Publicada em 2013, a obra é de Au Loong Yu, morador de Hong Kong, “região administrativa especial” da República Popular da China, governada pelo princípio “um país, dois sistemas”: o socialista e o capitalista.
Que a burocracia chinesa nunca tenha ameaçado seriamente Hong Kong, diz o autor, torna-se compreensível quando sabemos que o território tornou-se um dos três “centros de aprendizado sobre o capitalismo” mantidos pela camada dominante chinesa. Os outros dois seriam Macau e Taiwan.
De fato, afirma Au Loong, a revolução de 1949 não conseguiu libertar do capitalismo ocidental nenhuma dessas localidades. Mas trinta anos depois, quando a China necessitava desesperadamente de capital, tecnologia e gerentes para sua indústria nascente, foram esses três lugares que supriram amplamente o “Estado-Partido” com os recursos necessários.
Taiwan pelo alto nível de tecnologia, em áreas como petroquímicos, instrumentos de precisão e tecnologia da informação. Hong Kong, por sua vez, tornou-se um centro financeiro para as empresas estatais e privadas do continente.
Macau, porém, respondeu a uma necessidade completamente diferente: cidade de cassinos, é a principal plataforma de lavagem de dinheiro e trampolim para fuga de capitais.
Sem Hong Kong, Macau e Taiwan, a história da ascensão da China teria sido muito diferente, garante Au Loong.
Marxista, o autor também preocupa-se em abordar a realidade das lutas travadas na sociedade chinesa, tendo como horizonte a construção do socialismo. Mas considera o “sistema chinês atual como uma variante do capitalismo burocrático”.
O conluio chinês entre burocracia e capital privado
Au Loong Yu caracteriza o sistema chinês como uma variante do capitalismo burocrático, porque, além das características comuns que compartilha com o capitalismo autoritário de Estado, ele apresenta peculiaridades próprias.
Pode-se até dizer que a burocracia privatizou o estado, diz o autor. Nas décadas de 1980 e 1990, continua Au Loong, o surgimento dos capitalistas privados fez muitos críticos ao regime acreditarem que eles se tornariam a vanguarda das lutas democráticas chinesas. Estavam totalmente equivocados. Desprezaram um fato fundamental: os capitalistas privados devem sua própria existência ao partido.
Esta é a razão pela qual os capitalistas privados não levantam um dedo contra a ditadura de partido único. Ao contrário, os mais ambiciosos procuram ingressar no partido, tornar-se deputados no Congresso do Povo ou, mais importante, manter um relacionamento amigável com os mandarins do poder.
Já os líderes do partido acumularam suas fortunas em empresas estatais, sem possuí-las nominalmente. Se esse tipo de corrupção não é exclusivo da China, sua implantação em tal escala certamente o é.
É também aqui que aparecem as diferenças entre um país que passou por uma revolução social e os países capitalistas autoritários que não o fizeram.
Aqueles que consideram a economia estatal necessariamente mais progressista do que a economia de mercado ignoram que ambas convergem em seus objetivos maiores: ganhar dinheiro para os mandarins e para os acionistas privados.
O conluio entre essas duas frações de capital é tão forte que ou elas prosperam juntas ou caem juntas. Na luta de classes, não estão ao lado dos trabalhadores e outros setores dominados.
A vigilância da burocracia chinesa sobre o investimento estrangeiro
Nos anos 1990, o investimento estrangeiro estava se tornando dominante em alguns setores da indústria chinesa e metade do valor dos produtos exportados vinha de multinacionais. Muitos previam que, desse modo, a China voltaria à condição semicolonial sob domínio imperialista.
Em seu livro “China: Um capitalismo burocrático”, Au Loong Yu mostra por que isso não aconteceu. Segundo ele, há setores considerados estratégicos para a soberania econômica e a "segurança nacional". Por exemplo, minerais raros, riquezas naturais, indústria da defesa, bancos, seguros, mídia etc. Nestas áreas, as empresas nacionais e, em particular, as empresas estatais, permanecem dominantes.
Em 1995, pela primeira vez, o Conselho de Estado publicou um guia listando os setores em que o investimento estrangeiro direto poderia ser incentivado ou apenas autorizado, reduzido ou totalmente proibido. Este documento é alterado periodicamente para destacar o que é considerado mais adequado ao "interesses nacionais” naquele determinado momento.
As empresas transnacionais resistiram a princípio, mas finalmente aceitaram as condições chinesas em troca de acesso a seu gigantesco mercado.
Mas a verdadeira razão para toda essa vigilância chinesa são os interesses da burocracia dominante, diretamente ligados à expansão do capitalismo de estado.
Os pontos fortes do chamado modelo chinês, afirma Au Loong, baseiam-se na combinação das necessidades determinadas pela acumulação de capital com as especificidades chinesas. E entre estas, está a herança da grande revolução popular nacional de 1949. Obviamente, isso não pode ser facilmente replicado em outras partes do mundo.
E se depender dos dirigentes chineses, jamais voltará a se repetir em nenhum outro lugar sob sua hegemonia.
A vigilância da burocracia chinesa sobre o investimento estrangeiro
Nos anos 1990, o investimento estrangeiro estava se tornando dominante em alguns setores da indústria chinesa e metade do valor dos produtos exportados vinha de multinacionais. Muitos previam que, desse modo, a China voltaria à condição semicolonial sob domínio imperialista.
Au Loong Yu mostra por que isso não aconteceu. Segundo ele, há setores considerados estratégicos para a soberania econômica e a "segurança nacional". Por exemplo, minerais raros, riquezas naturais, indústria da defesa, bancos, seguros, mídia etc. Nestas áreas, as empresas nacionais e, em particular, as empresas estatais, permanecem dominantes.
Em 1995, pela primeira vez, o Conselho de Estado publicou um guia listando os setores em que o investimento estrangeiro direto poderia ser incentivado ou apenas autorizado, reduzido ou totalmente proibido. Este documento é alterado periodicamente para destacar o que é considerado mais adequado ao "interesses nacionais” naquele determinado momento.
As empresas transnacionais resistiram a princípio, mas finalmente aceitaram as condições chinesas em troca de acesso a seu gigantesco mercado.
Mas a verdadeira razão para toda essa vigilância chinesa são os interesses da burocracia dominante, diretamente ligados à expansão do capitalismo de estado.
Os pontos fortes do chamado modelo chinês, afirma Au Loong, baseiam-se na combinação das necessidades determinadas pela acumulação de capital com as especificidades chinesas. E entre estas, está a herança da grande revolução popular nacional de 1949. Obviamente, isso não pode ser facilmente replicado em outras partes do mundo.
E se depender dos dirigentes chineses, jamais voltará a se repetir em nenhum outro lugar sob sua hegemonia. Falaremos mais sobre isso na próxima pílula.
A China inicia sua convivência amistosa com o capitalismo
Quando voltou de sua viagem aos Estados Unidos, em 1979, Deng Xiaoping atacou o Vietnã e cortou a ajuda material aos partidos comunistas da Ásia envolvidos na luta contra seus governos capitalistas.
Era uma mensagem concreta aos Estados Unidos: não queremos mais combater o capitalismo e estamos interessados em trabalhar juntos para fazer fortuna juntos!
No nível interno, o PC chinês iniciou a mudança de sua base social, trocando os trabalhadores pelos “novos empreendedores”. Em 1982, o partido começou a atacar os direitos dos trabalhadores, retirando, inclusive, o direito de greve da Constituição. Também introduziu revisões constitucionais para apoiar a criação de empresas privadas.
Outra mudança foi a introdução dos dois sistemas de preços: "preços planejados" e "preços de mercado". Com isso, os gerentes passaram a ter a oportunidade de comprar produtos pelos "preços planejados", menores, e revendê-los pelos "preços de mercado", mais altos.
Estas medidas começaram a entrar em choque com os interesses de amplas parcelas da população. Em especial, com a massa universitária que começava a se formar como produto das necessidades da industrialização. Mas também com os trabalhadores urbanos.
Essas contradições e conflitos foram se acumulando durante a década, até que explodiram em uma série de mobilizações entre abril e junho de 1989. Grandes manifestações foram protagonizadas por diversos setores da população, com destaque para os estudantes e setores operários.
Fale sobre socialismo, enquanto implanta o capitalismo
Dizimar o movimento que ocupava a Praça da Paz Celestial não foi um arroubo de ferocidade do governo chinês. Aquilo que os manifestantes contestavam era estratégico para os burocratas no comando, explica Au Loong Yu.
Esmagada a resistência em 1989, diz ele, iniciou-se uma década marcada por um processo radical de reestruturação produtiva. Em 2001, 86% das empresas estatais haviam sido reestruturadas e 70% delas foram parcial ou totalmente privatizadas. Com isso, dezenas de milhões de trabalhadores das empresas estatais ou "coletivas" foram demitidos. Acabaram sendo redirecionados ao setor privado, com salários menores e menos direitos.
O PC sempre se recusou a admitir que estava privatizando. Uma anedota popular descrevia assim a política do partido: "O capitalismo pode ser implantado desde que você não fale sobre isso. Mas você pode falar à vontade sobre o socialismo, desde que nunca venha a implementá-lo."
Muitos ex-diretores de empresas estatais se tornaram proprietários ou gerentes das empresas privatizadas. Líderes do partido se transformaram em investidores em 95% das empresas municipais, nas grandes cidades, e em 97% daquelas localizadas em pequenas comunidades rurais.
Por outro lado, uma nova classe trabalhadora, composta por 250 milhões de migrantes rurais, se formou. A princípio, era um grande exército de trabalhadores sem conhecimento de seus direitos. Mas as contradições não tardaram a se tornar agudas. As greves cresceram em número e radicalidade.
Mas, por enquanto, a grande maioria dos conflitos tem se limitado aos locais de trabalho, sem questionamentos aos centros políticos do país, fortemente controlados pelo partido.
Socialismo de verdade, só de baixo para cima
Na China atual, mercado e Estado se complementam, diz Au Loong Yu. Mas a verdade, afirma ele, é que, sob o atual regime, ambos são apenas instrumentos de exploração das massas trabalhadoras.
Por outro lado, a China apresenta uma característica importante. Na maioria dos países capitalistas, as esferas política e econômica são separadas uma da outra. Como resultado, as lutas econômicas dos trabalhadores tendem a permanecer setoriais e, geralmente, não políticas. Existe, portanto, a possibilidade de desenvolver um movimento sindical alienado da política. Na China, as duas esferas estão fundidas a tal ponto que a mão invisível do mercado é sempre apoiada pela bota visível do Estado, razão pela qual nem o simples sindicalismo independente e apolítico é tolerado.
É improvável que um movimento sindical de baixo para cima possa se desenvolver plenamente sem, ao mesmo tempo, conquistar liberdades fundamentais e, finalmente, a democratização do Estado. Isso dá um caráter radical a iniciativas sindicais pela base. Seus traços políticos e classistas podem se manifestar de forma mais direta.
O verdadeiro socialismo não será alcançado somente pelo desenvolvimento das forças produtivas. Socialismo é sinônimo principalmente de controle coletivo da produção, democracia política e redução do tempo de trabalho para dar aos trabalhadores condições de participar da administração da sociedade. Nenhum desses elementos está presente na China hoje.
Mas com meio bilhão de operários, há poucos lugares no mundo em que construir o verdadeiro socialismo seja tão possível como na China. Desde que, é claro, os trabalhadores chineses derrotem sua classe dominante e seus aliados do capitalismo ocidental.
Outubro de 2020
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