Doses maiores

21 de maio de 2020

A pandemia e a dose necessária de pessimismo inteligente

A frequente comparação das consequências do coronavírus com aquelas da Segunda Guerra Mundial são simplesmente descabidas. Pois se acerta na constatação de que o Estado é tragado pelo espaço vago deixado pelo mercado, ignora um fator crucial para os efeitos distributivos de uma maior participação estatal na economia. A saber, a correlação de forças entre os grupos sociais em conflito. Em 1945, a União Soviética despontava como potência global, os operários fabris constituíam parcela importante dos trabalhadores europeus, se organizavam em grandes sindicatos e faziam greves regulares, e os partidos comunistas e social-democratas estavam entre as principais forças políticas do mundo ocidental. A formação dos Estados de bem-estar não era resultado exclusivo de programas de investimento público coordenados pela burguesia.

O coronavírus, por sua vez, não parece capaz de alterar a correlação de forças por trás da nossa ortodoxia econômica. Ao contrário, o que temos visto é a ampliação de índices já elevados de desemprego, o aprofundamento da flexibilização das legislações trabalhistas e o rebaixamento das expectativas dos trabalhadores quanto ao escopo dos direitos que podem reivindicar e ao futuro com que podem sonhar. A pandemia tem provocado mortes, doenças, confinamentos. Pouco mais que isso.

O trecho acima é apenas uma amostra do artigo “O vírus e a ilusória redenção automática”, de Philippe Scerb, publicado aqui. A leitura integral é altamente recomendável.

Basicamente, o autor está tentando desenganar aqueles que contam com a pandemia para desmascarar as políticas neoliberais, desmoralizar as classes dominantes e despertar a resistência dos explorados.

Falta ao texto apontar propostas mais concretas, mas oferece a dose necessária do imprescindível pessimismo da inteligência.

Leia também: Na guerra contra o vírus, não estamos todos do mesmo lado

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