No artigo “Golpe sangrento fugiria à nossa tradição”, publicado hoje no Globo, Pedro Doria relaciona sete golpes militares bem-sucedidos na história brasileira. “Em cada um desses momentos, diz ele, ao menos um general decidiu rasgar a Constituição”. Mas em nenhum deles foi derramado o sangue dos governantes depostos, ressalva Doria. E isso indicaria que “nossas ditaduras estavam num degrau mais ameno da barbárie vizinha”.
Por isso, argumenta o colunista, “dar golpes militares é coisa brasileira, sim”. Mas, referindo-se ao que foi planejado pelos bolsonaristas, prevendo uma série de assassinatos, não seria “um golpe brasileiro”.
Doria até admite que “a violência dos porões não foi pouca”, mas posicionar as barbáries das ditaduras de nossa história num nível “mais ameno” é um absurdo. Um desrespeito às milhares de vítimas torturadas, executadas e desaparecidas que não contavam com a integridade física garantida somente aos setores dirigentes.
Um golpe de estado sempre opõe parcelas da classe dominante a outras. Nesse caso, podem ocorrer prisões, exílio, processos jurídicos viciados, arbitrariedades. Mas são os de baixo que sofrem a mais extrema violência física. No regime militar, por exemplo, morreram mais de 8 mil, somente entre os indígenas.
Que as elites nacionais nunca tenham se confrontado até o derramamento de sangue não é um traço pitoresco de sua dominação. É uma evidência dos bons modos com que se relacionam, reservando a selvageria mais cruel aos de baixo.
A truculência bolsonarista não é uma excrecência irracional. É uma atitude correspondente ao ódio e repulsa das classes dominantes a qualquer possibilidade de que os explorados e oprimidos passem a confiar em suas próprias forças.
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