Doses maiores

30 de outubro de 2014

Por um Dia de Finados mais descontraído

A Justiça da Argentina acaba de condenar à prisão perpétua 15 agentes da ditadura militar que governou o país entre 1976 e 1983. Neste período, eles cometeram crimes como tortura, assassinato e sumiço de opositores ao regime.

No Brasil, os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade merecem todo o respeito. Mas muito dificilmente resultarão em verdadeira justiça. Continuaremos a ver os carrascos da ditadura militar desfilarem seu fascismo pelas ruas e na imprensa. Tudo sob a proteção da cúpula das Forças Armadas nomeada por uma de suas vítimas. Certamente, morrerão no conforto de seus lares.

Diante disso, só nos restaria fazer justiça com as próprias mãos.

Como somos contra execuções sumárias mesmo nestes casos, podemos apelar para algo parecido com que os anarquistas fizeram durante a Guerra Civil Espanhola. Dizem que eles desenterravam fascistas que haviam morrido antes de serem alcançados pela justiça revolucionária. Os defuntos eram colocados contra um paredão para passar pelo fuzilamento que ficaram devendo à História.

Infelizmente, o número de anarquistas é bem menor em terras brasileiras atualmente. Por isso, todos os outros lutadores socialistas que realmente se importam com o valor sagrado da justiça teriam que ajudar. Seria preciso localizar as tumbas e certificar-se de que se trata dos cadáveres corretos. A exumação também seria trabalhosa. Mas para o fuzilamento precisaríamos fazer sorteios para ver que felizardos passariam fogo nas carcaças.

Não faria muita diferença para os que caíram sob as patas dessas bestas. Mas, pelo menos, teríamos Dias de Finados mais descontraídos.

As pílulas terão suas doses suspensas até final de novembro.

29 de outubro de 2014

Os maiores vetores do Ebola

Muitas epidemias precisam de vetores para se alastrar. É o caso do mosquito da febre amarela. Era ele que, no início do século 20, espalhava a doença que matava milhares no Rio de Janeiro, todo ano.

A tuberculose já vinha dizimando os escravos há séculos sem que ninguém se preocupasse. Mas, estranhamente, a febre amarela atacava mais os brancos. Eis porque Oswaldo Cruz mandou derrubar bairros populares inteiros. Funcionários armados invadiam barracos e casebres para injetar um organismo estranho na população. Não à toa, estourou a Revolta da Vacina, afogada em sangue.

Algo parecido vem acontecendo com o Ebola. A doença mata há quase 40 anos na África. Precisou chegar a Europa e Estados Unidos para que o alarme soasse.

O Ebola mata principalmente na Guiné, Libéria e Serra Leoa. São países que viveram sob ditaduras por várias décadas. Governos, para os povos desses países, são sinônimos de violência brutal. Por isso, fogem de seus agentes. Preferem morrer em paz e cercados pelos seus.

Nos Estados Unidos, são 24 médicos para cada 10 mil pessoas. Na Guiné, apenas um para o mesmo número. Em Serra Leoa, um por 50 mil. Na Libéria, algumas dezenas para uma população de 4 milhões.

O Ebola é menos contagioso que o sarampo e a pólio. Infecta tanto quanto a gripe. O que vem matando os africanos pobres são o autoritarismo estatal e um sistema de saúde inexistente. Ambos, resultado de um sistema voltado para uns poucos privilegiados. Uma elite que se beneficia da exploração de seus povos pelo capital internacional. Uns e o outro são os maiores vetores do Ebola.


Leia também: O Ebola e a militarização do racismo

Gramsci e as Jornadas de Junho

Alguém cujo apelido é Hokus Pokus postou no Facebook um link para o texto “Espontaneidade e direção consciente”, de Antonio Gramsci. É um escrito de 1931, em plena noite fascista italiana. Eis uma passagem interessante:

Ocorre quase sempre que um movimento espontâneo das classes subalternas coincide com um movimento reacionário da direita da classe dominante, e ambos por motivos concomitantes: por exemplo, uma crise econômica determina descontentamento nas classes subalternas e movimentos espontâneos de massas, por uma parte, e, por outra, determina complôs dos grupos reacionários, que se aproveitam da debilitação objetiva do governo, para intentar golpes de estado. Entre as causas eficientes destes golpes de estado há que se incluir a renúncia dos grupos responsáveis em dar uma direção consciente aos movimentos espontâneos para convertê-los assim num fator político positivo.

Talvez seja leviandade atribuir a este trecho ares proféticos em relação às Jornadas de Junho de 2013. Mas imprudências à parte, dos atuais grupos capazes de “dar uma direção consciente” a movimentos como este, nada mais podemos esperar do PT. Sua direção está ocupada demais liderando governos de coalizão com setores que não gostam de povo. Além disso, se dedica cada vez mais a aperfeiçoar o aparelho estatal de repressão a manifestações populares.

Mas a oposição de esquerda tampouco parece disposta ou preparada para encarar a tarefa. Suas prioridades estão voltadas para luta institucional, seja em parlamentos e governos, seja em sindicatos.

Nossa sorte é que a direita ainda tem muita dificuldade para lidar com o povo na rua. Mas se há uma coisa com que não podemos contar é a sorte.

Leia a íntegra do texto de Gramsci

28 de outubro de 2014

Separatismo paulista: gente que rouba

Em meio à onda de ódio aos nordestinos que vem infectando a internete, ressurgem manifestações separatistas. Muitas delas defendem a superioridade de São Paulo em relação ao que seriam a regiões atrasadas e pobres do País.

Em seu livro “A ralé brasileira”, Jessé Souza mostra que essa estupidez é mais antiga do que parece. Segundo o autor, tudo começou com o mito do patrimonialismo. Para ele, este conceito sociológico criado por Sérgio Buarque e aperfeiçoado por Raimundo Faoro mostrou-se bastante conveniente para nosso sistema de dominação.

Muito resumidamente, o patrimonialismo considera o Estado a fonte de todo o mal. Responsável pela apropriação dos bens públicos por uma elite egoísta e irresponsável. Já a sociedade, seria o lugar onde homens e mulheres lutariam por sua sobrevivência honesta e dignamente. Por “sociedade” entenda-se mercado, diz o autor.

Mas esta fórmula omite o quanto o Estado serve fiel e prioritariamente a uma parte importante e poderosa da sociedade: o grande capital.

Ao mito do patrimonialismo nacional corresponderia o “mito de São Paulo”. Segundo esta fantasia, na maior parte do país prevalecem relações de favor, dependência do Estado, “jeitinho brasileiro” e displicência produtiva. Em São Paulo, porém, reinaria a competição justa e longe dos favores estatais, a eficácia e a disciplina fabril.

Pena que nada disso combine com figuras como Paulo Maluf ou com a histórica concentração de investimentos estatais no parque industrial paulista.

Não à toa, a “pujança paulista” é simbolizada pelos bandeirantes. Estes assassinos de índios e negros foram assim descritos por um governador de Pernambuco no século 17: “Gente bárbara, indômita e que vive do que rouba”.

27 de outubro de 2014

Meritocracia? Ninguém merece

“Meritocracia” vem do grego e define o governo pelos que merecem exercê-lo. Ou seja, devem reinar os que são nobres por suas virtudes, não pelo sangue de sua família.

Um dos primeiros pensadores a defender esta ideia foi Confúcio, no século 6 Antes de Cristo. Pouco depois dele, Platão e Aristóteles.

Mas a hereditariedade nos governos resistiu até o século 19, mesmo após muito sangue azul ter sido derramado por várias revoluções.

Hoje, ninguém questiona a ideia de que o poder deve ficar com os que fizeram por merecê-lo. Herdar cargos públicos, por exemplo, está fora de cogitação.

O mesmo vale para o acesso a bens e riqueza. Estes devem ser desfrutados por quem superou obstáculos, aperfeiçoou-se, mostrou talento e determinação.

O problema é que na competição capitalista, os bem-nascidos continuam a ser os grandes beneficiados.

Nascer em uma família e classe social capazes de oferecer os valores e a estrutura adequados à selvagem competição capitalista faz muita diferença.

Como o capitalismo tem uma forte vocação para a desigualdade social, é cada vez maior o número de “derrotados”, mesmo entre os que nasceram em berço de ouro.

É por isso que desde meados do século 20, as teorias políticas defendem programas públicos compensatórios: cotas raciais, subsídios sociais, renda mínima etc. Políticas recomendadas por instituições nem um pouco socialistas, como o Banco Mundial.

Nas últimas eleições, alguns setores sociais derrotados nas urnas consideraram a existência desses programas uma ofensa à justa disputa dada pelo mercado. Estão sepultados no século 19, sob o risco de ressuscitarem na Antiguidade. São uma espécie de “bem-morridos”.

24 de outubro de 2014

O divórcio entre junho e outubro

As atuais eleições ocorrem após um acontecimento histórico fundamental. As grandes manifestações de junho de 2013 foram as primeiras desde o Fora Collor, mais de 20 anos atrás.

Mas se essas revoltas aconteceram sob um governo de esquerda, ninguém tomou as ruas para protestar contra a adoção de medidas esquerdistas clássicas. Coisas como Bolsa-Família, Prouni, aumento do salário mínimo e aeroportos superlotados nada têm de socialistas.

Os manifestantes, por sua vez, não apresentaram quaisquer exigências radicais. É o caso da redução da tarifa de ônibus, mais verbas para saúde e educação, combate à corrupção, reforma política e fim da brutalidade policial.

Aparentemente, Junho foi resultado de uma explosão de mal-estar. Um incômodo radical sobre o qual não identificamos mais que alguns sintomas. O maior deles, uma rejeição generalizada à política institucional. Em especial, contra os partidos de todas as cores.

Vieram as eleições e elas só comprovaram o que as multidões tentaram expressar nas ruas. A política oficial já não teme mostrar sua enorme distância da vontade popular. O divórcio entre a farsa do voto bienal e a injustiça social, a repressão e a desigualdade econômica.

A campanha eleitoral simplesmente fez de conta que Junho não existiu. O que interessa é saber qual projeto irá gerenciar uma das sociedades mais violentas e injustas do mundo pelos próximos quatro anos.

Enquanto isso, a seca deixa de castigar apenas o Nordeste e começa a se alastrar pelas regiões mais ricas do País. A crise mundial promete chegar de vez e causar grandes estragos.

O calendário eleitoral termina domingo. Aquele que se iniciou em junho pode estar apenas começando.

Leia também: O PT também é conservador, afirma um petista

23 de outubro de 2014

O PT também é conservador, afirma um petista

Responda rápido. Que opção eleitoral ficou em primeiro lugar nas eleições para o Senado, em São Paulo? José Serra? Errou. Foi a alienação eleitoral. Nome que se dá para abstenções, votos nulos e brancos.

Esta mesma opção ficou em segundo lugar na votação para os governos paulista, fluminense e para a presidência. Dilma, por exemplo, teve 43 milhões de votos, contra 39 milhões para a “alienação”. Aécio ficou mais de 4 milhões de votos atrás.

Estes números estão no artigo “Não existe ‘onda conservadora’ no Brasil, nem em SP”, de Caio Dezorzi, publicado em 13/10. O autor é petista, mas procura mostrar que a culpa dos resultados eleitorais ruins para o PT são responsabilidade do próprio partido.

Segundo o texto, toda uma geração só conhece o PT que governa aliado a conservadores. Para essa faixa do eleitorado, os petistas representam a continuidade e não a mudança e o avanço. Não à toa, Dilma perdeu em redutos tradicionais do partido. É o caso do ABC paulista e de bairros pobres paulistanos como Itaquera, Ermelino Matarazzo e Sapopemba.

Mas o PSBD também não tem conseguido se beneficiar do desgaste petista, diz o autor. Desde 2006, os tucanos perderam 5 milhões de votos, mesmo com a entrada de 17 milhões de eleitores no pleito. Nas últimas eleições, quase 62% dos paulistas recusaram o voto a Alckmin, levando-se em consideração a alienação eleitoral.

Agora, responda rápido novamente. Existe uma onda conservadora? Tudo indica que sim. E o PT é a melhor resposta a ela? Há 12 anos, os governos e alianças do partido vêm provando que não.

Não deixe de ler o artigo de Caio Dezorzi.

22 de outubro de 2014

A Big Family de Alckmin e Dilma

Em 10/10, a Agência Pública divulgou matéria sobre as propostas de Dilma Roussef para a segurança pública. Entre elas, merecem destaque os Centros Integrados de Comando e Controle (CICC).

Os CICC funcionaram durante a Copa do Mundo e são equipados com aparelhos de processamento de dados, voz e imagens captadas por câmeras próprias ou integradas aos sistemas policiais. Seus equipamentos conseguem identificar pessoas, seu deslocamento, cores das roupas e traços faciais. O sistema consegue armazenar e pesquisar milhões de eventos em segundos.

A reportagem também cita a atuação dos CICCs como decisiva para a prisão ilegal de 23 ativistas no Rio de Janeiro na véspera da final da Copa. Uma das principais peças de acusação foi resultado da atuação de um policial da Força Nacional de Segurança, subordinada ao Ministério da Justiça. Ele infiltrou-se entre os manifestantes, compareceu aos protestos e transmitiu ao CICC imagens e sons por meio de celular. Tudo em tempo real.

A candidata das “forças progressistas” garante: “Nós queremos que o modelo da Copa se torne permanente”. Para isso Dilma promete apresentar uma Emenda Constitucional propondo integrar as forças de segurança, incluindo o exército, em CICCs em todas as capitais brasileiras. Aí está uma promessa de que não se pode duvidar.

Em São Paulo, a Secretaria de Segurança já começou a ampliar o número de câmeras nas ruas, integrando os dispositivos da Polícia Militar e do setor privado. Alckmin sempre teve vocação para Big Brother. Agora, conta com a colaboração da Big Sister Dilma. Aumenta a Big Family da vigilância e repressão arbitrárias.

Leia também: A “pátria de chuteiras” e a esquerda de coturnos

20 de outubro de 2014

Em breve, até cocô poderá dar lucro

No século 19 Marx afirmou que o capitalismo tende a transformar tudo em fonte de lucro. Mais de 150 anos depois, esta previsão só vem se confirmando. E não estamos falando apenas da venda de créditos de carbono ou do hidronegócio.

Que tal um vaso sanitário que pode levantar o assento automaticamente, aquecê-lo e se conectar a um smartphone para reproduzir suas músicas preferidas, enquanto você se concentra no principal? Ele já está à disposição no Japão

No lado oposto da fisiologia humana, temos uma geladeira conectada, que oferece dicas de culinária, controla seu próprio abastecimento e armazena suas preferências gastronômicas. Ela existe, é da Samsung e, recentemente, uma delas foi flagrada enviando spams.

Estes dois produtos são citados no artigo “Da utopia digital ao choque social”, de Evgeny Morozov, publicado em 02/10 no Le Monde Diplomatique. Fazem parte da chamada “internete das coisas”. Mas seu objetivo não é apenas oferecer estranhas comodidades.

Morozov desconfia de que as informações coletadas por esses objetos on-line sirvam às poucas e poderosas empresas que controlam os negócios mundiais. Talvez, o que deixamos para trás após uma visita ao banheiro não seja tão descartável quanto pensamos.

Quando você menos espera, pode receber um anúncio publicitário sobre a possibilidade de ter doenças que somente um exame de fezes detectaria. Ou ofertas de alimentos com base nos registros de seus assaltos noturnos à geladeira.

Hoje, ainda podemos optar por resguardar a intimidade de nosso aparelho digestivo. Em breve, o mercado deve tornar essa opção mais difícil. E até cocô poderá dar lucro. Mas não para a grande maioria de seus legítimos produtores.

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Na ausência da internete, pânico social

19 de outubro de 2014

Agronegócio e hidronegócio no segundo turno

Esclarecedora e muito triste a entrevista que Altair Sales Barbosa deu ao Jornal Opção. Publicada em 16/10, seu título é categórico: “O Cerrado está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água”. 

A responsabilidade por essa tragédia ambiental, diz Barbosa, é do agronegócio, que, desde os anos 1970, vem substituindo a vegetação original por pasto ou monoculturas como soja e algodão.

O mais grave é que esse tipo de plantio é incapaz de filtrar e conduzir as águas das chuvas para os aquíferos subterrâneos. As grandes bacias hidrográficas “brotam do Cerrado”, diz Barbosa. Se este bioma sofre degradação, não há rios para alimentar o São Francisco, por exemplo. Mas há, no mínimo, dez afluentes de outros grandes rios desaparecendo todos os anos, adverte. O resultado é a seca que se espalha pelo território nacional.

Enquanto o agronegócio desidrata o País para obter seus enormes lucros, o  hidronegócio faz o mesmo, transformando água em mercadoria. Esta é uma das principais causas da seca em São Paulo. É o que afirma a reportagem “O jorro do hidronegócio” de Sérgio Augusto, publicada no Estadão, em 12/10.

A matéria cita a investigação feita pelo promotor público Rodrigo Sanches Garcia sobre o caso. Segundo ele, a Sabesp captou mais água que o autorizado para não prejudicar o valor embolsado por seus acionistas. Ou seja, diz a matéria, a empresa paulista “tratou a água como ‘um negócio’, não como um bem coletivo”.

Agronegócio e hidronegócio estão produzindo uma enorme tragédia humana. E, nas atuais eleições, adivinhem de que lado eles estão? Dos dois.

Não deixe de ler a entrevista de Altair Sales Barbosa  

17 de outubro de 2014

O Ebola e a militarização do racismo

Pior que a epidemia do Ebola é a onda de preconceitos e racismo que a acompanha. Mesmo onde ela está longe de chegar, já se cobram medidas que miram menos a doença que os possíveis doentes. Principalmente, os negros.

As condições que fizeram surgir o Ebola na África nada têm a ver com “atrasos tribais” ou “costumes primitivos”. É a ação da “civilização” branca que destrói habitats e trouxe para perto dos seres humanos doenças que estavam isoladas.

Mas a secular ideologia racista é imune a argumentações racionais. O pânico cria o preconceito. E este é alimentado pela grande mídia e pelos governos para justificar mais controle e repressão sobre as populações pobres.

Barack Obama acaba de declarar o Ebola “um grave perigo para os Estados Unidos”. Pretende enviar tropas americanas à África com o pretexto de apoiar o trabalho dos agentes de saúde internacionais. Ao mesmo tempo, aprovou no Conselho de Segurança da ONU uma resolução que considera a epidemia uma “ameaça à paz e à segurança internacionais”.

No caso do HIV, os homossexuais não eram as únicas vítimas do vírus, mas tornaram-se o principal alvo dos preconceitos. A intolerância que os isolou também impediu a prevenção e a pesquisa de medicamentos por muitos anos.

Com o Ebola, o racismo se volta contra as populações africanas. Os membros da cúpula da ONU dizem que é preciso impedir que a doença se espalhe. Na verdade, pretendem isolar a epidemia na África. Nem que isso custe a vida de milhões de africanos. Pela ação do vírus, mas também pela força das armas.

16 de outubro de 2014

A onda conservadora não é evangélica

Silas Malafaia afirmou em 2013: “Se o Feliciano tiver menos de 400 mil votos na próxima eleição, eu mudo de nome”. O pastor homofóbico se reelegeu com apenas 398 mil votos. E o temido “tsunami evangélico” virou marola.

É verdade que os evangélicos Clarissa Garotinho, Eduardo Cunha, Christiane Yared e Pastor Eurico foram campeões de voto.  E que Marcelo Crivella, da Igreja Universal, foi para o 2º turno no Rio. Mas a chamada "bancada evangélica” cresceu 3%, contra os 20% ou 30% previstos inicialmente. O “pastor” Everaldo teve metade da votação de Luciana Genro.

O mito da “ditadura evangélica” é muito conveniente. O maior problema de Eduardo Cunha, por exemplo, não é sua opção religiosa. É sua atuação como representante das operadoras de telefonia. Nessa condição, ele liderou a oposição à aprovação do Marco Civil da Internete na Câmara.

Enquanto isso, Cabo Dacioclo, eleito deputado federal pelo PSOL-RJ, recebe mais atenção por ser evangélico que por ter liderado a greve dos bombeiros fluminenses.  

Muitos progressistas usam o terror antirreligioso para se omitir na luta por direitos humanos e liberdades individuais. Mas a ONG “Católicas pelo direito de decidir” apoia o direito ao aborto. Muitas comunidades evangélicas acolhem fiéis gays. Há várias forças religiosas dispostas a marchar junto com a esquerda.

O Congresso eleito é, realmente, o mais conservador em 50 anos. De fato, a maioria das lideranças evangélicas é de direita. Mas nosso maior problema não é a religiosidade popular. É o uso que o poder econômico faz dela. A mais fanática e perigosa força política de nossa sociedade é a do grande capital.

15 de outubro de 2014

O lugar dos tucanos é atrás das grades

Uma das principais propostas de Aécio Neves é a redução da maioridade penal. Ela indica uma lógica de direita, autoritária e conservadora.

Alguns textos contrários à medida circulam na internete. Argumentam que onde ela foi adotada, a violência não teria diminuído, mas aumentado.

Outros dizem que a proporção de crimes cometidos por menores que justificariam a penalização não ultrapassa 1% do total.

O problema é que a lógica conservadora inverte estes raciocínios. Aécio, por exemplo, está dizendo que a redução não é uma medida radical exatamente por que só atingiria 1% dos infratores.

E se a violência aumentou onde a maioridade penal foi reduzida, dizem os direitistas, imagine se ela não tivesse sido adotada.

Está provado que reforços punitivos só geram mais comportamentos violentos. Mas interessa ao Estado aumentar a violência social para ampliar seu controle sobre os explorados e oprimidos.

Eis por que a resposta padrão dos tucanos para os problemas sociais é mais policiamento, mais prisões, mais punições. Um conservadorismo que foi elemento importante na vitória tucana em São Paulo.

A desigualdade continua brutal no País. A violência decorrente dela também se brutaliza e justifica o encarceramento em massa.

Com isso, os presídios se tornaram quartéis generais dos bandidos. As facções criminosas dentro das prisões controlam a delinquência fora delas.

O sistema penal combate o crime fornecendo soldados às organizações que ficam no interior de suas próprias dependências.

É uma espécie de Parceria Público-Privada. Uma PPP do PDSB com o PCC.

Os tucanos bem que poderiam trabalhar diretamente com seus parceiros presidiários. Motivos para que também fiquem atrás das grades não faltam.

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14 de outubro de 2014

Hong Kong e a Revolução Francesa


Em Hong Kong, na China, um protesto reúne dezenas de milhares de jovens acampados. Além de exigir eleições democráticas, o "Occupy Central" denuncia a enorme desigualdade social. Não à toa, o local escolhido para a manifestação é um dos mais poderosos centros financeiros do mundo.
O movimento poderia ser considerado como parte das manifestações que a crise de 2008 provocou. Uma onda que se espalhou da África Árabe para Estados Unidos e Europa. 

Há quem destaque as grandes diferenças entre as realidades sociais de todos esses lugares. Mas isso vale mais para a situação política. No nível econômico, essas regiões sofrem com a ditadura do mercado, a enorme exploração da população e a profunda desigualdade social. 

A burguesia conquistou o poder prometendo liberdade política e igualdade econômica. Desde então, a liberdade política só produziu desigualdade econômica. E a busca por igualdade econômica, como aconteceu na China revolucionária, custou a negação das liberdades democráticas. 

Chegamos à pior das combinações. Muita desigualdade com pouca ou nenhuma democracia. No Egito ou na China, o sistema político jamais deixou de representar o poder econômico. Nos Estados Unidos ou no Brasil, o poder institucional só consegue representar o grande capital.

Os protestos e manifestações que se espalham pelo mundo poderão reverter essa situação? A resposta poderia ser semelhante àquela que deu Mao Tse Tung, ao ser perguntado sobre o que achava da Revolução Francesa: "É muito cedo para dizer."

Mas, talvez, a epidemia capitalista que tomou conta do planeta acelere o relógio da História. O que a burguesia revolucionária prometeu ainda poderia ser conquistado pelas insurreições mundiais do proletariado.

13 de outubro de 2014

O governo petista faz parte da atual onda conservadora

Os resultados das últimas eleições mostram uma onda conservadora no País. Mas não apenas pela chegada com força de Aécio Neves ao segundo turno.

Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o Congresso eleito é o mais conservador desde 1964.

A bancada ruralista, por exemplo, cresceu de 205 parlamentares para 273. Uma maioria capaz de levar à aprovação de medidas ainda mais prejudiciais ao meio ambiente, direitos indígenas, reforma agrária etc.

Já o número de parlamentares ligados à atuação sindical, caiu de 83 para 46. Muito preocupante se considerarmos o projeto-de-lei 4330, em tramitação na Câmara. A proposta pretende liberar de vez a terceirização nas relações trabalhistas.

O Diap também prevê um aumento em torno de 30% de policiais e militares eleitos. Entre eles, o fascista Jair Bolsonaro, campeão de votos no Rio de Janeiro.

Mas vamos a alguns detalhes.

O partido com mais parlamentares ruralistas é o PSC. A sigla dos “pastores” Marcos Feliciano e Everaldo fez parte da base petista até as vésperas das eleições. Já os outros dois partidos mais representativos do agronegócio são PR e PRB, que continuam na coligação liderada por Dilma.

O autor da PL 4330, da terceirização, é Sandro Mabel, do PMDB de Goiás, que faz parte da base governista.

E os petistas têm participação indireta até na votação de fascistas como Bolsonaro e Coronel Telhada. O forte desempenho dessa gente, certamente, foi embalado pela repressão às manifestações surgidas a partir de junho de 2013. Operações que os governos petistas não só apoiaram como comandaram.

A onda conservadora existe e é grave. O governo petista faz parte dela.

Leia também: Propostas concretas para não apoiar Dilma

10 de outubro de 2014

Propostas concretas para não apoiar Dilma

Segundo turno presidencial. Mais uma vez, petistas e tucanos disputam. Mais uma vez, o PT governou quatro anos para a direita, mas exige o apoio incondicional da esquerda para se reeleger e voltar a governar para a direita.

Aécio no governo seria pior que Dilma, com certeza. Mas isso não é suficiente para que apoiemos a candidatura petista. A não ser que o PT se comprometesse com algumas poucas e decisivas medidas. Por exemplo, adoção imediata de:

- Auditoria da dívida pública, com suspensão do pagamento de seus juros.
- Desapropriação de grandes propriedades que desobedeçam leis ambientais e trabalhistas.
- Desmilitarização da Polícia.
- Descriminalização das drogas e do aborto.
- Ampla legalização do casamento homoafetivo.
- Revisão da Lei da Anistia.

Certamente, os petistas nos diriam que medidas como estas atrapalhariam seu projeto. Afirmariam que a “diminuição da desigualdade social” e algumas outras “conquistas sociais” só foram possíveis por que medidas "radicais" como estas foram evitadas. Do contrário, a oposição de direita inviabilizaria “tudo o que foi conquistado”.

O argumento faz sentido. Mas lembra muito o que dizia a direita em relação ao Colégio Eleitoral e ao Plano Real, por exemplo. Foram momentos que marcaram a história do País. Provocaram pequenos e inegáveis avanços. Mas apenas para manter intacta uma das mais sociedades mais injustas do mundo.

Se a oposição de esquerda aceitar esta lógica, seria melhor abandonar suas organizações partidárias. Voltar a atuar no PT e integrar seus governos. Aderir ao conservadorismo secular que continua a governar o País, ainda que por meio de representantes por ele desprezados.

Leia também: Três candidaturas, os mesmos doadores, um só programa

3 de outubro de 2014

Microdicionário etimológico das eleições

São vários guias de eleitores circulando. Da grande imprensa, dos órgãos públicos, das campanhas eleitorais. Aqui vai mais um. Modesto, mas sincero.

Etimologia - Estudo da origem e formação das palavras de determinada língua.

Candidato - vem do latim “candidatus”, que quer dizer vestido de branco (candidus). Na Antiga Roma, quem quisesse ocupar um cargo público, tinha que ter uma vida sem manchas, desonras, crimes. Claro que, antigamente ou hoje, tudo isso não passa de simbologia. Fazer política numa sociedade de classes com ingenuidade ou pureza é pedir para ser jantado.

Urna – também vem do latim. Era um grande jarro de cerâmica. Podia ser usado para transportar água, mas também guardar cinzas ou restos de mortos. Por isso, até hoje temos as urnas funerárias para corpos cremados. Nas eleições, é nela que enterramos nossas esperanças de vez.

Voto –  a palavra latina “votum” implica um pedido feito a poderes divinos em troca de uma retribuição. Por exemplo, a cura de uma doença, a conquista de um benefício. Também pode ser um compromisso sagrado, como o voto de castidade, de silêncio ou de pobreza. Nas atuais eleições, pedimos pouco, recebemos nada e compromissos não existem. Muito menos os sagrados.

Eleição - do Latim “electione”, é derivado de “legere”, que quer dizer colher. Quem faz a colheita, também é obrigado a separar o joio do trigo, os frutos das pragas. Portanto, colhemos aquilo que plantamos. Nas democracias modernas, a maioria planta, cuida, mas só colhe os restos. E na hora de votar, ainda semeamos as tempestades que destruirão nossas lavouras.

Leia também: Três candidaturas, os mesmos doadores, um só programa

2 de outubro de 2014

Três candidaturas, os mesmos doadores, um só programa

Em agosto, Aécio Neves era o candidato favorito dos grandes empresários. É o que indicou pesquisa realizada pelo jornal Valor em evento que reuniu 120 executivos de grandes empresas, em 06/08. O tucano tinha a preferência de 47% dos presentes.

Com a morte de Eduardo Campos, Marina entrou na campanha. Em 29/08, o Valor publicou a matéria “Para derrotar Dilma, mercado 'marinou'”. Por mercado entenda-se o setor financeiro, que se entusiasmou com a ex-senadora. Não por razões ideológicas, diz a matéria, mas por ver nela uma grande oportunidade para derrotar Dilma.

Dilma, por sua vez, é a preferida pelo agronegócio. Não é só o apoio entusiasmado de Kátia Abreu, senadora e presidente da Confederação da Agricultura. Eraí Maggi, conhecido como o "rei da soja", também se declarou favorável à reeleição de Dilma.

Mas as diferenças eleitorais entre empresários, banqueiros e latifundiários são apenas isso mesmo: eleitorais. É o que mostram as doações para as campanhas. Os três primeiros colocados recebem quase 95% das doações do grande capital. Com o agravante de que a candidatura de esquerda é, disparado, a mais beneficiada.

A grande imprensa cobra dos candidatos favoritos a apresentação de seus programas de governo. Mas há um programa com o qual os três concordam. Ele inclui o rombo causado pelo pagamento dos juros da dívida interna no orçamento público. Ou a “bolsa-banqueiro” representada pelo superávit primário. As metas de inflação e os juros estratosféricos também estão garantidos.

Este programa não foi posto em questão por nenhum dos primeiros colocados nas pesquisas. É ele que está em prática e continuará a valer, vença quem vencer.

1 de outubro de 2014

Levy Fidelix e os macacos bonobos

Causaram justa indignação as declarações feitas por Levy Fidelix, candidato à Presidência da República nas próximas eleições. Em debate realizado em 29/09, ele atacou os homossexuais com afirmações do tipo “duas pessoas iguais não fazem filho” e “aparelho excretor não reproduz”.

Mas, como ele, muita gente acha que as relações homoeróticas desafiariam a “normalidade” das relações sexuais ao não permitir a reprodução da espécie. São concepções que ignoram o fato de que a sexualidade humana vai muito além de suas funções reprodutivas.

É por isso, por exemplo, que não somos escravos dos períodos de cio, como outros animais. Do contrário, o ato sexual seria apenas a execução de um programa de algoritmos genéticos. As relações entre atração, paixão e amor não seriam tão fascinantes e misteriosas. Por consequência, estaríamos privados de uma enorme fonte de inspiração para muitas das mais belas obras da arte humana.

Sem falar, claro, em horóscopos com somente três signos e nossos aniversários amontoados em apenas alguns meses do ano. Uma chatice...

Por outro lado, nem mesmo entre os animais, a infeliz ideia expressada por Fidelix é regra geral. É o caso dos macacos bonobos, cuja sexualidade tem na reprodução da espécie apenas uma de suas funções. A vida erótica deles inclui relações entre indivíduos de mesmo sexo, masturbação, diversidade de posições, brincadeiras, disputas pelo poder etc.

Ou seja, Fidelix e muitos outros que compartilham de seus preconceitos teriam muito que aprender com os bonobos. Mas dificilmente, os divertidos primatas aceitariam alunos tão estúpidos.