Há uma série da TV Apple, chamada “Ruptura”, cuja sinopse oficial diz o seguinte: “Mark lidera uma equipe de funcionários cujas memórias foram cirurgicamente divididas entre vida profissional e pessoal...”.
A ideia pode render bons desdobramentos em termos de entretenimento. Se a pretensão, porém, é representar uma situação aflitiva, talvez não seja muito convincente. Afinal, tudo o que a maioria de nós desejaria é sair do trabalho e esquecer suas tarefas e responsabilidades. Mas isso não só não acontece, como cada vez mais nossa vida privada é invadida por incessantes demandas profissionais. Corpo e mente perseguidos e exauridos até muito depois do horário de trabalho.
Trabalho remoto em tempo integral e semanas com apenas um ou meio dia de folga vêm se tornando regra para muita gente. Seja trabalhando para desumanos empregadores humanos, seja para aplicativos transformados em capatazes cibernéticos. Ao mesmo tempo, nada nesse esforço todo garante a estabilidade da atividade ou melhor remuneração. Mudanças cada vez mais rápidas nos processos produtivos tornam descartável, barateiam e desqualificam nossa força de trabalho.
Por outro lado, talvez a série pudesse até servir como metáfora sobre a alienação do trabalho sob o capitalismo. Um fenômeno que está longe de ser recente, mas que nem por isso perdeu sua força, aprofundando a fragmentação e esvaziando de sentido a imensa maioria dos processos laborativos. Revelando a fissura entre aquilo que somos e o que fazemos. O primeiro sendo escravizado pelo segundo.
Mas ruptura pra valer é a que teríamos que construir em relação ao poder do capital. E os caminhos para isso não estão disponíveis em nenhum streaming.
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