Doses maiores

23 de janeiro de 2024

Nomofobia, a doença que é um sintoma

Nomofobia. Trata-se de um distúrbio patológico que atinge a todos, sem distinção de classe, cor, sexo, religião, nacionalidade, ideologia, preferências político-partidárias. Alvinegros, rubro-negros, tricolores, alviverdes, esquerdistas, bolsonaristas, todos são igualmente afetados.

Não há grupo de risco porque o perigo é global. Literalmente. São poucos os lugares do mundo imunes à nomofobia, a não ser pela rara condição de estarem isolados dos elementos que a causam. Os sintomas são ansiedade, desorientação, sensação de inutilidade, vazio mental, dificuldade de refletir sobre assuntos complexos e até sobre coisas mais banais.

Apesar disso, governos e organizações internacionais de saúde pública não parecem preocupados com essa pandemia que se alastra sem alarde. Nomofobia vem do inglês “no-mobile”: “sem celular”. É a ansiedade provocada pela privação do acesso ao celular. Uma espécie de síndrome de abstinência causada pela desconexão das redes virtuais.

É preciso ocupar todos os sentidos com imagens, sensações e sons fragmentados e ininterruptos. Na fila, na condução, cozinhando, fazendo faxina, nas inúmeras tarefas cansativas, mas sem sentido. Há que haver palestras, entrevistas, tramas, fantasias. Tudo reproduzido de modo vertiginoso, em horário integral.

O silêncio, a contemplação ou a simples conversa tomam tempo que precisa ser totalmente entregue à exploração econômica acentuada e ao consumismo acelerado. É necessário inviabilizar o pensamento, a reflexão e o debate racional, que podem servir para entender melhor e, talvez, combater essa realidade cada vez mais opressora do cotidiano capitalista.

Na verdade, a nomofobia é só um sintoma. Ela deriva da dependência das redes virtuais, que, por sua vez, fazem parte do implacável processo de acumulação capitalista. Este, sim, a grande moléstia contemporânea.

Leia também: A esquerda e sua fatal dependência das redes

5 comentários:

  1. Puxa vida, que interessante, essa eu não sabia. Ouvindo o podcast Rádio Novelo, uma das jornalistas dizia algo como, o que vc faz durante essas atividades rotineiras, cansativas e mecânicas, tipo, ela sugere, por que não se "ligar" em um podcast. Faxina sem podcast para mim não existe. Mas a coisa vai avançando, antes de dormir, quando mal acordo, no trem etc, o celular precisa estar ligado. Penso que o rádio ocupava essa atenção antigamente, claro que ficou muito mais radical com o celular. Me policio, conscientemente ando tirando o celular da minha vida cotidiana, como por exemplo, ao dormir. Esses dias não pude usar o celular no transporte, e me fez muita falta, embora antigamente usava jornais, revistas e livros. Agora, precisa traçar um ponto de até onde o celular é bom e substitui o jornal e rádio que se utilizava antigamente e onde ele é prejudicial. Entendo bem a questão das redes e tirar ele delas. O nome nomofobia é engraçado, mais um barbarismo por conta do móbile que já está introduzido.

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  2. Essa mal está cada vez mais presente em nossas vidas e atinge a todos realmente... Constatar isso é o óbvio mesmo, mas o que assusta realmente é ver o quão pouco é discutido. Quero ler o livro Nação Dopamina, já leu?

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  3. Eu ouvi no carro Guerra e Paz, Os Irmaos Karamazov, dentre muitos outros ( agora estou ouvindo Em busca do tempo perdido), tudo isso nos 20 minutos até o trabalho. O aprazeiramento, obvio, não é autentico, mas livros que você só precisa conhecer superficialmente, vale a pena...

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  4. Alias, sobre o livro do Proust, entendo que
    um operário consciente lê com imensa repugnância a obra de Marcel Proust, por reconhecer nela uma Burguesia rentista, a tentar, canhestramente, imitar a lordice afetada da Corte, e, ao final, só pode concluir que Stálin matou foi pouco.

    Ainda mais ao compreender, nesta época, a mesma burguesia, agora vitoriosa e hegemônica, ancorada na majestade que a si mesmo se atribui.

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