Doses maiores

7 de fevereiro de 2017

Bem-vindos aos Campos de Descarregamento

“Não Verás País Nenhum” é um livro que Ignácio de Loyola Brandão lançou em 1981. Uma ficção científica catastrofista que se passa no Brasil do começo do século 21.

O tom geral é pessimista e, muitas vezes, profético. As tendências já estavam lá, nos anos 1980, mas a obra imagina seu agravamento. Por exemplo: 

...chegou o Tempo Intolerável. Não dava mais para se expor ao sol. Você saía à rua, em alguns segundos tinha o rosto depilado, a pele descascava, a queimadura retorcia. A luz lambia como raio laser.

Não estamos muito longe de sofrer esse tipo de ameaça diante do avanço do aquecimento global. Além disso, a floresta amazônica transformou-se em uma nova “atração turística”. A América do Sul ganhou seu próprio Saara.

Há também os “civiltares”. Uma milícia “estranha e misteriosa” criada pelo governo, com total liberdade para reprimir. Lembra alguma coisa?

O livro cita ainda era da “Grande Locupletação, quando o país foi dividido, retalhado, entregue, vendido, explorado”. Mas esta parece ter sido uma fase de nossa história que jamais terminou.

Outro elemento que chama a atenção são os “Campos de Descarregamento”. Neles, “bonecos de plástico, espuma ou borracha factícia pendem de travessões. O sujeito tem o direito de socar, xingar, insultar, gritar, cuspir, fazer xixi sobre os bonecos”.

Essas práticas “aliviam tensões reprimidas, atenuam o estresse, diminuem o nervosismo, combatem dor de cabeça, fadiga, relaxam...”, explica o narrador.

Mas quais seriam os Campos de Descarregamento de nossos tempos? Que tal as “redes sociais”? É nela que escolhemos os "bonecos" sobre os quais podemos despejar todo o nosso ódio sem experimentar alívio algum.

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