Doses maiores

8 de junho de 2017

Infância (e adolescência) dos Mortos

Pixote cambaleia. Cai e torna a levantar, dá mais algumas passadas como se não soubesse em que direção estava se dirigindo, torna a cair. Dito está com as pedras nas mãos, sem saber em quem jogá-las.

— Atiraram em Pixote! — diz Fumaça, alarmado.

Dito sabe que não pode perder a calma. Sente a cabeça esquentar.

— Vamos embora, antes que nos peguem!

Os três saem correndo, agachando-se o mais que podem. Outros tiros são disparados, mas ninguém está ferido, Dito chega perto de Pixote. Ele tem os olhos abertos, filetes de sangue a escorrerem do pescoço. A mão amarela se abriu, com as flores murchas que ia levando para Estrelado.

O trecho acima é do livro “Infância dos mortos”, de José Louzeiro, publicado pela primeira vez em 1977. Os personagens são crianças de rua. O mais famoso deles é Pixote, cujo nome batizou um filme de grande sucesso de Hector Babenco, lançado em 1980.

Muitas décadas depois, pouca coisa mudou. Ao contrário, o relatório “Violência Letal Contra as Crianças e Adolescentes do Brasil”, publicado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais em 2013, mostra que só naquele ano, foram 10.520 vítimas dessa faixa etária. Quase 29 por dia.

De 1980 a 2013, foram assassinados 207.438 crianças e adolescentes até 19 anos de idade. Entre estes, estava Fernando da Silva Ramos, o ator que interpretou o “Pixote”. Foi morto pela polícia em 1987, meses antes de completar 20 anos. Ainda vivia na favela em que nasceu, na cidade de Diadema, grande São Paulo.

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