Doses maiores

27 de novembro de 2014

Jessé Souza e o necessário combate à meritocracia

O que faz uma classe social ser uma classe, ou seja, o que faz um certo universo de indivíduos agirem de modo semelhante não é (...) a “renda”, mas a sua construção “afetiva” e pré-reflexiva montada por uma “segunda natureza” comum que tende a fazer com que toda uma percepção do mundo seja quase que “magicamente” compartilhada sem qualquer intervenção de “intenções” e “escolhas conscientes”.

O trecho acima pertence ao livro “A ralé brasileira”, organizado por Jessé Souza. Ela pode causar estranheza aos que se alinham politicamente à esquerda, mas o objetivo da obra é combater um “economicismo” sociológico bastante útil à direita.

A principal fonte de inspiração dos autores do estudo é Pierre Bourdieu. O que eles denominam “segunda natureza”, o sociólogo francês chamava de habitus de classe. Esta noção permitiria entender as motivações subjetivas das relações entre as classes sociais. Explicaria por que as ideias que justificam a dominação social não apenas são aceitas por suas maiores vítimas, como reproduzidas por elas.

Trata-se de uma abordagem complexa para a maioria de nós, acostumados a enxergar a realidade social usando quase exclusivamente lentes e critérios quantitativos. Algo que passa por ser rigor científico, mas fica só um pouco acima do senso comum. Não à toa, muito presente na grande mídia, com seus infográficos pretensamente objetivos.

Mas o centro desse debate não é científico. É político. Diz respeito à luta de classes. Um dos objetivos do estudo coordenado por Souza é combater a meritocracia. Esta ideologia moderna que esconde a injustiça e a desigualdade sociais de modo tão eficiente. Voltaremos a ela e ao livro.

2 comentários:

  1. Sergio, uma coisa que acho muito importante, e que precisa mudar na visão da esquerda, é a sua visão exclusivamente economicista. Agora, a leitura do trecho do livro que cita, me passa uma ideia que não devemos mais levar em conta as condições econômicas para caracterizar uma classe. Aí já acho complicado.

    ResponderExcluir
  2. Marião, realmente o trecho pode levar a essa interpretação. Mas o livro, não. De qualquer maneira, os critérios de renda e ocupação são realmente muito pobres. Uma coisa é uma análise como Marx faz no Capital em que conceitos gerais tem sua precisão. Outra, é por exemplo a análise que ele faz no 18 Brumário, em que os papéis políticos e sociais dos agentes econômicos estão longe de ser claros. Mas as preocupações do Jessé tem a ver com a ideia de capital cultural. Duas pessoas podem receber a mesma renda e deterem capitais culturais completamente diferentes e que determinam seu prestígio social, suas reações políticas etc. Espero que isso fique claro em futuros pitacos meus. Por outro lado, se você tempo, paciência, interesse pode baixar o livro facilmente na internete. É só pesquisar pelo título do livro.
    Abraço

    ResponderExcluir