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20 de julho de 2024

Lênin contra cancelamentos

Logo após a Revolução Russa de 1917, um dos debates que tomou conta do partido bolchevique envolvia a necessidade da construção de uma cultura proletária. Uma proposta que pretendia negar radicalmente a “decadente cultura burguesa”. Tudo o que representava aquilo que a revolução havia derrotado deveria ser simplesmente substituído pela “cultura proletária” ou “Proletkult”.

Lênin era frontalmente contrário a essa política e escreveu uma proposta de resolução intitulada “Sobre a Cultura Proletária”. Publicado em 9 de outubro de 1920, um trecho do texto afirmava:

O marxismo ganhou seu significado histórico universal como a ideologia do proletariado revolucionário porque não rejeitou de forma alguma as conquistas mais valiosas da época burguesa, mas, ao contrário, assimilou e reformulou tudo o que era de valor em mais de dois mil anos de desenvolvimento do pensamento e da cultura humanos. Somente o trabalho posterior nessa base e nessa direção, inspirado pela existência prática da ditadura do proletariado como a luta do proletariado contra toda exploração, pode ser considerado como o desenvolvimento de uma cultura verdadeiramente proletária.

A resolução foi aprovada pelo 1º Congresso de Toda a Rússia da Proletkult, realizado em outubro de 1920. Mas essa elaboração acabaria sendo derrotada na década seguinte pela imposição do realismo socialista. Uma concepção grosseira, parte integrante da onda contrarrevolucionária que tomou conta da sociedade soviética.

De qualquer modo, é importante lembrar como Lênin concebia a forma dialética em que o velho e o novo se relacionam. Afinal, se o principal líder de uma ruptura radical como a revolução bolchevique era contra cancelamentos, quem somos nós pra dizer o contrário.

Leia também: Lênin, ocupado demais fazendo a revolução

4 comentários:

  1. Tema recorrente no debate da esquerda. Lênin mais uma vez estava certo. Serginho, sei não, não conheço bem essa cultura do cancelamento que hoje em dia falam muito, o cancelamento da cultura burguesa me parece algo muito mais abrangente e complexo do que esse cancelamento de um e outro que propõem hoje em dia. Se for só pelo cancelamento em si, ou seja, a palavra, acho que poderia ser comparado.

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    1. Foi mais pra tentar dar uma graça no final do texto. Mas parece que não ficou bom. A tal cultura do cancelamento me parece apenas uma forma de impedir o debate no âmbito das redes virtuais e meios de comunicação. A proletkult era uma proposta de política de estado que depois, com o stalinismo, viria a ser adotada. De qualquer maneira, tanto uma como a outra, me parecem formas de combate ideológico que tentam eliminar as mediações dialéticas necessárias em qualquer debate que não envolva o combate direta ao fascismo.

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  2. Eu não sei se estou falando bobagem mas eu tô assistindo a série Kleo e fico triste como a cultura pop deturpou ao longo desses anos as ideias do Lênin. Na série, o avó da Kleo dá a ela um livro cuja capa está escrito em letras maiúsculas apenas "Lenin" e diz que gostaria que ela lesse. Mas, a esta altura, anos 80, na Alemanha Oriental, as ideias do camarada parecem bem longe do que está rolando no mundo. Enfim, parece que as ideias do camarada foram muito cedo esquecidas, vide a Proletkult que eu desconhecia e fiquei sabendo pelo seu texto. Tô sempre por aqui lendo você, viu? Saudades! Abraço!

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    1. Oi, Karina. Que legal ter sua "audiência". Tem um monte de coisa nisso tudo. Uma delas foi o stalinismo transformar as ideias de Lênin e Marx numa espécie religião de Estado. Outra é a própria ideologia burguesa se utilizando disso pra deturpar tudo ainda mais. Fora o desprezo de Putin, que considera Lênin quase um traidor por desagregar o antigo império russo. Saudades, também. Abraço

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