É costume definir guerra civil como um confronto entre cidadãos de uma mesma sociedade. Mas o que ocorre se as vítimas do conflito não são consideradas cidadãs?
Por exemplo, na antiguidade grega, quando cidadãos atenienses trocavam espadadas tratava-se de uma guerra civil. Mas essa classificação já não servia se a agressão partia dos cidadãos contra escravos ou estrangeiros.
Muitos séculos depois, essa regra continua valendo. Quando as vítimas são indígenas, negros, homossexuais, mulheres, pobres ninguém chama de guerra civil.
Mas e se universitários, profissionais liberais, pacatos frequentadores de restaurantes, enfim “cidadãos”, são agredidos apenas por usar roupas vermelhas? Aí, sim, é guerra civil.
O raciocínio acima serve para introduzir o que diz o professor de filosofia Pedro Rocha de Oliveira no interessante artigo “As razões do negacionismo: guerra civil e imaginário político moderno”.
Segundo Oliveira, o negacionismo não é uma recusa irracional de verdades estabelecidas. É uma postura ideológica compatível com as enormes contradições da sociedade contemporânea. Ele surge de um sistema social que se pretende justo, mas garante alguns direitos para uma minoria cidadã, enquanto castiga uma grande maioria marginalizada.
Diante de tanta disparidade, recusar fatos jornalísticos, evidências científicas, consensos historiográficos não é tão absurdo. Há muitos anos, Bolsonaro nega os crimes da ditadura. E suas promessas de matar “uns 30 mil” só escandalizavam quem estava distante das mortes violentas presentes no cotidiano da população pobre.
Quando o bolsonarismo toma como alvo aqueles tidos como esclarecidos e progressistas, fica oficializada a guerra civil. O problema é que dificilmente contaremos com grande apoio daqueles que já vinham sendo vítimas de uma guerra civil jamais declarada.
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