Doses maiores

6 de novembro de 2023

Viajando sem sair da bolha

Até uns 10 anos atrás, viajar para países estrangeiros costumava ser bem complicado. Principalmente, devido à falta de domínio do idioma e dificuldades para se deslocar por ruas desconhecidas e pelo emaranhado de linhas de ônibus, trens e metrôs.

Mas, atualmente, o GPS nos guia pelas ruas e o aplicativo de tradução do celular facilita muito a comunicação. Além disso, é fácil pedir um carro no aplicativo e desembarcar no destino sem precisar trocar mais que duas palavras com o motorista.

O problema é que toda essa facilidade tende a nos tornar ainda mais impermeáveis a culturas diferentes da nossa. Há décadas, a indústria do turismo já vinha reduzindo a experiência de viajar aos atos de consumir e fazer imagens. Mas ainda era necessário tentar se fazer entender, nem que fosse para comprar um bilhete de metrô ou achar uma padaria.

Cometer enganos, ficar perdido ou ser mal entendido pode significar algum aborrecimento. Mas é o tipo de incidente que também pode nos levar a conhecer pessoas que nãos são necessariamente vendedores e profissionais do turismo. Contatos que podem render boas histórias e proporcionar experiências que não estão previstas nos guias e blogs de viagem.

Também no turismo, as relações entre coisas assumem o lugar das interações entre pessoas. É o fetichismo da mercadoria nos levando a viajar sem sair de nossas bolhas.

Mas, talvez, nem seja preciso sair do país para passar por experiências parecidas com essas. Turbinadas pelos aplicativos, as divisões de classe produzem cada vez mais estranhamento entre habitantes do mesmo país e falantes do mesmo idioma.

Leia também: O turismo da miséria e a miséria do turismo

3 comentários:

  1. De fato simplificou a vida viajar para o exterior devido aos problemas que comenta, mas a questão principal, independente do país, é ter condições financeiras de viajar. Os governos Lula ficaram conhecidos pela indignação da classe média tendo que conviver com outras classes abaixo nos aeroportos. Tenho a impressão, e contatos imediatos com amigos, que indicam que realmente as classes mais baixas viajaram mais pelo país. Agora, para fora nem faço ideia se a condição econômica facilitou de uns tempos para cá. Sobre a facilidade dos aplicativos vivi muito os perrengues chiques de viagens ao exterior no passado tendo que enfrentar a falta de domínio do inglês (língua universal do turismo), mas que, como diz, fez ter mais interação com os moradores.

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    1. Acho que facilitou durante os anos de bonança do segundo governo Lula, mas bem menos para o exterior. A ideia da pílula foi mais a de mostrar como até para quem tem alguma condição de viajar para fora, a experiência foi empobrecida pela mediação do consumismo turbinado pela tecnologia.

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    2. Sim, entendi perfeitamente e acho que está correto, só peguei o gancho.

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