Doses maiores

19 de janeiro de 2011

A função social da tragédia habitacional

Em julho de 2010, a arquiteta Ermínia Maricato deu uma entrevista à revista Caros Amigos. Apresentou dados esclarecedores sobre o caos urbano nas cidades brasileiras. Perguntada sobre a enorme desigualdade social no Brasil, ela respondeu que sua superação:

...passa essencialmente pela questão fundiária. Campo e cidade. Só terminando a história dessa segregação, não tem nenhum mistério. Uma parte da população constrói as casas, constrói fora da lei e não tem lugar nas cidades.
Ou melhor, não tem lugar no mercado. E o mercado é um lugar apertado. Do tamanho da concentração nacional de renda e patrimônio. Em São Luís (MA) ou Belém (PA), por exemplo, só cabem nele 10% da população, afirmou a arquiteta.

Em São Paulo, essa proporção sobe para uns 40%. Mas a capital paulista “concentra cerca de 22% da população que ganha acima de 20 salários mínimos do Brasil”, disse Ermínia. Daí, ser regra nacional a construção irregular, em locais perigosos, em áreas de preservação, sem planta, registro e alvará.

Um dos caminhos para começar a acabar com essa injustiça seria o respeito à função social da propriedade, segundo Ermínia. Este dispositivo constitucional subordina o direito à propriedade ao direito à dignidade humana. É só olhar ao redor para ver que nunca saiu do papel. Temos a maior concentração fundiária do mundo no campo. Nas cidades, o déficit habitacional brasileiro é equivalente a cerca de 6 milhões moradias.

Enquanto isso, há quase 6 milhões de imóveis públicos vazios. E vão continuar vazios porque a função da propriedade no Brasil é sagrada e devotada ao lucro. No campo, já sabemos disso há muito tempo. Os que desafiam esse dogma são perseguidos, reprimidos, mortos. Nas cidades, as chuvas fazem boa parte do trabalho sujo.

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