Doses maiores

27 de junho de 2014

A geopolítica invertida do futebol

Em “Veneno Remédio: O Futebol e o Brasil”, José Miguel Wisnik discute uma curiosa inversão entre o mundo do futebol e as relações de poder no mundo. Citando Pierre Brochand, ele nota que:

... o mapa geopolítico do futebol inverte em boa parte a ordem das potências econômicas: Estados Unidos e Ásia são “minipotências” periféricas, Europa e América do Sul são “as superpotências consagradas”, e a África, graças ao futebol e só nele, uma potência emergente inserida simbolicamente “no jogo mundial do poder e da influência”.

A Copa em andamento parece dar razão a esta observação. Caíram Inglaterra, Espanha, Itália, Portugal. Ficaram times como Colômbia, Costa Rica, Nigéria e Argélia. As antigas colônias desbancando ex-metrópoles.

Por outro lado, surpreendeu a classificação dos Estados Unidos. Afinal, em território estadunidense o futebol está longe de fazer sucesso. Um dos motivos para essa antipatia em relação ao esporte seria a anemia de seus números. Em 90 minutos de jogo, são, no máximo, cinco ou seis gols. Muito diferente da enxurrada de pontos dos esportes americanos favoritos.

Então, o que explicaria a evolução do desempenho ianque, além da ação do acaso, que é exatamente um daqueles atrativos do futebol que o público estadunidense não compreende? Difícil saber, mas será que a presença de sobrenomes como González, Rimando e Bedoya na seleção americana não ajudariam a explicar?

A classificação americana bem que poderia ser uma pequena vitória contra o racismo ianque. Se for isso, aplausos para a façanha. Mas, dentro do campo, pode parar por aí. Que a maior potência mundial recolha-se a sua merecida insignificância futebolística.

2 comentários:

  1. Sergio, estou para comprar este livro do Winsnik. Me agrada muito pessoas não ligadas diretamente ao futebol que escrevem sobre ele. Tenho um livro do Galeano "Futebol ao Sol e a Sombra" que é uma pérola.
    Não concordo com esta afirmação do Wisnik sobre a geopolítica do futebol. Os países africanos continuam mais ou menos na mesma neste final de século XX e início do século XXI. Alguns passam da fase de grupos e caem logo em seguida. Veja os dados desta copa: três ficaram (Camarões, Costa do Marfim e Gana); e dois passaram (Nigéria e Argélia). E provavelmente cairão logo em seguida. A novidade é a América do Sul, mas penso que possa pesar o fator local onde está sendo realizada a copa. Assim como ocorreu na Coréia e quando ocorre na Europa. A proximidade ajuda.
    Pensei que o livro do Wisnik fosse dos anos 90 quando teve um "boom" de países africanos realizando um bom futebol. Não é. Ele é de 2008. De lá para cá não vi nada de significativo no futebol Africano. Vou ver no livro qual a justificativa que usa para sua afirmação.
    Você parece sugerir uma decadência do futebol europeu quando afirma a queda de potências nesta copa. O futebol europeu continua sendo, e cada vez mais, uma superpotência no futebol. Ele pode até não ter os melhores jogadores, mas os melhores jogam lá. A potência econômica mantém isto. Mesmo assim, acho que a queda, mesmo no campo do futebol, é circunstancial e momentânea.
    Quanto aos Estados Unidos, para mim continuam na mesma. Ele surpreendeu em 2002 quando ganhou a Concacaf e chegou às quartas de final. Em 2006 foram eliminados na fase de grupos. Em 2010 passaram em primeiro na fase de grupos e caíram nas oitavas de final como devem cair agora. Jogadores estrangeiros quase todas as seleções tem e a USA também já teve.
    O que acho interessante analisar é a internacionalização do futebol sob o domínio do capital. Hoje não tem uma seleção que não tenha jogadores atuando no centro do futebol que é a Europa. Por isso que esta copa, países periféricos estão se saindo bem. Não existe mais seleção nacional, existem jogadores internacionais que estão atuando na seleção dos seus países. Você se arrisca a interpretar melhor isso?

    Abraço,

    Mario

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  2. Tá certo, Marião. Acho que é mais ou menos como você diz. O lance é que o Wisnik tá citando outro autor, que deve ter feito o raciocínio se referindo aos anos 90, mesmo. Realmente, um fenômeno mais recente é esta migração de talentos do mundo todo para o futebol europeu. Vários jogadores das seleções africanas jogam por lá, assim como da brasileira, que só tem um jogador do time titular atuando no Brasil. A própria desclassificação das seleções europeias seria um sintoma dessa incapacidade de se sustentar com “próprias” forças. Por isso, o descompasso que você apontou em que a Europa “pode até não ter os melhores jogadores, mas os melhores jogam lá”. É, parece que não existe mais seleção nacional, como você disse. Uma espécie de internacionalismo boleiro? Bom tema pra uma próxima pílula. Valeu!

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