Doses maiores

5 de fevereiro de 2014

O fetichismo da mercadoria sobre rodas

O domínio do automóvel nas grandes cidades brasileiras pode servir como um grosseiro exemplo do que Marx chamou de fetichismo da mercadoria.

O grande revolucionário alemão criou esse conceito para tentar explicar o caráter mistificador da economia capitalista. Uma forma de produção em que as relações humanas são cada vez mais intermediadas pelas coisas. Mais especificamente, pelas mercadorias. São elas que têm uma vida social, enquanto nós somos meros portadores de suas marcas, especificações, cores, modelos.

No caso dos automóveis, basta olharmos para os gigantescos engarrafamentos urbanos. Milhões permanecem sentados por horas em suas bolhas de metal, lado a lado, sem se comunicar. Um ralo diálogo só ocorre pelos sinais emitidos por faróis, lanternas, buzinas ou por uma mímica cheia de insultos. Qualquer proximidade será mero acidente. Literalmente. São aqueles momentos em que a integração finalmente acontece através de mortes e mutilações mutuamente causadas.

A inversão típica do fetichismo mercantil também se manifesta na relação com os pedestres. São estes que devem tomar cuidado com os automóveis e não o contrário. Ninguém reduz a marcha, mesmo que ameace esmagar com uma tonelada de aço e ferro os 80 kg de osso e carne de um infeliz caminhante distraído. Pior que isso. Ninguém se pergunta por que usamos tanta energia para colocar em movimento uma tonelada de minério fundido com o objetivo de transportar 70 kg ou 80 kg de vida frágil e perturbada.

O fetichismo da mercadoria dá a ilusão de que as coisas se movem sozinhas. É como se automovessem. Talvez, nem Marx fizesse ideia da encrenca que estava por vir.

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