Doses maiores

21 de dezembro de 2023

Sobrevivencialismo e bunkerização

O mais recente sucesso da Netflix é “O Mundo Depois de Nós”. Um dos personagens do filme é um “sobrevivencialista”. Ou seja, alguém preparado para sobreviver a catástrofes extremas, o que inclui transformar sua casa em um bunker. Ele é de classe média remediada, mas seus medos são compartilhados com gente com muito mais dinheiro.

É o caso dos multibilionários que há alguns anos se preparam para uma hecatombe decorrente de mudanças climáticas ou guerras generalizadas. É o caso de Mark Zuckerberg, que está construindo um abrigo subterrâneo com fontes de energia próprias, no Havaí.

Mas esse fenômeno não é tão restrito. Na verdade, a “bunkerização” se espalha pela sociedade. O que muda é sua forma e eficácia. Pode ser um enorme porão com alimentos, rádio por satélite e forças armadas particulares. Mas também um condomínio cercado tanto de muros e vigilantes, como de muita pobreza e injustiça. O que torna sua segurança bastante vulnerável, inclusive frente à ação de milícias.

O empreendedorismo popular é outro desses castelos de areia, cuja proteção contra tormentas econômicas é quase nula. Planos de saúde e de previdência complementar iludem com garantias que podem desaparecer graças a qualquer instabilidade empregatícia ou remuneratória.

Tudo isso é produto de décadas de neoliberalismo. Aqui e no mundo, foram sendo abandonadas diversas formas de resistência e proteção coletivas, muito mais eficazes para a defesa não apenas da subsistência, mas da dignidade. Não há sobrevivencialismo que dê jeito. Não é o mundo depois de nós, mas um mundo infernal que uma minoria minúscula e cada vez mais covarde e irresponsável está querendo nos deixar.

Leia também: O medo egoísta de bilionários diante do apocalipse

20 de dezembro de 2023

Botando pra quebrar no trabalho!

O ludismo, como resistência dos trabalhadores nos locais de produção, caracteriza-se pela autonomia, capacidade de escolher seus próprios métodos e melhoria das condições de trabalho. Não enxerga a tecnologia como neutra, mas como um espaço de luta.

Não se trata de uma postura moral individual, mas de uma série de práticas que podem proliferar e crescer através da ação coletiva. O ludismo opõe-se às relações sociais capitalistas, que só podem ser eliminadas através da luta, e não por fatores como reformas do Estado, abundância de bens supérfluos ou uma economia melhor planejada.

Atualmente a população é praticamente unânime: quer desacelerar. Vivemos em tempos pessimistas quanto aos avanços tecnológicos. Há uma espécie de sensibilidade difusa que é antagônica à forma como o capitalismo funciona. Por isso, o ludismo pode se manifestar de formas diferentes, de acordo com o contexto.  

Como disse Marx em uma carta ao socialista holandês Ferdinand Domela Nieuwenhuis: “As antecipações doutrinárias e necessariamente fantasiosas sobre o programa de ação para uma futura revolução só conseguem nos desviar das lutas do presente”.  Em vez disso, o primeiro passo para organizar o descontentamento generalizado em uma política coletiva requer reconhecer e recuperar nossa autoatividade radical. Inclusive, e talvez especialmente, quando se trata de quebrar coisas no trabalho.

Os trechos acima são do livro “Breaking Things at Work”, de Gavin Mueler. Servem como encerramento da série de pílulas sobre esse interessante estudo que tem por objetivo mostrar o potencial revolucionário do ludismo. Em uma futura e necessária tradução para português, fica a sugestão de que seu título seja “Botar pra quebrar no trabalho!”

Leia também: Inteligência artificial e trabalho mal pago

19 de dezembro de 2023

Inteligência artificial e trabalho mal pago

Em seu livro “Breaking Things at Work”, Gavin Mueler cita o crítico de tecnologia Jathan Sadowski para falar sobre inteligência artificial (IA). Segundo ele, muito do que é alardeado como um sistema de máquinas autônomas é na verdade “IA Potemkin”, referindo-se às brutais condições de trabalho dos marinheiros do famoso encouraçado russo.

Afinal, diz Mueller, “serviços que pretendem ser alimentados por software sofisticado, na verdade dependem de pessoas agindo como robôs”. Desde programas de transcrição de áudio que disfarçam os trabalhadores humanos como “software de reconhecimento de fala” até carros “autônomos” controlados remotamente, as façanhas da “inteligência artificial avançada” não apenas mascaram relações trabalhistas como reforçam a percepção de que um dia não seremos mais necessários.

A Samasource, especializada em treinamento de IA, utiliza o trabalho de moradores de favelas do mundo todo como solução barata para as tarefas chatas, repetitivas e intermináveis de alimentar sistemas de aprendizado de máquina. O trabalho mal pago, costuma ser justificado pelo humanitarismo típico do Vale do Silício. Remunerações maiores poderiam inflacionar os custos de habitação e alimentação nas comunidades envolvidas.

Embora a inteligência artificial seja frequentemente comparada à magia, falha regularmente em tarefas simples para pessoas, como reconhecer sinais de trânsito, fundamental para automóveis autônomos. Mas mesmo casos bem-sucedidos de IA exigem enormes quantidades de trabalho humano. Incluindo o dos usuários.

Sempre que você resolve um daqueles quebra-cabeças de identificação por imagem para provar que não é um robô, está ajudando a treinar IA. Seus idealizadores dizem que apenas aproveitam nossos momentos improdutivos. Improdutivos para quem?

Eles acham que somos burros. Temos que parar de dar-lhes razão.

Leia também: A economia política da internete

18 de dezembro de 2023

A economia política da internete

Na década de 1990, a web era um território de amadores e diletantes. As empresas geravam receitas através do fornecimento de acesso à internete. Mas, uma vez nela, o comportamento dos usuários corria livremente em espaços que eram, na sua maioria, não comerciais.

Segundo a terminologia de Marx, este seria um período de subsunção formal das atividades desempenhadas nos ambientes em rede. Nele, reinavam os imperativos capitalistas gerais da troca de mercadorias, mas o comportamento individual dos usuários não estava sob controle. Seria o equivalente dos galpões, do início do capitalismo, em que um patrão reunia os trabalhadores, mas estes utilizavam as ferramentas e máquinas seguindo seu próprio ritmo.

Isso mudaria com o parcelamento do trabalho em várias pequenas fases, transferindo o controle do ritmo de trabalho ao empregador. A esse processo Marx chamou de subsunção real do trabalho ao capital. Fenômeno que se aprofundaria com a introdução da linha de montagem.

Essa mudança também corresponde à transição da extração da mais-valia absoluta, baseada na extensão das horas de trabalho, para a extração da mais-valia relativa, em que a intensidade do trabalho aumenta mais que sua duração.

No mundo cibernético, isso se traduziu na transição do tempo gasto na utilização dos dados para o tempo despendido na produção deles. Já não se trata apenas de trocas velozes de informações e publicidade, mas de produção intensiva de likes e compartilhamentos. Estes, por sua vez, geram informações estratégicas valiosas a serem negociadas com gigantescos atacadistas de mercadorias e serviços.

Essas interessantes pistas sobre a economia política da internete estão no livro “Breaking Things at Work”, de Gavin Mueler.

Leia também: Os latifúndios digitais e a dark web

15 de dezembro de 2023

O planeta rumo à eliminação de algumas de suas pragas

A 28ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28) acabou há poucos dias. Aconteceu nos Emirados Árabes. Sob a presidência de um sultão, o país tem a sexta maior reserva de petróleo do mundo.

Um detalhe importante é que a maior representação do agronegócio veio do Brasil. Eles eram 10% dos membros de grandes indústrias mundiais do setor presentes. Todos juntos e misturados na grande delegação liderada pelo presidente Lula.

A próxima edição deve ocorrer no Azerbaijão, que, apesar de não ser governado por um sultão, tem um terço de sua economia ligado aos combustíveis fósseis.

Já a COP30, em 2025, será em Belém, na Amazônia. Seria bom lembrar que, em agosto passado, a capital paraense foi sede da Cúpula da Amazônia, que reuniu oito países da região. Do encontro resultou a chamada “Declaração de Belém”. Mas o documento não fixou metas ou prazos para a conservação florestal. A necessidade de zerar o desmatamento foi mencionada apenas como "um ideal a ser alcançado".

O texto também evitou estabelecer um compromisso de pôr fim à exploração dos combustíveis fósseis na Amazônia. A única autoridade a protestar contra isso foi o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que não se deixou influenciar pelo próprio sobrenome.

O fato é que apesar da heroica resistência dos movimentos populares, essas conferências vão cada vez mais se tornando um ponto de encontro de poderosos produtores de sujeira ambiental de todo tipo.

Enquanto isso, o planeta arde como uma febre que antecede o agravamento da doença que pode expelir algumas pragas de seu organismo. Adivinhem quem está entre essas pragas?

Leia também: O capitalismo verde e os latifundiários dos ventos

14 de dezembro de 2023

Os latifúndios digitais e a dark web

Internete e web não são a mesma coisa. A internete nasceu descentralizada e livre. A web a centralizou e submeteu aos interesses das grandes empresas de comunicações, publicidade e entretenimento.

Em seu livro “Breaking Things at Work”, Gavin Mueler cita o ativista Tim O’Reilly. Ele foi um dos defensores da criação de programas de código aberto para lutar contra o controle monopolista da internete. Mas o capital inverteu o jogo. Criou o que o próprio O’Reilly chamou de Web 2.0.

Um exemplo claro dessa inovação é a Google. Em vez de oferecer software para os usuários instalarem em seus computadores, a Google fornece serviços remotos utilizando softwares que rodam em seus próprios servidores. São sistemas operacionais de código aberto, mas sob estrito controle da empresa, isolados naquilo que ficou conhecido como “nuvem”.

Desta forma, diz Mueller, a Google pode atuar como intermediário entre nós e nossa experiência online, ao mesmo tempo que coleta nossos dados.

O que aconteceu na prática é que Google, Facebook e similares tornaram-se verdadeiros latifúndios digitais que dizimaram milhões de pequenos serviços da rede mundial e dividiram entre si quase a totalidade do mercado.

Uma resposta a essa situação, afirma o autor, seria a criação da chamada dark web. Um ambiente que foge ao rastreio e à captura de dados da rede dominada pelos monopólios. O problema é que esse espaço clandestino também serve a práticas criminosas e ilícitas. E mesmo quando se trata de atividades legais, prevalece a lógica da troca capitalista de mercadorias.

Criar uma verdadeira resposta ludita anticapitalista a essa situação continua a ser um desafio.

Leia também: O ludismo do software livre

13 de dezembro de 2023

O ludismo do software livre

Gavin Mueller afirma que em vez de destruir máquinas, os hackers as adotaram. Portanto, diz ele em seu livro “Breaking Things at Work”, deveriam ser um dos movimentos menos ludistas do planeta.

Mas, em 1976, sob pressão da indústria de software, a suprema corte estadunidense decidiu que os códigos-fonte de programação estavam sujeitos aos direitos autorais. Em inglês, “copyright”. De repente, copiar era crime.

Compartilhar e copiar códigos tornou-se uma prática essencial na nascente cultura hacker e promoveu uma pedagogia da autonomia e da criatividade. Um dos primeiros e mais influentes exemplos desse tipo de organização foi o movimento do software livre, liderado pelo programador independente Richard Stallman.

Em 1988, Stallman formulou um conjunto de licenças alternativas de software projetado para proteger o compartilhamento aberto do código-fonte. Fazendo um trocadilho, chamou essas licenças de “copyleft”, cuja tradução pode ser tanto “permitida a cópia”, como “cópia de esquerda”.

O software livre é um exemplo de tecnologia ludita, diz Mueller. Uma inovação que procura preservar a autonomia dos trabalhadores contra a imposição de controle sobre o processo de trabalho pelos capitalistas.

No entanto, ressalva o autor, a cultura hacker é frequentemente impregnada de elitismo, efeito colateral infeliz, frequentemente encontrado em culturas artesanais que acabam se tornando meritocráticas. Poucos usuários têm conhecimento técnico para usar suas ferramentas complexas. Menos ainda têm os meios materiais para resistir às reviravoltas cibernéticas promovidas pela indústria da informática.

Uma delas foi a estrutura web. Criada para facilitar o acesso à rede mundial, logo tornou-se instrumento de criação de latifúndios digitais como Microsoft, Facebook, Google etc. Este será o tema da próxima pílula.

Leia também: Na era cibernética, quebrar máquinas “faz muuuito bem!”

12 de dezembro de 2023

Na era cibernética, quebrar máquinas “faz muuuito bem!”

Em seu livro “Breaking Things at Work”, Gavin Mueller afirma que a informatização, mais que uma ferramenta de gestão, transformou os escritórios em um ambiente de vigilância total, levando os trabalhadores “de colarinho branco” a internalizar os ditames do poder.

No entanto, diz ele, nada disso impediu que a resistência dos trabalhadores administrativos assumisse um caráter subversivo centrado, principalmente, na sabotagem às ferramentas eletrônicas.

Com esse espírito surgiu uma revista alternativa chamada “Processed World”, publicada nos Estados Unidos em 1981. Seu foco eram os absurdos dos trabalhos gerenciais que começavam a ser automatizados.

Ficou famoso um artigo publicado na revista intitulado “Sabotagem: o videogame definitivo”. Assinado por uma funcionária cujo pseudônimo era “Gidget Digit”, o texto exaltava as virtudes da quebra das máquinas.

“O desejo de sabotar o ambiente de trabalho”, afirma ela, “é provavelmente tão antigo quanto o próprio trabalho assalariado. Talvez mais antigo”. Digit liga este desejo antigo ao novo aparato tecnológico dos escritórios e seus dispositivos, como terminais de computador e máquinas de fax: “Projetados para controle e vigilância, eles muitas vezes aparecem como a fonte imediata de nossa frustração. Danificá-los é uma forma rápida de desabafar a raiva ou de ganhar alguns minutos extras de valioso descanso”.

Um leitor concordou, escrevendo o seguinte comentário para a revista: “Deixarei para os teóricos discutirem sobre as nuances dialéticas da sabotagem. Basicamente, há uma razão esmagadora para fazer isso: faz você se sentir muuuito bem!”.

Esse “prazer” muito específico, nascido da disciplina sorrateira imposta pela cibernética aos escritórios, pode ter levado muitos trabalhadores administrativos a se tornarem hackers. São os ludistas da era digital.

Leia também: As primeiras formas de ludismo digital

11 de dezembro de 2023

O capitalismo verde e os latifundiários dos ventos

Em 02/12/2023, o presidente da COP28 anunciou várias promessas para investimentos em energia renovável. A principal delas pretende triplicar a capacidade instalada global desse tipo de recurso até 2030. Mas, como no mundo dominado pelo capitalismo sempre tem um “mas”, a eliminação de novos investimentos em combustíveis fósseis ficou fora do texto.

O filósofo e escritor Airton Krenak costuma dizer que não adianta nada adotar fontes renováveis de energia se elas não substituírem recursos energéticos mais sujos, como petróleo, carvão e gás.

Fontes sustentáveis de energia não anulam os estragos sociais e ambientais. Apenas diminuem seu impacto. Enquanto não tomarem o lugar das fontes mais poluentes, acrescentarão novos problemas aos antigos. Além disso, é preciso considerar o caráter monopolista que assume a quase totalidade dos empreendimentos capitalistas na atualidade.

Vejamos o exemplo da energia eólica. Segundo um artigo publicado pelo portal ClimaInfo, empresas desse setor controlam pelo menos 262 mil hectares no Rio Grande do Norte, atualmente. Isso representa 5% da área do estado ou quase duas vezes o tamanho da capital paulistana. Metade disso está sob controle de 27 empresas sediadas aqui e a outra metade, com 19 companhias estrangeiras. “São os latifundiários dos ventos”, diz o texto.

Enquanto isso, os pequenos proprietários que arrendaram suas terras para as instalações eólicas viram seus rendimentos despencarem. Até porque estão impedidos por cláusulas contratuais de cultivar ou criar animais para não interferir na captação do vento.

Este é só um exemplo a mostrar como o verde das energias alternativas capitalistas restringe-se à cor do dinheiro que geram, tornando sustentáveis apenas os enormes lucros de uma minoria exploradora.

Leia também: Capitalismo, arqueologia, mandantes e executores

8 de dezembro de 2023

O lulismo e a dieta do caranguejo

O governo Lula segue envolvido com acordos no Congresso, nomeações no STF, negociações com empresários, militares, latifundiários, governadores. Em meio a todos eles, muitos golpistas. Já as negociações, incluem negociatas de todo tipo e tamanho.

Quando surgiu como grande liderança sindical, nos anos 1970, Lula havia sido eleito presidente do sindicato do ABC com a bênção de pelegos da ditadura. Eles pretendiam transformar a jovem e talentosa liderança em seu fantoche. Não deu certo. Lula acabou comandando uma greve que abalou o governo dos militares, mas também lhe valeu uma temporada na cadeia.

Diferente de vários setores de esquerda, Lula representa as forças que optaram por tensionar a ampliação dos limites da democracia brasileira sem rompê-los. Isso inclui disputar eleições pra valer e não como tática para um possível levante popular ou revolução.

À frente do PT, perdeu todas as eleições presidenciais pau-a-pau com os favoritos do grande capital até ser eleito. Mas, tal como na convivência com os pelegos, assimilou vários setores da burguesia em suas coalizões governamentais.

Lula não desistiu da traiçoeira democracia nacional nem mesmo quando ela o colocou na prisão. Nunca o perdoaram pela insistência em tentar alargar a acanhada democracia brasileira. Hoje, defende um grande acordo nacional que inclui vários de seus carcereiros.

O projeto lulista tenta abrir caminhos por dentro dos intestinos da democracia brasileira. O perigo é acabar como aqueles caranguejos que se alimentam das entranhas de animais mortos. Pode até saciar, mas um cadáver é sempre um cadáver. E quando se trata de uma democracia tão moribunda como mortal, é grande o risco de agonizar dentro com ela.

Leia também: Não há cheque em branco nenhum para Lula

7 de dezembro de 2023

A estupidez do sionismo de esquerda

Tony Cliff era o pseudônimo de Ygal Gluckestein (1917-2000). Nascido na Palestina, tornou-se conhecido como um militante revolucionário na Inglaterra. Apesar de judeu, era antissionista, não aceitando a concepção que atribui ao povo judeu a “missão sagrada” de tomar a Palestina de seus povos originários.

O relato abaixo é de sua autobiografia, “A World to Win”. Mostra bem o que significa ser sionista de esquerda.

Em fevereiro de 1934, em Viena, os trabalhadores fizeram um grande levante contra o fascismo. Embora os trabalhadores tenham sido derrotados, Viena tornou-se um marco que inspirou todo o movimento internacional da classe trabalhadora. No ano anterior, em 1933, o movimento dos trabalhadores alemães – o mais forte e mais bem organizado do mundo – tinha capitulado perante os nazistas sem praticamente nenhuma luta. Em todo o mundo, lembro-me, socialistas, comunistas e antifascistas repetiam o slogan “Mais Viena do que Berlim”. Naqueles dias, participei de uma reunião organizada pelo partido socialdemocrata sionista, em Haifa. O secretário do conselho sindical da cidade começou seu discurso, dizendo: “Apenas uma vez na história houve tal heroísmo: a Comuna de Paris”. Concluiu afirmando: “Precisamos da unidade dos trabalhadores”. Quando ele terminou, interrompi e acrescentei uma palavra: “internacional”. Ou seja, precisamos da “unidade internacional dos trabalhadores”. Se eu tivesse gritado “Viva a classe trabalhadora britânica” ou “Viva a classe trabalhadora chinesa”, ninguém teria se importado. Mas na Palestina, minhas palavras significaram unidade com os árabes. Três comissários se aproximaram de mim. Dois seguraram meus braços, enquanto o terceiro torceu um de meus dedos até quebrá-lo. Comuna de Paris tudo bem, mas trabalhadores árabes, de jeito nenhum.

Leia também: Malcolm X pergunta pelo messias do sionismo

6 de dezembro de 2023

As primeiras formas de ludismo digital

Em outubro de 1969, reunido com representantes da indústria armamentista, o General William Westmoreland revelou a existência de um projeto secreto do Pentágono: no campo de batalha do futuro, as forças inimigas seriam localizadas, rastreadas e alvejadas quase instantaneamente através da utilização de links de dados, avaliação de inteligência assistida por computador e controle automatizado de tiros.

Foi mais um elemento a contribuir para acirrar os ânimos na mobilização contra a Guerra do Vietnã nos Estados Unidos. Um movimento presente no próprio exército estadunidense, com os soldados organizando protestos, recusando-se a lutar e sabotando equipamentos, claro.

Outro estopim foi a repressão da Guarda Nacional contra manifestantes pacifistas no estado de Kent, em 4 de maio de 1970. Quatro mortes e dezenas de feridos geraram grandes revoltas em várias universidades estadunidenses. E os computadores tornaram-se um alvo frequente.

Em 7 de maio daquele ano, estudantes ocuparam por algumas horas o centro de informática da Universidade de Syracuse. Logo depois, após uma semana de protestos, ativistas tomaram conta de um laboratório de informática na Universidade de Wisconsin, destruindo o computador central.

Na Universidade de Nova Iorque, cerca de 150 manifestantes invadiram e ocuparam o laboratório de informática. Eles abandonaram a ocupação dois dias depois, deixando napalm no computador central conectado a um fusível de queima lenta. Dois professores conseguiram desativar o fusível antes que os explosivos detonassem. Mas na Universidade de Stanford, o centro de computação foi incendiado.

Os relatos acima estão no livro “Breaking Things at Work”, de Gavin Mueller. Mostram as formas iniciais do ludismo digital como resistência à exploração e dominação capitalista.

Leia também: Automação e superexploração do trabalho feminino

5 de dezembro de 2023

Automação e superexploração do trabalho feminino

Um dos temas do livro “Breaking Things at Work”, de Gavin Mueller, é a automação do trabalho, que mostra de modo inegável como a tecnologia é utilizada pelo capital para aumentar a exploração dos trabalhadores.

Em muitos casos, diz Mueller, a automação eliminou e precarizou empregos tradicionalmente ocupados por mulheres. É o caso das telefonistas. Integrantes de um setor quase inteiramente feminino, elas lutaram durante décadas contra condições de trabalho cada vez mais mecanizadas, que concentravam cada vez mais o trabalho nas mesas telefônicas para cada vez menos operadoras, ao mesmo tempo em que eliminavam o tempo de inatividade.

Mas esse tipo de inovação, diz o autor, também teve impacto no trabalho não remunerado das donas de casa. As promessas eram de que a tecnologia aliviaria as tarefas delas e aumentaria seu tempo de lazer. Mas a racionalização do trabalho rapidamente se transformou na racionalização da esfera doméstica.

Uma vez que o trabalho doméstico é uma relação de poder patriarcal, a tecnologia capitalista jamais libertou as mulheres de seus pesados, cansativos e repetitivos afazeres. Ao contrário, seu tempo acabou por ser preenchido com mais trabalho doméstico.

Inovações como o fogão a gás e o moedor de farinha libertaram os homens do corte de lenha e da moagem de grãos, permitindo-lhes mais tempo para trabalhar fora de casa. Mas deixaram para trás mulheres mais sobrecarregadas pelo trabalho doméstico.

A introdução da máquina de lavar substituiu a dependência de lavadeiras profissionais. Ocupações remuneradas trocadas pelo trabalho gratuito das donas de casa.

Em todos esses casos, a tecnologia capitalista intensificou ainda mais a exploração do já super-explorado trabalho feminino.

Leia também: A autossabotagem soviética

4 de dezembro de 2023

Malcolm X pergunta pelo messias do sionismo

Em 1964, Malcolm X escreveu um artigo de apoio irrestrito ao povo palestino contra a invasão israelense a seu território. O texto começa pelo seguinte raciocínio:

Se os sionistas israelenses acreditam que sua atual ocupação da Palestina árabe é o cumprimento das previsões feitas por seus profetas judeus, então eles também acreditam religiosamente que Israel deve cumprir sua missão “divina” de governar todas as outras nações com um cetro de ferro, o que significa apenas uma forma diferente de
governo de ferro, ainda mais firmemente entrincheirado do que o das antigas potências coloniais europeias.

Após denunciar o sionismo como representante dos interesses imperialistas, não só no Oriente Médio, mas também na África, ele termina perguntando:

Os sionistas tinham o direito legal ou moral de invadir a Palestina árabe, arrancar os cidadãos árabes de suas casas e tomar para si todas as propriedades árabes apenas com base na alegação “religiosa” de que seus antepassados viveram lá há milhares de anos? Há apenas mil anos, os mouros viviam na Espanha. Será que isso daria aos mouros de hoje o direito legal e moral de invadir a Península Ibérica, expulsar seus cidadãos espanhóis e depois criar uma nova nação marroquina onde a Espanha costumava estar, como os sionistas europeus fizeram com nossos irmãos e irmãs árabes na Palestina?

Em resumo, o argumento sionista para justificar a atual ocupação da Palestina árabe por Israel não tem qualquer base lógica ou legal na história, nem mesmo em sua própria religião. Onde está o Messias deles?

Onde está o messias do sionismo? Há poucos dias, morreu um excelente candidato ao posto.

Leia também: Kissinger: que o inferno lhe seja pesado

1 de dezembro de 2023

Kissinger: que o inferno lhe seja pesado

“Henry Kissinger, criminoso de guerra amado pela classe dominante dos Estados Unidos, finalmente morre”. Esta é a manchete da revista Rolling Stone dedicada àquele que a publicação considera um dos “piores assassinos em massa da história”.

Já a matéria de Nick Turse para “The Intecept”  traz o seguinte obituário: 

Kissinger ajudou a prolongar a Guerra do Vietnã e a expandir o conflito para o Camboja; contribuiu para genocídios cometidos no Timor Leste, Camboja e Bangladesh; estimulou guerras civis no sul da África; e apoiou golpes de estado e esquadrões da morte em toda a América Latina. Ele tinha o sangue de pelo menos 3 milhões de pessoas em suas mãos.

Mas detalhemos alguns desses episódios:

Em 1969, os Estados Unidos lançaram mais de 540 mil toneladas de bombas no Camboja em uma operação articulada por Kissinger e Nixon. A guerra que se seguiu matou de 275 mil a 310 mil pessoas.

Em 1970, essa mesma dupla apoiou ação do governo militar do Paquistão Ocidental contra Bangladesh, que deixou entre 300 mil e 500 mil mortos.

Em 1973, Kissinger apoiou o golpe de Pinochet, que matou cerca de 3 mil e forçou ao exílio, 200 mil.

Em 1975, como secretário de Gerald Ford, deu luz verde para que o ditador indonésio Suharto invadisse o Timor-Leste, provocando uma guerra que deixou 200 mil mortos.

Em 1976, apoiou o golpe militar na Argentina, que levou à morte ou desaparecimento de 30 mil pessoas.

Ou seja, os povos do mundo só têm a comemorar e esperam que Kissinger desfrute de uma eternidade das mais
cruéis no inferno.

Leia também: A crise grega é política

A autossabotagem soviética

Na Rússia do início do século passado, a equivocada fé nos poderes da ciência e da tecnologia era compartilhada inclusive pelos bolcheviques, diz Gavin Mueller, em seu livro “Breaking Things at Work”.

Importante integrante da vanguarda revolucionária e marxista respeitado, Nikolai Bukharin escreveu que o “modo histórico de produção (...) é determinado pelo desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, pelo desenvolvimento da tecnologia”. O problema é que Marx jamais reduziu o conceito de forças produtivas à tecnologia.

Já Lênin, ansioso por aumentar a produtividade na nascente União Soviética, defendia combinar o poder soviético com conquistas do capitalismo como o taylorismo. Em oposição a ele, Alexandre Bogdanov, outra grande liderança bolchevique, acreditava que o taylorismo minaria os objetivos da revolução, forçando os trabalhadores a tarefas repetitivas que causariam a atrofia de suas capacidades críticas e criativas.

Para Stalin, desenvolvimento industrial era sinônimo de socialismo. Outra simplificação grosseira do marxismo, mas que acabou se tornando política de estado, gerando desdobramentos desastrosos como a ideologia stakhanovista, de produção a qualquer custo. Não faltaram protestos, resistência e sabotagens dos trabalhadores alegando que os ideais da Revolução Bolchevique, como a limitação da jornada de trabalho e condições dignas de produção, seriam minados pela devoção fanática ao trabalho.

A adoção de técnicas, métodos e tecnologias capitalistas beneficiaram a economia soviética por algum tempo. Mas foi incapaz de enfrentar a concorrência imposta pela exploração desenfreada promovida pelo capitalismo de mercado.

O regime stalinista chamava a resistência dos trabalhadores nas fábricas de sabotagem contrarrevolucionária. Mas, ao mimetizar a produção capitalista,  o modelo produtivo soviético foi o maior responsável por seu próprio fracasso.

Leia também: A sabotagem como economia política dos trabalhadores

29 de novembro de 2023

A sabotagem como economia política dos trabalhadores

A guerra de guerrilhas desperta a coragem dos indivíduos, desenvolve sua iniciativa, ousadia, determinação e audácia. A sabotagem é para as lutas sociais aquilo que as guerrilhas são para as guerras nacionais. Se conseguir apenas despertar uma parte dos trabalhadores de sua letargia, já se justifica como tática. Mas pode fazer mais. Pode manter os trabalhadores conscientes e os levar a lutar contra os patrões. Isso trará mais ânimo àquela minoria militante que carrega a maior parte do peso das lutas.

As palavras acima são de Walker C. Smith, dirigente da organização sindical estadunidense Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW, na sigla em inglês). Ele as escreveu em 1913, no livro “Sabotagem: sua história, filosofia e função”, sem tradução para o português.

O trecho foi citado por Gavin Mueller, em seu livro “Breaking Things at Work”, sobre as práticas de resistência dos trabalhadores à tecnologia capitalista ao longo da história.

Outra militante da IWW citada por Mueller é Elizabeth Gurley Flynn, que no livro “Sabotage”, de 1916, define
esse tipo de resistência como qualquer esforço dos trabalhadores “para limitar sua produção proporcionalmente a sua remuneração”.

A análise de Elizabeth sobre 
a sabotagem foi eminentemente marxista, afirma Mueller. Em vez de ditar a estratégia de cima para baixo, ela defende que é preciso observar o que os trabalhadores estão fazendo, tentando compreender porque é que o fazem. “Não diga a eles se está certo ou errado, mas analise as condições que os levaram a agir como agiram”, disse ela.

Ou seja, sabotagem é a economia política como ferramenta forjada pelos próprios trabalhadores na luta contra sua exploração.

Leia também: O ludismo quebrando as armas do inimigo

28 de novembro de 2023

O ludismo quebrando as armas do inimigo

Em seu livro “Breaking Things at Work”, Gavin Mueller afirma que o próprio Marx chegou a ressaltar a hostilidade dos trabalhadores em relação aos moinhos de água e de vento, desde pelo menos a década de 1630.

Mas Mueller diz que foi o historiador marxista Edward Thompson que melhor abordou as ações de destruição de máquinas promovidas pelos trabalhadores na Inglaterra do século 19. Ele soube compreender aquele que ficou conhecido como movimento ludita a partir de sua situação específica, e não como um mero obstáculo no caminho do progresso.

Quebrar máquinas foi apenas uma das táticas que os luditas utilizaram na estratégia mais ampla que buscava aumentar o poder dos trabalhadores e forjar uma luta comunitária e compartilhada.

A revolta dos luditas não era contra as máquinas em si, mas contra a sociedade industrial que fez da tecnologia uma arma para destruir os tradicionais modos de vida e a resistência dos trabalhadores.

“Dizer que eles se equivocavam ao lutar contra as máquinas é como dizer que um boxeador pode enfrentar seu adversário sem levar em conta seus punhos”, diz o autor.

Os luditas souberam ver que a toda tecnologia é política devendo, em muitos casos, ser combatida. Uma percepção que permeou todos os tipos de movimentos militantes, inclusive, os fora da Europa.

Afinal, nas rebeliões de povos indígenas e escravizados do Novo Mundo os ataques à tecnologia produtiva também podem ser entendidos como parte da história do ludismo, porque o ludismo é essencialmente anticapitalista.

Condenar ou desprezar esse tipo de resistência é como querer se defender de tiros, ignorando as armas que os disparam.

Leia também: Quebrando as coisas no trabalho

27 de novembro de 2023

Quebrando as coisas no trabalho

Lançado em 2021, e ainda sem tradução do inglês, o livro “Breaking Things at Work” pode ter seu título traduzido como “Quebrando as coisas no trabalho”. Nele seu autor, Gavin Mueller, faz um exaustivo estudo sobre a resistência dos trabalhadores às inovações tecnológicas que lhes são prejudiciais, no espírito do que ficou conhecido como ludismo.

Trata-se de um movimento de resistência operária surgido na Inglaterra do século 19, promovendo a destruição de máquinas fabris. Mas segundo Mueller, o livro não é apenas sobre os luditas. Mais do que isso, ele afirma estar "interessado na política por trás do movimento. Política que assumiu uma postura militante em relação à reorganização tecnológica do trabalho empreendida pelos primeiros capitalistas”.

O objetivo do autor é “escavar” uma linha de pensamento dentro da teoria marxista, "voltando ao próprio Marx, para demonstrar que o ludismo é intelectualmente compatível com o marxismo”.

Para Mueller, "ser um bom marxista é também ser um ludita. Embora eu queira transformar os marxistas em luditas, também tenho outro objetivo: quero transformar as pessoas que criticam a tecnologia em marxistas”. Ainda segundo ele, o maior problema da tecnologia é “seu papel na reprodução de hierarquias e injustiças impostas à maioria de nós por proprietários de empresas, chefes e governos”.

A luta anticapitalista, conclui o autor, terá necessariamente as atuais máquinas como alvo, e sua obra pretende documentar os momentos em que isso já aconteceu. Dos primeiros teares mecanizados à automação dos processos de produção. Das sabotagens em linhas de montagem às ações de hackers contra as big techs.

Continuaremos a comentar esse interessante livro nas próximas pílulas.

Leia também: O movimento negro na resistência à automação produtiva

24 de novembro de 2023

A sociedade do espetáculo é capitalismo atualizado

O livro “Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, foi lançado em 1967. Mas, desde então, vem sendo cada vez mais atualizado pelo capitalismo. Vejamos alguns de seus trechos:

As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo-mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo.

(...)

No mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso.

Não são afirmações perfeitas para o caos cognitivo que estamos vivendo, alimentado por mentiras e distorções?

Há quem ache que Debord estava se referindo a uma espécie de pós-capitalismo, em que tudo é relativo e desmaterializado. Não é verdade. Vários momentos do texto deixam isso muito claro. Por exemplo, ao dizer que o espetáculo:

...não é um complemento ao mundo real, um adereço decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e no seu corolário - o consumo.

A sociedade do espetáculo é o reino da mediação pela imagem como “corolário” da produção capitalista, não como ruptura com ela ou sua negação. A falsidade capitalista continua produzindo uma realidade de enorme sofrimento.

Leia também: As fake news e a realidade grávida

23 de novembro de 2023

Riqueza, pobreza e tragédia social no Brasil

Os 5% mais ricos da população se apropriam de metade do crescimento econômico do país, enquanto os 50% mais pobres vivem com menos de R$ 30 por dia. Metade dos brasileiros ganha menos de R$ 1.200 na média mensal.

Sem os 10% mais ricos, o Brasil seria um país igualitário. A desigualdade brasileira está concentrada no topo. A maior parte dos não-pobres é parecida com os pobres e fica entrando e saindo da pobreza. Já o grupo dos mais ricos é muito heterogêneo, com grandes variações de renda.

As desigualdades de gênero, raça e renda estão intimamente ligadas. Tratar a discriminação de negros e mulheres no mercado de trabalho a partir da noção de política identitária é um equívoco.

As afirmações acima são do sociólogo e economista Marcelo Medeiros, autor do livro recém-lançado “Os Ricos e os Pobres: o Brasil e a desigualdade“. Foram retiradas de várias entrevistas feitas com ele, que estão disponíveis na internete. São, por si só, muito esclarecedoras. E assustadoras, também.

É o caso da seguinte informação: “Para uma pessoa entrar para o grupo dos 10% mais ricos, basta receber R$ 3.800 reais mensais, trabalhando com carteira assinada”. Ou seja, muitos bancários ou professores podem pertencer ao mesmo grupo de renda de Paulo Lemann ou Abílio Diniz.

A questão é como combater uma concentração de renda tão grande. O autor considera muito difícil. E é preciso concordar com ele. Afinal, esse problema existe há muito tempo, sem maiores consequências, a não ser normalização da barbárie para a imensa maioria pobre. É a grande igualdade na tragédia sob uma enorme desigualdade no topo.

Leia também: Ajuda-nos a te ajudar

22 de novembro de 2023

A eleição de Milei e o efeito Orloff

Em um comercial dos anos 80, um homem se assusta ao se deparar com sua própria imagem num bar. “Eu sou você amanhã”, diz a réplica. “Para evitar ressaca amanhã. Exija vodca Orloff, hoje”, recomenda.

Foi assim que surgiu a expressão “efeito Orloff”, sinônimo de coisas ruins que poderiam acontecer em breve. Muita gente, por exemplo, achava que a crise econômica argentina se repetiria aqui e nossos vizinhos diriam: “Eu sou você amanhã”.

A eleição de Javier Milei poderia servir de pretexto para usarmos aquela expressão de modo inverso: “Nós somos vocês, ontem”.

Mas os argentinos também têm um slogan que lembra um ontem que os levou à ressaca de hoje. Trata-se de “Que se vayan todos!”, palavra-de-ordem surgida nas grandes manifestações ocorridas no começo do século em grandes cidades argentinas. Era o grito de guerra do movimento piqueteiro, que, naquele momento, se insurgia contra uma grave situação de desemprego, recessão, pobreza, salários baixos, causada pelo governo neoliberal de Carlos Menem.

O lema pode ser traduzido como “Fora todos!”, referindo-se aos políticos em geral, incluindo, os peronistas. Afinal, Menem era um deles.

O movimento colocou para fora dois presidentes antes de os governos Krischner se estabilizarem no poder. Vinte anos depois, porém, a extrema-direita se apropriou do sentimento de revolta contra o sistema para eleger um inimigo das causas populares.

É o sistema de dominação utilizando válvulas de escape para se manter funcionando. Quando governos moderados de esquerda frustram, o fascismo e assemelhados são acionados.

Lá em cima, eles continuam bebendo do bom e do melhor. Cá embaixo, ficamos com a pior das ressacas, sem beber.

Leia também: Fake news e a doença terminal do capitalismo

14 de novembro de 2023

O movimento negro na resistência à automação produtiva

Em um discurso feito em 1961 à maior central sindical estadunidense, Martin Luther King declarou: “O trabalho enfrenta hoje uma grave crise. Nos próximos dez a vinte anos, a automação transformará empregos em pó, à medida que reduz volumes inacreditáveis de produção”. King considerava que a automação era uma arma a ser usada contra o trabalho organizado: Inovações feitas “sob encomenda para aqueles que procuram levar o trabalho à impotência, atacando-o violentamente todos os seus pontos frágeis”.

Malcolm X, pelo contrário, argumentava que a ameaça da automatação justificava uma estratégia separatista. “Na melhor das hipóteses, os negros podem esperar das propostas de integração um ingresso nos níveis mais baixos de uma classe trabalhadora já privada de seus direitos pela automação”.

Enquanto isso, no Partido dos Panteras Negras, Eldridge Cleaver considerava que grande parte dos trabalhadores negros havia sido empurrada para a condição de lumpemproletariado “pelas máquinas, pela automação e pela cibernética”, representando “uma verdadeira contradição no interior do proletariado”.

Em 1972, os Panteras Negras atualizaram o último ponto de seu Programa de Dez Pontos, acrescentando o “controle comunitário das modernas tecnologias” às exigências de “terra, pão, habitação, educação, vestuário, justiça e paz”.

As informações acima estão no livro “Breaking Things at Work: The Luddites Are Right About: Why You Hate Your Job”, de Gavin Mueller. Em português, o título seria “Quebrando as coisas no trabalho: os luditas estão certos sobre por que você odeia seu trabalho”. Trata-se de um exaustivo estudo sobre a resistência dos trabalhadores às inovações tecnológicas que lhes são prejudiciais, incluindo sabotagem e destruição de maquinários.

Voltaremos a ele, em breve.

Leia também: Ludismo e capitalismo de plataforma

13 de novembro de 2023

A esquerda e sua fatal dependência das redes

“Sem nenhuma explicação, o YouTube excluiu nesta segunda-feira (30/10) o canal do Brasil de Fato RS e seu podcast De Fato”, diz uma nota do site do Brasil de Fato. “No final da tarde, a redação recebeu uma mensagem breve informando que a plataforma havia encontrado ‘violações graves ou repetidas de nossa política de spam, práticas enganosas e golpes. Por isso, removemos seu canal do YouTube’”, complementa a nota.

Felizmente, o canal já foi restabelecido. Mas que nos sirva de advertência. Há uns 10 anos, jamais imaginaríamos algo assim. Não havia a menor possibilidade de que qualquer um dos nossos veículos populares de esquerda viesse a integrar a grade de programação de uma Globo ou SBT.

Uma de nossas principais lutas sempre foi pela democratização dos meios de comunicação e o combate a seus monopólios. Só que eles continuam por aí, fazendo os estragos de sempre. E não apenas paramos de avançar nessa frente de combate, como nos deixamos enredar pelas redes virtuais controladas por monopólios ainda mais poderosos. Inicialmente, alimentamos a ilusão de que se tratava de um meio mais permeável a nossa militância. Mas fomos nós que nos tornamos ainda mais vulneráveis aos caprichos e desmandos desses gigantes da mídia cibernética.

Os grandes grupos tradicionais de comunicação ainda podem ter seus poderes questionados na condição de concessão pública. Youtube, Facebook, Google e assemelhados, nem isso. Foram se impondo ou comprando cumplicidade pelo alto e, com nossa ajuda, minando nossa resistência por baixo. Criaram um meio perfeito para o crescimento da extrema-direita e para nós, um ambiente muito tóxico, quase fatal.

Leia também: Da contracultura psicodélica às big techs neoliberais

10 de novembro de 2023

Elis, Lennon e a inteligência espírita

No início de novembro, foi lançada a mais recente música dos Beatles. Com ajuda da inteligência artificial, John Lennon participou da gravação, 43 anos após sua morte. Pouco tempo atrás, Elis Regina estrelou um anúncio publicitário. A greve dos atores de Hollywood terminou recentemente com um acordo que inclui proteção contra manipulações tecnológicas das imagens dos artistas após sua morte.

Nas décadas finais do século passado, uma família de espíritas fazia sucesso na TV. Um de seus membros recebia espíritos de artistas como Monet, Rembrandt e Picasso, pintando quadros fiéis ao estilo de cada um deles.

Esses pintores passaram por várias fases de criação, durante suas vidas. Mas suas manifestações pós-morte permaneciam presas ao modo de pintar que haviam desenvolvido até o momento em que morreram. Afinal, ainda que fossem indivíduos geniais, sua arte era resultado do contexto social e histórico em que viviam. Das interações com fatos e pessoas que eram seus contemporâneos. Experiências que já não estavam a seu alcance no além-vida.

Pois bem, muito pouco da genial criatividade de Lennon e Elis ou do talento dos trabalhadores da indústria audiovisual permanece viva em suas respectivas ressurreições tecnológicas. A inteligência artificial não passa da mais nova encarnação da velha apropriação capitalista do trabalho vivo para transformá-lo em trabalho morto. Trata-se de sepultar a criatividade que resulta das relações humanas em ataúdes tecnológicos feitos para proporcionar mais lucros a poucos, em prejuízo do bem-estar e da dignidade da grande maioria.

A inteligência artificial só é capaz das façanhas que testemunhamos hoje porque desde seu nascimento o capitalismo vem sequestrando e matando a criatividade humana.

Leia também: Inteligência artificial e perfídia capitalista

9 de novembro de 2023

O sionismo a serviço do imperialismo e do colonialismo

“Kibutz” (“kibutzim”, no plural), quer dizer, em hebraico, "assembleia" ou "coletividade". Originalmente, era uma comunidade agrária israelense sem propriedade privada dos meios de produção. Segundo a Wikipédia,  baseava-se “nos princípios do sionismo trabalhista (combinação de socialismo e sionismo)”.

Os primeiros kibutzim surgiram no século 19. Mas só ganhariam um perfil socialista após a Primeira Guerra, sob influência da Revolução Russa e do forte movimento operário da época. O sionismo que inspirava muitos kibutzim, no entanto, era um projeto nacionalista. Uma característica que se chocava com as concepções de grande parte dos marxistas
internacionalistas da época.

Os criadores dos kibutzim acreditavam que seria possível ampliar o número de suas comunidades até transformar Israel em uma nação unida e igualitária, capaz de resistir aos poderes imperialistas que cercavam a chamada “Terra Prometida”.

Para os socialistas internacionalistas, o imperialismo é que acabaria utilizando os kibutzim para seus propósitos. E foi o que aconteceu. A partir dos anos 1940, muitos deles começaram a cumprir funções militares, contribuindo para a expulsão dos palestinos de suas terras a partir de 1948.

Desde então, a combinação de sionismo com socialismo mostrou-se definitivamente equivocada. O sionismo acabou por se impor como consolidação do Estado de Israel menos como nação soberana do povo judeu e muito mais como ponta-de-lança dos interesses britânicos e estadunidenses na região que tem as maiores jazidas petrolíferas do planeta.

Atualmente, o projeto sionista serve aos objetivos globais do imperialismo e à opressão colonialista do povo palestino na região. Por isso, jamais poderá ter um caráter de esquerda e deve ser combatido como parte da luta anti-imperialista e anticolonialista.

Leia também: Os acordos de Oslo e o Golias sionista

Os donos de nosso destino

“Quem controla a economia brasileira” é o título de artigo de Eduardo M. Rodrigues e Ladislau Dowbor publicado recentemente.

Segundo os autores, os dados são do anuário “Grandes Grupos – 200 maiores” elaborado e publicado pelo jornal Valor Econômico do Grupo Globo (dezembro de 2019). A metodologia utilizada, afirmam eles, possibilita “visualizar e medir com rigor estatístico as relações existentes em uma rede, sejam elas de amizade, trajetos aéreos ou rodoviários, transmissão de doenças, toda forma de poder político e quaisquer outros tipos de relações, inclusive vínculos acionários”.

Em um resumo rápido, o conjunto corporativo que foi tema do estudo é composto por 200 holdings (estrangeiras, nacionais privadas e estatais) que integram 6.235 unidades empresariais. Esta rede responde por 63,5% do PIB brasileiro e, considerando que no país há 19,7 milhões de empresas ativas, significa que quase 70% de toda a riqueza produzida no país está nas mãos de, ao menos, 0,03% das empresas.

A receita bruta dos 200 maiores grupos, em 2019, foi de R$ 4,6 trilhões. Em comparação, o Orçamento da União foi de R$ 2,7 trilhões. Ou seja, a riqueza acumulada, em 2019, pelas 200 maiores corporações (0,03% das empresas de todo o país) foi quase 70% (69,7%) maior do que todos os recursos federais disponíveis para todas as políticas públicas nacionais destinadas aos mais de 210 milhões de habitantes.  O 1% dessa rede empresarial presente em território brasileiro controla quase um quarto de todo o conjunto.

São só alguns números. O artigo merece ser lido na íntegra. Mas já dá pra ver quem, afinal, controla o destino da enorme maioria de nós.

Leia também: Apagão e Eletrobrás: O petróleo é deles

7 de novembro de 2023

Micro-lição de cinismo capitalista

A série é “A queda da Casa de Usher”, exibida pela Netflix. As palavras abaixo estão no terceiro episódio, ditas por Roderick Usher, personagem principal, ao se deparar com um famoso ditado:

Quando a vida te der limões, faça uma limonada? Não. Primeiro você torna escassa a oferta de limões, o que só acontece se você os estocar, controlar seu fornecimento e fazer uma campanha de mídia dizendo: limão é a única maneira de dizer “eu te amo”. É o acessório indispensável para noivados ou aniversários. Rosas estão por fora, limões estão na moda. Ela não fará sexo com você a menos que você tenha limões. Lance pulseiras de limões de ouro com edição limitada e diamantes chamados gotas de limão. Faça com que a Apple chame seu novo sistema operacional de OS-Lemon. Encha o Capitólio com lobistas de limão e faça com que uma Kardashian chupe uma rodela de limão em um vídeo de sexo que vazou. Um astro de cinema usando sapatos cor de limão em Cannes. Legal, irado, demais? Não. Limão. “Você viu aquele filme? Você viu aquele show? Foi muito limão!”. Aí, você obtém uma patente genética para a sequência de DNA do limão. Faz polinização cruzada. Faz com que essas sementes circulem na natureza, e então, processa o agricultor por violação de direitos de propriedade quando esse código genético aparecer nas terras dele. Sente-se, arrecade milhões e, quando terminar, e tiver vendido seu império cítrico por alguns bilhões de dólares, então, e só então, você fará a porra da limonada.

Verdade ácida proporcionada pelo entretenimento capitalista, cada vez mais cínico.

Leia também: O espelho escuro do capitalismo

6 de novembro de 2023

Viajando sem sair da bolha

Até uns 10 anos atrás, viajar para países estrangeiros costumava ser bem complicado. Principalmente, devido à falta de domínio do idioma e dificuldades para se deslocar por ruas desconhecidas e pelo emaranhado de linhas de ônibus, trens e metrôs.

Mas, atualmente, o GPS nos guia pelas ruas e o aplicativo de tradução do celular facilita muito a comunicação. Além disso, é fácil pedir um carro no aplicativo e desembarcar no destino sem precisar trocar mais que duas palavras com o motorista.

O problema é que toda essa facilidade tende a nos tornar ainda mais impermeáveis a culturas diferentes da nossa. Há décadas, a indústria do turismo já vinha reduzindo a experiência de viajar aos atos de consumir e fazer imagens. Mas ainda era necessário tentar se fazer entender, nem que fosse para comprar um bilhete de metrô ou achar uma padaria.

Cometer enganos, ficar perdido ou ser mal entendido pode significar algum aborrecimento. Mas é o tipo de incidente que também pode nos levar a conhecer pessoas que nãos são necessariamente vendedores e profissionais do turismo. Contatos que podem render boas histórias e proporcionar experiências que não estão previstas nos guias e blogs de viagem.

Também no turismo, as relações entre coisas assumem o lugar das interações entre pessoas. É o fetichismo da mercadoria nos levando a viajar sem sair de nossas bolhas.

Mas, talvez, nem seja preciso sair do país para passar por experiências parecidas com essas. Turbinadas pelos aplicativos, as divisões de classe produzem cada vez mais estranhamento entre habitantes do mesmo país e falantes do mesmo idioma.

Leia também: O turismo da miséria e a miséria do turismo

3 de novembro de 2023

Longa vida às mortes renovadoras das lutas populares!

Uma das mais famosas comemorações de Finados do mundo acontece no México, com seus desfiles e cortejos cheios de cores e música. De origem indígena, é uma forma festiva de homenagear os mortos e momento em que eles são autorizados a visitar os parentes vivos.

Foi nesse lugar, capaz de retirar energia do mais definitivo acontecimento humano, que surgiu a resistência popular inspirada na luta do herói Emiliano Zapata, espectral comandante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).

Pois a liderança mais conhecida do EZLN acaba de anunciar sua segunda morte. Trata-se do subcomandante Marcos, que já havia se declarado morto em 2014, passando suas atribuições para Moisés, subcomandante da etnia indígena Tojolabal.

Logo em seguida, porém, o falecido ressuscitou como Galeano, nome escolhido em homenagem ao zapatista José Luis Solís Galeano, assassinado pouco antes. Mais recentemente, em 22/10/2023, foi a vez de Galeano também anunciar sua morte.

Marcos nasceu sob o nome de Rafael Sebastián Guillén Vicente, em 1957, mas viria a morrer nos anos 1990 para dar à luz o subcomandante que liderou a luta de Chiapas por mais de duas décadas.

Sua mais recente morte simbólica deve ser festejada como sinal de que muitas outras virão para renovar a resistência popular com a energia dos que tombaram em sua defesa.

São mortos em permanente visita a seus companheiros encarnados, para homenagens, aconselhamento e fortalecimento das lutas das quais participam. Reforços que são mais do que nunca necessários, num momento em que forças tenebrosas sacrificam milhões de vidas no altar sujo do capitalismo global.

Longa vida às mortes simbólicas e renovadoras das lutas populares!

Leia também:
O arco-íris anticapitalista dos zapatistas
Por um Dia de Finados mais descontraído

1 de novembro de 2023

Os acordos de Oslo e o Golias sionista

Edward Said foi um estudioso e militante árabe, nascido em Jerusalém. Sua obra mais conhecida é “Orientalismo”, na qual denuncia a criação ocidental de uma visão distorcida, mostrando o mundo oriental como domínio de bárbaros.

Defensor da causa palestina, Said publicou um artigo chamado “A Manhã Seguinte”, em outubro de 1993, pouco depois da assinatura dos Acordos de Oslo, em que palestinos e israelenses firmaram um acordo de paz, em Washington. Segundo Said foi um:

...espetáculo degradante ver Yasser Arafat agradecendo a todos pela suspensão da maioria dos direitos do seu povo e a solenidade tola do desempenho de Bill Clinton, como um imperador romano do século XX pastoreando dois reis vassalos pelos rituais de reconciliação e obediência. Tudo isso apenas temporariamente oculta as proporções verdadeiramente assombrosas da capitulação palestina.

Said cita o Hamas como uma das organizações palestinas que repudiou os acordos. Mas destaca sua pouca influência, naquele momento, e a existência de uma oposição palestina secularista e democrática, comprometida com uma solução verdadeiramente justa.

Pouco antes, em 1987, havia ocorrido a Intifada, quando milhares de palestinos foram às ruas protestar contra a invasão israelense. Armados apenas com pedras, mais de mil jovens e crianças foram covardemente mortos pelas tropas israelenses. Nessa luta entre Davi e Golias, Israel assumiu o papel de gigante cruel.

A rendição representada pelos acordos de Oslo foi protagonizada pela Organização de Libertação da Palestina (OLP). À sombra desta vergonha, o Hamas, grupo religioso e intolerante, ganhou força. Contou, inclusive, com a omissão israelense, que desejava seu fortalecimento para enfraquecer a OLP.

É desse modo que o Golias sionista continua massacrando.

Leia também: Einstein denuncia o terrorismo na Palestina

31 de outubro de 2023

Einstein denuncia o terrorismo na Palestina

Eles inauguraram um reino de terror na comunidade judaica da Palestina. Professores foram espancados por proferirem falas contrárias a esses grupos e adultos foram fuzilados para impedir que crianças se juntassem a eles.

O trecho acima é de uma carta assinada por Albert Einstein, Hannah Arendt e mais 26 personalidades judias. Segundo o documento publicado no New York Times em 1948, esses “bandos terroristas” atacaram uma pequena vila árabe sem envolvimento em atividades militares, matando 240 de seus habitantes, incluindo mulheres e crianças. Dentre aqueles que sobreviveram, alguns foram levados para desfilar como prisioneiros pelas ruas de Jerusalém.

A maior parte da comunidade judaica ficou horrorizada. Mas os responsáveis, longe de se envergonhar, ficaram orgulhosos do massacre, convidando os correspondentes estrangeiros presentes no país a ver “o amontoado de cadáveres e a devastação generalizada na vila”, afirma a carta.

A organização denunciada pelo texto era o Herut (Partido da Liberdade), “agremiação política fortemente aparentada, em sua organização, métodos, filosofia política e apelo social, a outras organizações políticas nazistas e fascistas”, descrevem os autores. A preocupação dos signatários do documento era que seu líder, Menachem Begin, fosse recebido com honrarias na visita que faria, em breve, aos Estados Unidos.

A carta também acusa o Herut de esmagar greves e fazer pressão para destruir sindicatos, defendendo a criação de organizações no modelo fascista italiano.

A título de esclarecimento, o Likud, partido do atual premiê israelense Benjamin Netanyahu, foi formado por grupos oriundos do Herut. Como se vê, a tolerância em relação a essas práticas terroristas e fascistas vem de longa data e continua a alimentar o genocídio sionista.

Leia também:
Gaza e os cachorros loucos de Hollywood
O povo judeu também é vítima do sionismo

30 de outubro de 2023

Inteligência artificial e perfídia capitalista

Em 26/10/2023, Ronaldo Lemos publicou um artigo na Folha lembrando o “aniversário de seis meses” da carta do Instituto Futuro da Vida. Um documento que causou polêmica ao acusar a inteligência artificial (IA) de representar “riscos profundos para a sociedade e a humanidade" e defender a interrupção das pesquisas relacionadas a essa tecnologia e a criação de regulamentações sobre seu desenvolvimento e aplicação.

Segundo Lemos, nesse período, só houve avanços na regulamentação da IA em três campos: direitos autorais, proteção dos dados pessoais e relações trabalhistas. Os dois primeiros envolvem os direitos de propriedade. Normal que sejam alvo de preocupação da ordem dominante. Já os avanços de caráter trabalhista citados no texto restringem-se ao acordo que encerrou a greve dos roteiristas de Hollywood. Algo muito pontual, apesar de envolver a poderosa indústria do entretimento.

Mas o que chama a atenção no texto é o cinismo dos gigantes que controlam as redes virtuais. Entre os mais de 30 mil signatários da tal carta aniversariante, estavam Elon Musk e executivos da Google. O primeiro criou sua própria empresa de inteligência artificial, meses após o lançamento da carta. A Google também não demorou a lançar seu smartphone baseado na nova tecnologia.

Em suma, conclui o articulista, a carta acabou se tornando uma grande jogada de marketing capaz de acelerar, em vez de reduzir, a expansão das empresas de IA.

Ou seja, na ausência de um grande movimento anticapitalista a partir de baixo, os de cima encenam suas farsas e seguem agindo contra os interesses da grande maioria da humanidade. Isso, sim, é muito inteligente.  E pérfido.

Leia também: Inteligência artificial e planejamento socialista

30 de setembro de 2023

Big thecs e a Mentalidade do capitalismo extremo

Abaixo, mais trechos do livro “A sobrevivência dos mais ricos”, de Douglas Rushkoff. Neles, o autor descreve o que chamou de “A Mentalidade”, fenômeno que tomou conta do Vale do Silício no início do atual século.

Em vez de continuar apenas fornecendo resultados de pesquisa a seus usuários, a Google entrou no negócio ainda mais lucrativo de fornecer dados dos usuários a seus verdadeiros clientes: os especialistas em mercado que procuram abordar os usuários e manipular seu comportamento.

Da mesma forma, Mark Zuckerberg mudou sua atividade da veiculação de anúncios para a venda de dados. Quanto mais tempo e mais emocionalmente ficamos envolvidos com a plataforma, mais o Facebook aprende sobre nós para enriquecer seus investidores às nossas custas.

Nessa nova versão do capitalismo extremo, a tecnologia digital é valorizada pela sua capacidade de expandir os negócios sem necessidade de contratar muita gente. Fórmula quase exclusiva para proporcionar maiores lucros e vender a imagem de empresa inovadora, turbinando o preço das ações.

Como explicou Scott Galloway, professor de administração da Universidade de Nova York, “decidimos que capitalismo significa ser amoroso e empático com as corporações e darwinista e severo com os indivíduos”. O governo socorreu prontamente bancos e empresas na recessão de 2008 e a crise da Covid aumentou a riqueza dos bilionários de 8,9 para 10,2 bilhões de dólares apenas no primeiro ano.

A Mentalidade incentiva uma forma de “vitória” que eleve seus vencedores humanos e empresariais acima daqueles que serão necessariamente deixados para trás. Deixados para trás literalmente, já que a ideia deles é abandonar o planeta que vêm ajudando a destruir.

Doses suspensas até meados de outubro.

Leia também: Da contracultura psicodélica às big techs neoliberais

28 de setembro de 2023

Da contracultura psicodélica às big techs neoliberais

Em seu livro “A sobrevivência dos mais ricos”, Douglas Rushkoff relata sua experiência como parte da geração que participou da onda tecnológica surgida no Vale do Silício.

No começo da década de 1990, diz ele, os mundos da contracultura e da informática pareciam idênticos. Os membros da comunidade psicodélica da Califórnia eram particularmente adequados para imaginar ambientes virtuais e novos modos de comunicação.

Recrutando sua força de trabalho em ambientes de rebeldia cultural, a revolução cibernética seria caracterizada menos pela burocracia militar do pós-guerra, ou pelas corporações de alta tecnologia, do que pelos “novos comunalistas”.

Se a internete tinha um inimigo, diziam os filhos da geração hippie, não seriam as empresas que ofereciam brinquedos para nossa diversão e ainda pagavam pelo nosso tempo. Era o governo, que usava computadores para jogos de guerra, prendia jovens hackers sob falsas acusações e tentava censurar nossa comunicação online.

A “Declaração de Independência do Ciberespaço” publicada por John Barlow, em 1996, atacava o autoritarismo governamental sobre a internete, considerada um novo “projeto coletivo da humanidade”. Mas poucos se lembram do lugar em que o documento foi lançado: “Davos, Suíça”. Em pleno Fórum Econômico Mundial, ponto de encontro dos campeões da globalização neoliberal.

Não percebíamos, conclui o autor, que banir o governo da internete criaria uma zona livre para a colonização corporativa. Foi aí que começaram a surgir monstrengos empresariais como Google, Facebook, Uber e Airbnb.

Novamente, um movimento surgido com pretensões rebeldes foi capturado pela lógica do capital. Contra isso não há garantias, a não ser a constante vigilância e mobilização militantes.

Leia também: Bilionários sem vestígios de humanidade