Doses maiores

9 de agosto de 2015

O “haitismo” continua entre nós

Entre 1791 e 1804, a Revolução Haitiana estourou na ilha de São Domingos, então colônia francesa. Fundou a primeira república de africanos e aboliu a escravidão na ilha.

Em seu livro "Brasil: Uma Biografia", Lilia Schwarcz e Heloisa Starling mostram como a vitória dos pretos haitianos fez surgir no século 19 o “haitismo”. Era o medo que os escravocratas locais passaram a sentir de que seus escravos tentassem fazer algo parecido.

O temor era plenamente justificável. Afinal, segundo um cronista da época citado pelo livro, havia “seis escravos (...) para um só senhor, e onde, por consequência, o desejo inveterado das vinganças é como seis para um”.

Duzentos anos depois, uma onda de haitianos chega ao Brasil fugindo do estado calamitoso em que afundou seu país. Uma situação que a presença de tropas lideradas por militares brasileiros ajudou a piorar.

Dois séculos depois, há alguns dias, em São Paulo, em plena luz do dia, um homem gritou para um grupo de haitianos: “Vocês estão roubando emprego dos brasileiros”. Depois, atirou, ferindo seis dos haitianos.

O haitismo já não representa ameaça nem há mais escravidão. Mas continuamos a ser uma das sociedades mais injustas do planeta. E se não há mais seis cativos para um senhor, há muitos explorados e humilhados para poucos bilionários.

Nossas elites racistas não deveriam temer os haitianos recém-chegados. A verdadeira ameaça pode vir dos que já estão aqui, sendo pisoteados há séculos. São estes que sentem crescer cada vez mais aquele “desejo inveterado das vinganças” que nunca foi saciado.

Invadimos o Haiti, mas ele continua sendo aqui.

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