Doses maiores

30 de maio de 2022

O Antropoceno e o Atlas Selvagem

Anna Tsing coordena o projeto digital colaborativo "Atlas Selvagem: O Antropoceno-Mais-do-que-Humano", desenvolvido por especialistas de vários países, em parceria com a Stanford University Press.

Em recente entrevista, ela explica que o atlas:

...apresenta 79 relatórios de campo sobre "os efeitos selvagens da construção de infraestrutura, ou seja, sobre projetos que mudaram as paisagens terrestres, aquáticas e aéreas" ao longo dos últimos séculos.

Para ela, “ecologias selvagens” são “respostas não-humanas a projetos humanos que estão fora do controle humano”. Seriam efeitos de ações ambientalmente irresponsáveis que podem “pôr em perigo a vida como nós a conhecemos”.

A título de exemplo, a entrevistada cita o mosquito Aedes aegypti, transmissor de dengue e febre amarela. Esse inseto vivia em buracos nas árvores africanas, onde raramente interagia com humanos. Nos navios de escravos, a desumana aglomeração humana permitiu mutações rápidas e o inseto se transformou em algo novo: um mosquito que somente convive com humanos e assim transmite eficientemente a febre amarela e outros vírus de uma pessoa para a outra. A partir daí, se disseminou nas Américas, transmitindo doenças de volta para a África e para a Ásia.

Mas esse é apenas um dos muitos casos que aparecem no Atlas para mostrar como a intervenção humana foi se tornando mais e mais desastrosa. É o Antropoceno se confirmando como era geológica que transformou radicalmente o planeta. Consequência do surgimento do capitalismo, acelerada pela industrialização, o Antropoceno provoca efeitos inesperados e assustadores. A pandemia que matou muitos milhões, e ainda nos ameaça, não poderia ser evidência mais clara disso.

Para acessar o Atlas clique: https://feralatlas.org/

Leia também: O coronavírus e o fetichismo do aplicativo

2 comentários:

  1. “respostas não-humanas a projetos humanos que estão fora do controle humano". Adorei essa frase, sintetiza bem o trabalho da pesquisadora. Pensamentos assim me parecem trava línguas dos neurônios. É difícil de entender, mas depois que entende é uma delícia. A dialética é isso.

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    1. Exatamente. Leandro Konder tinha uma definição da dialética muito boa: Na lógica clássica a esfinge diz "decifra-me ou te devoro". Na dialética, ela diz "decifra-me enquanto te devoro".

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