceria testemunhada em Moçambique. O mais provável é que a matança de abelhas seja causada pelo uso de agrotóxicos.

Por outro lado, nem tudo é doce com o pássaro-do-mel. Tal como o cuco, ele põe seus ovos em ninhos de outras aves para serem criados por elas. Ao nascerem, seus filhotes matam os “rivais adotivos”.

Taí uma atitude que a parte predadora-ocidental de nossa espécie entende perfeitamente.

Leia também: Sociedades simples, sociedades complexas e pura sacanagem

9 de setembro de 2016

O “Café-da-manhã da Xuxa” e a febre gourmet

No início dos anos 1990, ficou famoso o “Café-da-manhã da Xuxa” exibido diariamente na TV. Uma refeição matinal cheia de frutas, iogurtes, sucos, frios, bolos e pães. Enquanto isso, a audiência infantil das periferias olhava para o banquete com água na boca e barriguinhas roncando.

Em 2014, levantamento feito pelo Ibope indicou que a TV brasileira exibe 67 programas de culinária em mais de 70 canais abertos e pagos. Esta febre gourmet não seria o equivalente atual do café que a Xuxa exibia no século passado?

Se é verdade que a questão mais grave já não é a falta do que comer, o que preocupa é a qualidade do que ingerimos. Cozinhar fica cada vez mais difícil depois de jornadas de trabalho extensas e das muitas horas gastas em intermináveis engarrafamentos.

Assim, acabamos assistindo cozinheiros, cozinheiras e “chefs” em ação como vemos futebol. Bem longe do fogão e da bola.

É verdade que muitos desses programas incentivam uma alimentação mais saudável, com alimentos frescos e ingredientes naturais. Mas na vida real engolimos cada vez mais produtos industrializados, temperados com muito hormônio e agrotóxico.

Afinal, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal, as vendas de pesticidas em 2015 chegaram a US$ 9,6 bilhões no Brasil. E, em 2014, foram mais de 914 mil toneladas de agrotóxicos comercializadas.

Talvez seja injusto comparar tudo isso ao café da Xuxa. Muitos já nem se lembram desse evento traumático de suas infâncias. Estamos ocupados demais tratando as patologias causadas por nossa ração química diária. E se a febre gourmet não denuncia, é cúmplice.

Leia também: A dieta sem graça do velociraptor

8 de setembro de 2016

Camuflando as fraudes da previdência privada

Andam dizendo que a Operação Greenfield pode deixar a Lava Jato no chinelo. Trata-se de investigação da Polícia Federal sobre fraudes envolvendo recursos de fundos de pensão. O rombo poderia chegar a R$ 50 bilhões.

Mas o noticiário vem fazendo uma confusão muito conveniente. Começa pela omissão do caráter privado dos fundos de pensão. Exatamente o tipo de entidade às quais os defensores da reforma da previdência querem entregar os recursos do sistema público de aposentadorias e pensões.

Esta informação fica ainda mais camuflada pelo fato de que as fraudes aconteceram principalmente em entidades ligadas a trabalhadores de empresas públicas, como Petrobrás e Caixa Econômica. Além disso, as irregularidades envolvem vários pilantras petistas. Principalmente, ex-sindicalistas.

Ou seja, a confusão fica perfeita para reafirmar a ideia de que corrupção é sempre estatal e, agora, especialidade da esquerda. Aí só resta espaço para uma conclusão: privatização da previdência social e criminalização da esquerda partidária, sindical e popular.

O objetivo maior é pavimentar o caminho para um sistema de previdência como o chileno. Nele os trabalhadores contribuem com 10% de seus salários, mas em vez do retorno de 70% prometido só recebem cerca de 35%. Além disso, 90% das aposentadorias pagam apenas metade do salário mínimo.

A única coisa que não combina com essa farsa são as fortes suspeitas sobre o partido do presidente golpista, incluindo seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Sem falar na participação de uma gigante do mercado como a JBS-Friboi na história. São estas brechas que devemos aproveitar para construir uma resistência popular cada vez mais necessária.

6 de setembro de 2016

Por uma nova simbologia patriótica

Chegamos a mais um Dia da Pátria. É nesses momentos que a nação deveria fazer um balanço de sua existência. Por exemplo, deveríamos estar comemorando o 194º aniversário de nossa independência.

Mas para isso precisaríamos desconsiderar que antes do 7 de Setembro a data era comemorada em 12 de Outubro, quando coroamos Pedro I e trocamos um imperador pelo outro. Ou, o filho pelo pai.

Também é um momento importante para lembrar a origem de nossos símbolos nacionais. As cores da bandeira, por exemplo. O verde é da Família Real dos Bragança. O amarelo da monarquia dos Habsburgos.

Portanto, precisamos passar por uma renovação dos símbolos nacionais que expresse a verdadeira essência de nossa história . Afinal, tivemos três séculos de escravidão e cinco de racismo. Passamos quase metade de nossa vida republicana sob governos ditatoriais. A outra metade foi sempre dominada por uma democracia racionada.

Nos dois períodos, porém, torturas e prisões ilegais jamais cessaram de ser práticas cotidianas do Estado. O pau-de-arara, por exemplo, começou a ser utilizado no período “democrático” dos anos 1950, voltado principalmente para trabalhadores nordestinos considerados rebeldes.

Ou seja, é urgente considerarmos seriamente a transformação em símbolos nacionais de instrumentos muito presentes em nossa vida pública através dos séculos. Estamos falando do pelourinho e do pau-de-arara. Talvez, da forca também.

Cassetetes e balas de borracha ainda não adquiriram o estofo histórico necessário.

Por fim, seria bom renovar o panteão heroico nacional. Que tal no lugar de Zumbi, Brilhante Ustra ao lado do sanguinário Duque de Caxias?

Finalmente, teríamos uma simbologia e heróis dignos dos valores de nossos mais convictos patriotas.

Leia também: O Cristo laico de um Estado catequizado

5 de setembro de 2016

Um golpe para renovar a ilegitimidade

Até os anos 1960, presidente e vice-presidente da República recebiam votos separadamente. Ou seja, podia acontecer que duas propostas políticas opostas convivessem no mesmo governo. Aí, a legalidade podia apresentar problemas de legitimidade, uma vez que não apenas o titular poderia ser substituído, mas também o programa de governo votado pela maioria.

Foi o que aconteceu quando Jânio Quadros renunciou, em 1961. João Goulart era seu vice, mas como também era seu adversário político, teve seus poderes ilegalmente limitados pelos setores conservadores. Mesmo tendo recuperado suas atribuições em consulta popular, Goulart foi deposto pelo golpe de 1964 de forma totalmente ilegítima.

Tentando evitar confusões semelhantes e combinar legalidade com legitimidade, a Constituição de 1988 definiu que presidente e vice seriam eleitos na mesma chapa.

Isso não impediu situações estranhas como a condenação de Collor por corrupção, mas não a de seu vice. Mas estapafúrdio, mesmo, é o que recentemente aconteceu com Dilma Roussef, apeada do poder por seu vice através de manobras jurídicas das mais fajutas.

Nesse caso, não sobreviveram nem legalidade nem legitimidade. Esta última não apenas pela completa falta de lastro eleitoral do novo presidente. Mas pelo fato de que o programa de governo que a presidenta eleita começou a implementar era praticamente o mesmo que foi derrotado nas urnas.

Agora, porém, o golpista pretende manter e aprofundar o programa daquela a quem traiu. Saiu Dilma, ficou a ilegitimidade renovada. Nessa confusão, restou aos tucanos o consolo da vitória moral de suas ideias. Já a maioria da sociedade, permanece sob a ameaça de perder muitas de suas poucas conquistas. Estas, sim, mais que legítimas.

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1 de setembro de 2016

No horário eleitoral, o sabão de Hitler

“Propaganda eleitoral inconsequente’ é o título do artigo publicado pelo publicitário Chico Santa Rita no Globo, em 30/08/2016.

Alguns trechos:

Imagine a sua televisão em casa com 140 comerciais de 30 segundos de campanha eleitoral diários. Imagine que isso dure 35 dias, ininterruptos.

... a maior parte da população (classes C, D e E) se informa e baseia seu voto através do horário eleitoral. Segundo o DataFolha de agosto/2014, 34% do total de eleitores julgam que ele é “muito importante”; outros 29% o consideram “um pouco importante”.

...pesquisas publicadas e outras a que temos tido acesso mostram que o eleitor(a) está muito apático... mas aguarda o horário eleitoral para definir seu voto.

Em relação à mudança das regras para a propaganda eleitoral na TV, ele esclarece que no modelo anterior, os comerciais que apareciam durante a programação ocupavam 30 minutos diários em 45 dias. Pelas novas regras, serão 35 dias durante 70 minutos. “O tempo da propaganda não foi diminuído, mas sim concentrado e aumentado”, conclui o texto.

O que o artigo não diz é que uma das consequências mais graves dessa mudança é o aumento da tendência a fazer campanhas no formato “propaganda de sabão”. Um fenômeno que agrava a já enorme despolitização dos processos eleitorais.

O que também não está no texto de Santa Rita é o que disse Hitler em seu livro “Minha Luta”. Para ele, a propaganda política correta deveria tomar como modelo uma peça publicitária de... sabão.

E não nos esqueçamos, Hitler chegou ao poder montado em milhões de votos.

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