Doses maiores

30 de abril de 2015

O 1º de Maio terceirizado

São Paulo, centro industrial do País, 1º de Maio de 2015.

No evento da Força Sindical, cantores como Daniel, Padre Alessandro, Leonardo, Latino, Edson e Hudson e Paula Fernandes. Serão sorteados 15 automóveis e um “caminhão de prêmios”.

Na festa cutista, Elba Ramalho, Belo, Turma do Pagode, Leonardo, Renato Borghetti. Edson e Hudson e Paula Fernandes repetem a dose. Uma feira exibirá “a riqueza culinária” do País.

Em meio a tantas atrações, os dirigentes das duas principais centrais tentarão chamar a atenção. “Vamos pras ruas, impedir os ataques à classe trabalhadora”, gritarão os cutistas. “Vamos pras ruas, contra o governo Dilma”, ameaçarão os da Força.

O público será formado por trabalhadores. Mas estarão lá na condição de consumidores, fãs de música, jogadores de bingo, plateia deslumbrada. Dificilmente como lutadores.

O projeto que libera a terceirização em debate no Congresso certamente será tema de pronunciamentos e materiais de divulgação. CUT e Força Sindical terão posturas opostas. A primeira, contra. A segunda, a favor.

Ambas, no entanto, assim como a maioria de nossas entidades sindicais, já sofrem as consequências que a proposta em debate no Legislativo quer generalizar. Há décadas, elas vêm terceirizando a representação de suas categorias assalariando e burocratizando sua militância.

As muitas estrelas e sorteios dos eventos comemorativos também fazem parte desse fenômeno. Através deles os dirigentes terceirizam seu protagonismo. Seus discursos são ignorados e a luta cede lugar ao espetáculo mais superficial.

Resta saber como será o 1º de Maio de 2016. Após uma recessão bastante provável, talvez os trabalhadores das bases assumam a luta, dispensando a terceirização imposta pelas burocracias do movimento sindical.

Leia também: O que divide as centrais sindicais neste 1º de Maio

28 de abril de 2015

Diante da Casa Grande, a classe média abana o rabo


Muito merecidos os elogios para o filme “Casa Grande”, de Fellipe Barbosa.

Basicamente, a trama gira em torno da falência de um lar chefiado autoritariamente por Hugo. Como tradicional patriarca da pequena família, ele atua como consultor financeiro, mas faz jogadas desastradas no mercado.

Para manter as aparências, Hugo torra as economias, incluindo a “poupança das crianças”. Acumula dívidas e calotes. Inclusive, os trabalhistas, junto a seus empregados domésticos, a quem trata com a cortesia de quem parece lamentar o fim da escravidão.

No entanto, talvez seja exagero considerar a família retratada como exemplo da verdadeira Casa Grande brasileira. É verdade que possuir uma casa com 1.400 m2 de área construída fica bem acima do padrão residencial nacional.

Mas uma das causas da derrocada financeira da família é, por exemplo, o investimento em uma empresa de Eike Baptista. Este sim, legítimo representante daqueles para quem luxuosas mansões não passam de uma pequena parte de um patrimônio muito maior.

Os novos senhores de escravos assalariados controlam fábricas, fazendas, bancos, importantes participações acionárias e grandes e rentáveis lotes da dívida pública brasileira. Não estão sujeitos aos humores do mercado, como o infeliz sinhozinho da Barra da Tijuca.

Mas é este setor social, com suas frágeis posses e ideias idem, que costuma ladrar contra políticas econômicas redistributivas. São seus membros que rosnam ao ouvir falar de políticas de cotas e só abanam o rabo quando olham com inveja para a racista e desigual sociedade estadunidense.

Enfim, são estes os quadrúpedes que correm, de língua de fora, quando os verdadeiros proprietários das Casas Grandes gritam por eles: “Aqui, classe média!”.

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27 de abril de 2015

O violino petista e o maestro imóvel

Exercer o poder é como tocar violino, dizem. A mão esquerda segura, mas é a direita que toca.

A comparação serviria para os governos petistas, não tivessem seu lado canhoto completamente paralisado.

Mas não é por isso que a metáfora não serve. O governo é apenas um dos inúmeros instrumentos que compõem a grande orquestra do poder.

Controlar o Executivo está longe de determinar que música devem dançar Legislativo, Judiciário, Exército e forças policiais.

A Câmara Federal, por exemplo, acaba de aprovar a terceirização total e uma de suas comissões decidiu alterar a definição de trabalho escravo em favor dos escravocratas.

A redução da maioridade penal avança, enquanto projetos sobre direito ao aborto e contra a homofobia foram engavetados.

Tudo isso graças exatamente à maioria parlamentar que o governo imaginava reger.

O Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a lei das Organizações Sociais. Setores essenciais, como saúde e educação, podem continuar contratando entidades “pilantrópicas” para empregar sem concurso, comprar sem licitação e usar o patrimônio público para lucrar.

A decisão foi tomada contra ação ajuizada pelos petistas, em 1998, por uma maioria de magistrados indicada pelo próprio PT, mais recentemente.

Mas o violinista petista não poupa esforços. Novamente revelou-se ambidestro ao editar medidas provisórias que cortam direitos sociais. Também pretende abrir à exploração do mercado parte da Caixa Econômica Federal e ofertar aeroportos, rodovias e ferrovias em nova onda de privatizações.

Enquanto isso, Joaquim Levy prepara seu concerto triunfante certo de que vai brilhar no ritmo de bate-estaca neoliberal que lhe foi encomendado.

O grande capital rege a música sem dar-se ao trabalho de mover os braços.

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Para deixarmos de ser tão brasileiros

Abril vai findando e Anderson Ulisses resolveu comemorá-lo publicando em seu blog “Fechando abril: Brasil descoberto & Tardios aromas de libertação”.

O belo texto lembra grandes momentos do mês que se encerra. Entre eles, o nada grandioso, mas sempre lembrado, “descobrimento” do Brasil. Momento que nos remete à ideia de “brasilidade” e sobre a qual Anderson nos revela um achado emprestado da professora Vanise Medeiros, da UFF.

Trata-se da escolha do adjetivo “brasileiro” para definir nossa nacionalidade. Segundo o texto, o sufixo “eiro” costuma ser utilizado para profissões, como mineiro, pedreiro, jardineiro. Desse modo, “brasileiro” definia os comerciantes de pau-brasil.

Assim, diz o texto:


... adotamos por nome de nossa nacionalidade a primeira e mais simbólica forma de exploração de nosso próprio país. Ainda damos prosseguimento aa colonização em nós mesmos.
Mas Anderson também lembra eventos mais nobres. É o caso da Revolução dos Cravos e seu papel no fim do colonialismo português em África. Foi este acontecimento, diz ele, que “levou todos esses povos aa libertação”.

Sendo assim, talvez devêssemos negar a Portugal o estatuto de nação até 25 de abril de 1974. Quem sabe, seja o caso de considerar o verdadeiro momento de fundação de uma nação aquele em que seu povo desmantela o domínio que seus senhores impuseram sobre outros povos.

Nesse caso, a nação brasileira ainda estaria por nascer. Ela só viria à luz ao eliminar a “colonização em nós mesmos”, incluindo a que os poderes instituídos impõem às inúmeras autonomias por que luta seu povo tão diverso.

Que venham abris que nos façam, alegre e orgulhosamente, deixar de ser tão brasileiros.

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24 de abril de 2015

Cresce peso da internete na luta contra-hegemônica

Alguns dias atrás, o PSDB mostrou-se rachado no apoio ao PL 4330, que libera totalmente a terceirização da mão de obra no País. Alguns tucanos identificavam uma pressão contrária ao projeto vinda das “redes sociais”. 

De fato, pesquisa divulgada pelo jornal El País, em 16/04, confirmou uma “onda antiterceirização” dominando 98% dos debates sobre o tema nas redes.

Em 21/04, Paulo Roberto Junior divulgou pesquisa da Fundação Perseu Abramo que aponta a internete como principal fonte na busca de informações e notícias para 68,6% da população. Bem à frente da Itália, segundo colocada, com 57%.

Por fim, em 17/04, Sérgio Amadeu publicou em seu blog artigo sobre o chamado “acordo Dilma-Zuckerberg”. Para o especialista, os entendimentos entre a presidenta e o fundador do Facebook podem ameaçar a “neutralidade” da rede, prevista no Marco Civil da internete.

São informações a que todos os que atuam na luta contra-hegemônica devem estar atentos. Aparentemente, o peso das redes e portais virtuais é cada vez maior na disputa entre visões de mundo radicalmente diferentes.

É verdade que não se pode ignorar que estamos falando de mais um meio de comunicação, ainda que com características específicas. Entre elas, um alto nível de monopolização, apesar de sua aparência aberta e transparente.

Fundamental, portanto, que a esquerda desenvolva políticas para intervir nesse meio. Afinal, em meio ao conservadorismo que predomina nas redes, a enorme rejeição ao PL 4330 parece ter sido uma exceção. E sua aprovação com apoio total dos tucanos mostra como seu peso político tem que ser relativizado.

De qualquer maneira, ajudaria se o governo evitasse fortalecer gigantes como o Facebook.


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22 de abril de 2015

A mais estimada das contribuições indígenas

Se não fosse pelos indígenas, não teríamos bichos de estimação. É o que revela a interessante reportagem “Viagem ao passado ‘animal’”, de Flávia Milhorance, publicada no Globo em 28/03.

A matéria refere-se ao livro “Representações da fauna no Brasil - Séculos XVI-XX”, organizado pela historiadora Lorelai Kury. Segundo o estudo, os indígenas não tinham uma relação utilitária com os animais. Flávia exemplifica:

Papagaios, araras, periquitos, macacos, porcos do mato, quatis e até mesmo serpentes e tantos outros animais eram recolhidos das florestas tropicais e criados nas aldeias como mascotes.

Já para os colonizadores, “o gato servia para caçar ratos, enquanto que o cachorro era usado no pastoreiro, no transporte, em tarefas diárias nas cidades ou no campo na Europa.”

Esta foi a regra até a chegada dos europeus às Américas. Assim, diz a reportagem, a “intimidade que temos hoje com nossos animais de estimação foi aprendida a partir do período da colonização”.

Na verdade, os índios adotam os animais e cuidam deles como se fossem suas crianças. Mas, assim que são capazes de se cuidar, eles têm que sobreviver às próprias custas.

É uma concepção bem diferente da que prevaleceu com o domínio do capitalismo, sob o qual vale o imperativo de que é preciso transformar tudo em objeto de exploração. Inclusive, e principalmente, a vida.

Felizmente, estudos como o divulgado pela reportagem mostram que outras lógicas são possíveis. E nosso cotidiano, cheio de lulus, bichanos, loros, revela que nossa espécie ainda tem salvação. É possível nos relacionar com a natureza por seus valores de estimação e não pela estimativa de seus valores.

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16 de abril de 2015

O Cristo laico de um Estado catequizado


  Pedro Américo
Em tempos em que a bancada da Bíblia tenta catequizar o Estado e a vida pública, vem aí o feriado não religioso de Tiradentes.

Ou não?
        
O Estado laico nasceu entre nós por meio dos positivistas, que proclamaram a República de cima para baixo. A Constituição que aprovaram assegurou que o Estado deveria ser indiferente à fé escolhida pelas pessoas. Um avanço, sem dúvida. Mas como muitos outros, destinado a ficar no papel.

Não demorou muito para que o novo regime inaugurasse um culto laico. Tiradentes foi enforcado careca e sem barba, como era costume na época. Mas muitas das pinturas do período republicano que retratam sua execução deram-lhe longa cabeleira e barba. Era o Cristo laico dos positivistas.

Em “O Precursor”, de Pedro Bruno, Tiradentes lembra Cristo diante de um frade que porta um crucifixo. O carrasco curva-se como a pedir sua bênção. Décio Villares retrata um Tiradentes muito semelhante às imagens de Cristo. “Leitura da Sentença”, de Eduardo de Sá, mostra um altar com velas e o crucifixo com Jesus Cristo.

Em “Tiradentes Esquartejado”, de Pedro Américo, a cabeça decepada parece estar cercada por uma aureola. Um crucifixo repousa a seu lado e a posição do torso mutilado lembra a “Pietà”, de Michelangelo.

A vedação de relações entre Estado e cultos religiosos ou igrejas foi confirmada pela atual Constituição. Mas seu preâmbulo diz que foi promulgada “sob a proteção de Deus”.

Eis porque jamais faltaram crucifixos e imagens católicas em tribunais, parlamentos e repartições. Aos cultos afro-brasileiros nunca foi permitida liberdade semelhante. Ao contrário, são alvo da mais dura discriminação e repressão oficiais.

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15 de abril de 2015

Não enterrem nossos corações em Brasília

No livro “Enterrem meu Coração na Curva do Rio”, Dee Brown relata o extermínio dos índios da América do Norte pelo colonizador branco.

O título se refere a um massacre ocorrido, em 1890, próximo a um rio, dentro de uma reserva indígena. O assassinato covarde de centenas de indígenas marcaria a vitória final das tropas militares estadunidenses sobre a resistência nativa.

Os mortos eram sioux. Sioux quer dizer “homens-búfalo”, devido a sua intima ligação com estes animais. Segundo uma profecia, se os búfalos desaparecessem, eles também seriam extintos. De fato, quando os brancos chegaram no século 16, havia 75 milhões de búfalos. No momento do massacre, não passavam de 3 mil.

Desde 13 de abril mais de mil lideranças indígenas ocupam Brasília em defesa de seus territórios. Eles querem impedir aprovação da Emenda Constitucional 215. A proposta pretende transferir ao Congresso Nacional a atribuição de demarcar terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação.

Com isso, um parlamento dominado por ruralistas e representantes de grandes empresas inviabilizaria a demarcação das terras. Essa atribuição é do Executivo, hoje, exatamente porque a ele cabe apenas executar o que manda a Constituição, não discutir suas determinações.

As terras para nossos índios e quilombolas são como os búfalos para os sioux. Não se trata de exploração destrutiva, mas de metabolismo sócio-natural. Uma relação que deveria nos servir de modelo para deter as catástrofes ambientais que causamos.

O massacre que pode acontecer no Congresso seria simbólico. Mas representaria uma vitória do desenvolvimento predatório com consequências muito reais para todos nós. Não podemos deixar que enterrem nossos corações naquele solo amaldiçoado.
 
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14 de abril de 2015

A bancada BBB: Bíblia, Boi e Bala


Dizem que foi a deputada petista Erika Kokay que criou a expressão “Bancada BBB: Bíblia, Boi e Bala”. A expressão se refere à aliança entre deputados federais religiosos, ruralistas e defensores de soluções violentas para as questões sociais.

Somados, os BBB representam uns 40% dos votos da Câmara, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Mas podem ampliar sua influência facilmente junto a outros deputados.

Um exemplo de BBB é Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em sua pretensa condição de representante dos evangélicos, ele procura favorecer propostas como a criminalização total do aborto e inviabilizar qualquer discussão sobre legalização das drogas ou combate à homofobia.

Por outro lado, foi ele que desengavetou o projeto de liberação total para a terceirização, atraindo o apoio do conjunto de parlamentares cuja prioridade é defender os interesses empresariais.

Ou seja, para muito além de quaisquer particularidades religiosas ou setoriais, a
bancada BBB tem opções de classe bem definidas. Seu objetivo é aprovar não apenas propostas conservadoras envolvendo direitos humanos e o agronegócio. Também é defender os interesses gerais do grande capital.

Retomando Eduardo Cunha como exemplo, a
ntes assumir a presidência da Câmara, ele já havia se destacado por sua
atuação como representante das operadoras de telefonia, liderando a oposição à aprovação do Marco Civil da Internete, um ano atrás.

Portanto, também a grande mídia desfruta do auxílio generoso dos BBBs. E estes contam com a tolerância dos monopólios de comunicação. Trata-se de uma poderosa aliança à qual só os trabalhadores precisam responder com a unidade de suas lutas. E, claro, com as armas de nossa mídia contra-hegemônica.

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O oitavo passageiro somos nós

Neil deGrasse Tyson é um astrofísico estadunidense e divulgador científico do porte de Carl Sagan, de quem foi discípulo. Costuma aparecer em vídeos bem humorados e muito acessados nas redes virtuais.
Em um deles, Tyson especula sobre a existência de extraterrestres tão inteligentes em relação a nossa espécie como seríamos nós comparados aos outros animais.

Ele cita o exemplo dos chimpanzés, com quem temos uma identidade genética de mais de 99%. Esta pequena diferença, no entanto, diz Tyson, é suficiente para nos tornar capazes de fazer coisas que nossos parentes primatas jamais poderiam imitar, como compor sinfonias ou construir espaçonaves.

A partir disso, Tyson imagina um extraterrestre que apresente uma vantagem evolutiva na mesma proporção em relação a nós. A diferença entre seu estoque genético e o nosso também seria cerca de 1%. O que aconteceria?

Talvez, os ETs nos olhassem com tanta indiferença como a que sentimos ao observar as outras espécies. Sendo assim, jamais teriam pensado em estabelecer uma conversação inteligente conosco, do mesmo modo que não consideramos fazer o mesmo com minhocas ou formigas.

Esta interessante especulação nos cobra uma atitude mais humilde não apenas em relação aos cosmos lá fora, mas principalmente quanto ao nosso próprio mundo. Com uma grande diferença. Se esses hipotéticos ETs não fazem contato porque ignoram nossa capacidade de comunicação, nós não apenas ignoramos as outras espécies terrestres, como as estamos destruindo.

Nos consideramos seres superiores, mas agimos em relação às outras formas de vida como os piores monstros dos filmes de terror cientifico. Somos um tipo de “oitavo passageiro” do planeta, babando agrotóxico, radiação e combustíveis fósseis.


12 de abril de 2015

A terceirização e os ratos no Congresso

Há poucos dias, roedores foram soltos nas dependências do Congresso Nacional. No momento, muitas atividades ocupavam os parlamentares. Entre elas, a aprovação da PL 4330 que libera totalmente a terceirização de mão de obra no País. 

Trata-se da medida dos sonhos dos patrões. Em 2013, os assalariados terceirizados receberam, em média, 24,7% menos que os contratados diretos, diz o Dieese. Eles também trabalham, em média, 3 horas a mais por semana. E são oito de cada dez trabalhadores acidentados.

Segundo dados do Ministério Público do Trabalho, das 36 principais operações de libertação de trabalhadores em situação de escravidão, 35, foram em empresas terceirizadas.

A grande justificativa patronal é a necessidade de mão de obra especializada. Mas em pesquisa feita pela Confederação Nacional da Indústrias, 91% dos empresários admitiram como principal motivação a redução de custos.

O governo continua dizendo que é contra. Mas tem entre seus ministros, alguns favoráveis. É o caso do ministro do Trabalho,
Manoel Dias. Segundo ele, o governo não aceitará que os terceirizados percam o direito de se sindicalizarem na entidade a que pertençam os trabalhadores diretos.

Então ficamos assim, acaba-se com o que há de mais positivo na CLT: os direitos. Mantém-se o que ela tem de mais prejudicial: a estrutura sindical burocrática, financiada e tutelada pelo Estado.

E por falar em sindicalistas, no dia da votação da PL, eles ficaram no lado de fora do Congresso. Tentavam se manifestar enquanto apanhavam da polícia. No lado de dentro, os lobistas do grande capital circulavam livremente. Apesar da presença deles, os ratos passam bem.

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9 de abril de 2015

A terceirização do trabalho sujo dos neoliberais

A Câmara Federal aprovou o projeto de lei 4330, que “libera geral” a terceirização no país. Confirmada pelo Senado e pela presidenta, a medida representaria a maior derrota da classe trabalhadora desde o golpe de 1964.

As consequências seriam agravadas pela crise que se avizinha. Mas também pela enorme rotatividade do mercado de trabalho nacional. Condições perfeitas para que ocorra um tsunami de terceirizações, destruindo direitos e achatando ainda mais os salários.

Ainda que a iniciativa do projeto não tenha sido do governo, sua base parlamentar foi a principal responsável por sua proposição e aprovação. Em especial, o PMDB, partido a quem foi entregue a articulação política do governo na véspera da votação.

A bancada do partido do governo votou contra. Mas dizem as más línguas que o PT já teria terceirizado o governo antes mesmo da aprovação do PL 4330. Primeiro para o tucano Joaquim Levy, agora para o cacique peemedebista Michel Temer.

Mas o fato é que os petistas continuam a tomar suas próprias iniciativas. Afinal, o governo decretou duas medidas provisórias que atacam direitos sociais sem qualquer ajuda do PMDB.

Na verdade, um ciclo terrível parece se fechar. O governo Lula começou com uma reforma neoliberal típica. As mudanças na previdência dos servidores públicos fizeram o que Fernando Henrique nunca conseguiu. Agora, Dilma se depara com a reforma trabalhista sonhada pelos tucanos.

Em breve, poderemos saber se o governo atingiu o fundo do poço. Uma sanção presidencial do PL 4330 representaria a capitulação final do PT. E a comprovação de que os neoliberais conseguiram finalmente transferir completamente seu trabalho sujo para terceiros.

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8 de abril de 2015

A esquerda que só fala para si mesma


Muito interessante a entrevista de Bernardo Kucinski ao programa “Espaço Público”, da TV Brasil, de 17/03.

Merece destaque o momento em que o veterano jornalista petista afirma que a esquerda brasileira não tem uma política de comunicação. A maioria de seus setores estaria mais preocupada em dirigir-se a seu “público interno” e não fala para fora.

É verdade. O próprio PT, um dos maiores partidos de esquerda surgidos no mundo, nunca teve uma publicação nacional e diária. Diferente do PCB, por exemplo, que chegou a ter oito jornais diários espalhados pelo país nos anos 1940.

Apesar do estalinismo de muitos dos comunistas daqueles tempos, eles disputavam com a burguesia cada aspecto da vida social na tão necessária luta por hegemonia. Não conquistaram seu objetivo, mas mantiveram uma imprensa de alcance amplo mesmo na ilegalidade.

O problema é que os setores dirigentes do PT sempre confundiram disputa de hegemonia com briga por votos. Por consequência, o partido chegou a postos de governo cedendo ao senso comum sem jamais se contrapor a ele.

É  o caso da construção da imagem de partido sem problemas com corrupção. É impossível conquistar o poder usando os meios porcos criados pela classe dominante sem se manchar. Agora, o mesmo senso comum que levou o PT ao poder o identifica como único responsável pelas sujeiras da política oficial.

Infelizmente, os outros partidos de esquerda cometem erro semelhante. A começar pela ausência de uma imprensa diária de grande alcance. Por isso, na atual crise política, mal conseguimos no distinguir dos petistas. Somos quase tão mal falados pela maioria do povo quanto o PT.

A entrevista está
disponível aqui.

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A redução da maioridade e o culto a Herodes


  Nicolas Poussin
As justificativas utilizadas pela proposta de redução da maioridade penal em debate na Câmara Federal são surpreendentes. Elas se resumem a palavras atribuídas a Salomão, Davi e Ezequiel. Não há estatísticas ou estudos de especialistas, entidades civis ou fontes governamentais.

Usar a Bíblia como referência para legislar pode levar a absurdos. Basta recordar que, segundo Levíticos, a posse de escravos é possível desde que sejam comprados de nações vizinhas. E que no Êxodo, aqueles que trabalham aos sábados podem ser condenados à morte.

Mas se é para continuar no campo dos elementos religiosos, que tal lembrar também da malhação do Judas, ainda muito frequente em várias regiões do Brasil? Foi o que fez José de Souza Martins em “Sofismas da lei”, artigo publicado pelo Estadão em 05/04.

Possivelmente inspirados pelo ritual da Semana Santa, o sociólogo lembra que mais de um milhão de brasileiros participaram de linchamentos nos últimos 60 anos. Muitas de suas vítimas são adolescentes e jovens acusados de atos criminosos. Nem por isso, a criminalidade caiu, nota Martins.

Outro personagem bíblico famoso poderia ser invocado para ajudar no debate. Abraão quase matou seu filho por ordem de Deus, em um estranho teste de fidelidade. De nossa parte, nem precisamos de qualquer imposição divina para ameaçar nossas crianças.

A Unicef estima que, entre 2010 e 2016, chegaremos a 37 mil crianças e adolescentes assassinados no Brasil. Mais que o triplo do número de mortos da mesma faixa etária na guerra da Síria de 2011 a 2014.

Nesta lógica, os responsáveis pela proposta de redução da maioridade invocam Deus, mas acabam servindo a Herodes.

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6 de abril de 2015

E a maioria explorada mais uma vez se fode

Em 02/04, o Estadão publicou conversa interceptada pela Polícia Federal em que aparece a voz de Paulo Roberto Cortez. Ele é um dos envolvidos nas fraudes da Receita apuradas pela Operação Zelotes. Segundo Cortez: “Quem paga imposto é só os coitadinhos. Quem não pode fazer acordo, acerto (...) se fode”.

Em 06/04, Vinicius Mota afirmou na Folha de S. Paulo que “entre março de 2014 e fevereiro de 2015, o setor público brasileiro pagou R$ 344 bilhões de juros aos credores de sua dívida, ou R$ 1 bilhão a cada 25 horas e meia.”

Apesar disso, nenhuma medida do “ajuste fiscal” proposto pelo governo petista pretende diminuir essa farra. Ao contrário, quer garanti-la, aumentando o superávit primário. Nome pomposo dado aos juros da dívida pública, pagos religiosamente todos os anos há três décadas.

Enquanto isso, já estão em plena vigência medidas que retiram direitos previdenciários de milhões de trabalhadores.

O DIEESE avaliou algumas delas. Segundo a entidade, as perdas começam pelo Seguro desemprego. Antes, 26% dos demitidos não tinham direito ao benefício. As atuais regras passam a excluir 64% dos futuros desempregados. Já o abono anual, deixará de ser pago para 41% dos que teriam direito pela regra anterior. E o acesso à pensão por morte ficou mais difícil, mesmo que mais de 57% desses benefícios paguem apenas um salário mínimo.  

Estamos falando de trabalhadores pobres e seus dependentes. Não de sonegadores graúdos. Estes contarão com excelentes advogados e a continuidade da omissão criminosa da fiscalização. À maioria explorada restará aquilo que Cortez descreveu com tanta clareza. Vai se foder mais uma vez.

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Redução da maioridade e moralidade criminosa


Mariano
Qual a diferença entre conduta inadequada e crime? Ou entre direito e moral?

O direito tem caráter coercitivo obrigatório. A moral implica adesão voluntária a valores considerados corretos. Mas não é tão simples.

Por exemplo, furar fila é vergonhoso, mas não há lei que puna este comportamento. A punição é a condenação social que ele atrai.

Mas se você tirar a roupa enquanto aguarda sua vez, estará cometendo ilegalidade, mesmo que tenha respeitado a fila.

Ou seja, há comportamentos considerados tão ofensivos aos costumes que são puníveis juridicamente. Aí, moral e direito se confundem.

É nesta confusão que se chocam valores conservadores e progressistas. E este conflito está mais evidente que nunca no Congresso Nacional.

A chamada bancada conservadora é especialista em considerar meramente morais comportamentos que podem levar a crimes graves. É o caso da recusa em criminalizar a homofobia, ainda que sejamos campeões mundiais em assassinatos de homossexuais.

Mas o inverso também é verdadeiro. Os conservadores querem pura e simplesmente criminalizar condutas que deveriam receber tratamento mais ético que penal. É o caso da redução da maioridade penal.

De qualquer maneira, tudo indica que os valores morais só preocupam a maioria desses parlamentares na medida em que lhes asseguram o apoio das faixas conservadores do eleitorado. Trata-se de cálculo eleitoral, não de preocupações morais.

Na verdade, ética tem pouco a ver com tudo isso. Afinal, dos 43 deputados que aprovaram a redução da maioridade na Comissão de Constituição e Justiça, 25 estão sendo processados pela Justiça.

Voltando à questão inicial: qual a diferença entre conduta e inadequada e crime? Para eles, muito provavelmente nenhuma.

1 de abril de 2015

Contra o impeachment... do SUS

   Raphael
Estamos vivendo um movimento de impeachment do SUS. Junto com a entrada do capital estrangeiro, temos que discutir a recente constitucionalização do subfinanciamento do SUS, com subtração de recursos. E agora a PEC 451 que propõe a obrigatoriedade de empregadores fornecerem planos de saúde. Acho que temos que ter uma agenda mais ampliada, discutir se esse padrão de privatização com essa extensão e com essa velocidade será compatível com a sustentabilidade e a perenidade do SUS. Há gente estudando Atenção Básica, Mais Médicos, etc., mas tem que haver uma discussão do possível início do fim do SUS. 

As palavras acima são de Mario Scheffer, professor de Medicina da USP. Foram ditas no seminário “A Gestão da Saúde no Brasil”, recentemente promovido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva e Fundação Getúlio Vargas.

A denúncia de Sheffer refere-se à forma como a saúde pública vem tendo sua gestão privatizada de uma forma tão inteligente quanto nociva. Não se trata de desestatizar o patrimônio público, mas de disponibilizá-lo para que o setor privado lucre em prejuízo do atendimento digno à população.


Essa situação vem acontecendo desde o governo Fernando Henrique, quando foram aprovadas as Organizações Sociais. Foi reforçada pelo governo Lula com as
Parcerias Público-Privadas. A colaboração de Dilma veio com a abertura do setor ao capital estrangeiro através de uma recente Medida Provisória.

Todas essas medidas são incompatíveis com os direitos incorporados à Constituição de 1988. Sua ilegalidade escandalosa seria suficiente para ter levado ao impeachment tanto governos tucanos como petistas. Mas foi soterrada pelo moralismo conservador que só enxerga a corrupção divulgada pelas páginas dos jornais.


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