Doses maiores

16 de fevereiro de 2012

Sem tempo até pra matar o tempo

Muitas vezes, nem durante um feriadão, a sensação de dispor de tempo livre é convincente. Aparentemente, trata-se de um fenômeno moderno. É o que diz Olgária Matos, filósofa e professora aposentada da USP. Em entrevista concedida a Thiago Domenici, em 2007, ela fala sobre a noção de tempo:
Vamos supor: como era a sobrevivência na Idade Média? Era, sobretudo, no campo, então você tinha que seguir as estações do ano, as colheitas, a plantação, o tempo de trabalho não se sabe exatamente, mas a média devia ser umas quatro horas por dia, no máximo. Era um tempo qualitativo, porque você seguia aquilo que era da natureza das coisas. Por exemplo, trabalhar antes do nascer do sol ou depois do pôr-do-sol era considerado imoral, era pecado, porque você desafiava a ordem da criação.

Com o advento da luz elétrica, no século 19, o dia passou a ter 24 horas, o trabalho noturno entrou com uma voracidade de consumir todas as forças do homem, até o fim – isso foi o capitalismo do século 19, e está voltando. Antes tinha um tempo na Grécia, em Roma, na Idade Média e nas religiões que era um tempo livre, mas o que era o tempo livre? Era um tempo totalmente autônomo com relação às necessidades materiais da sobrevivência, um tempo que você dedicava à contemplação, por mais indefinida que pra nós seja essa palavra contemplação. Você não se entretinha com nada que dissesse respeito à materialidade da vida, era a liberdade absoluta.

Hoje não temos mais essa idéia de tempo livre, já é preenchido de coisas, então você tem um tempo inteiramente espacializado, não é mais qualitativo, ele não diz respeito a propriedades representativas de um acontecimento, de uma pessoa ou de um desejo. Essa idéia de que você não tem tempo é a forma mais perversa da alienação. Marx já dizia isso, a forma mais perversa não é a alienação do trabalhador com relação ao produto do seu trabalho e ao sentido do trabalho, é a alienação do tempo, você não ser senhor do seu tempo, você é determinado pelo tempo das coisas e não escolhe mais a sua vida.

É o que está acontecendo hoje. Você vê, por exemplo, que um empresário trabalha 24 horas e não pára um segundo – esse empresário na visão de um homem da Idade Média vive pior do que um servo da gleba. São mutações na experiência do tempo e na maneira de vivenciá-lo.
Arranje um tempo e leia a íntegra da entrevista no site http://www.notaderodape.com.br.

Leia também: Férias sem direito a preguiça

3 comentários:

  1. Alô Sergio,bom dia!O negócio é que existem vários tempos no tempo e a maneira de senti-lo vai além do relógio,da geografia,da realidade que te cerca ou da nomeclatura da época em que vc vive.
    Sem querer parecer soberba,veja,por exemplo,o meu "tempo".Moro numa cidade tão pequena que,ás vezes,se tem a sensação de estar num universo paralelo,mas,acordo ás 5 da matina,tenho um trabalho braçal do cão,já que moro em casa com quintal,árvores que crescem e derrubam folhas e galhos,não se esqueça das calhas e caixas d'agua,fogão a lenha com lenha que precisa ser empilhada e cortada,10 cachorros cujos intestinos funcionam,no mínimo,3 vezes ao dia,uma casa com todos os afazeres que qualquer casa tem,um filho adolescente,2 faculdades em curso,trabalho fora,vivo dando pitaco no blog dos outros,não tenho ninguém que me pegue nem um copo d'agua quando a sede aperta e,normalmente,ainda morro de tédio com tanto tempo que me sobra!
    O tempo,é pessoal,intransferível,sonolentamente previsível e tão mutável quanto nossos humores!Abraços e aproveite seu tempo,Anna Kaum.

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  2. Tem razão, Anna. Mas seu tempo pessoal é bem pessoal, mesmo, né? Valeu pelo comentário. Pode continuar com os pitacos e algo mais.
    Bração!

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