Doses maiores

16 de agosto de 2021

A alforria como engrenagem da escravidão

Segundo o livro “Escravidão”, de Laurentino Gomes, a alforria serviu como peça importante do sistema escravista no Brasil.

O autor explica que para conquistar sua liberdade, a pessoa escravizada “precisava trabalhar muitas horas para acumular uma poupança, contar com a solidariedade de padrinhos, parentes e amigos ou de instituições de apoio mútuo, como as irmandades religiosas”.

Mas mesmo depois da conquista da alforria, dispositivos legais previam sua revogação imediata “por ingratidão”. Além disso, os libertos continuavam a ser considerados estrangeiros. Com base nesse conceito, muitos foram expulsos do país após a Revolta dos Malês ocorrida na Bahia, em 1835.

Por outro lado, Gomes cita o historiador Donald Ramos, segundo o qual a “alforria foi, ironicamente, um dos mais importantes pilares do regime escravocrata”. “Essencialmente, ela representava uma recompensa pelos serviços prestados e pela aceitação dos valores fundamentais do mundo luso-brasileiro”, escreveu ele.

Em alguns casos, o escravo podia fornecer outro cativo como pagamento pela própria liberdade. Em 1783, o mosteiro beneditino do Rio de Janeiro vendeu a alforria para quatro de seus cativos e, com o dinheiro da transação, comprou outros sete escravizados, pagando por eles um valor médio inferior ao dos alforriados.

Os chamados “escravos de ganho” eram aqueles que vendiam ou prestavam serviços pelas ruas das cidades. Eles repassavam parte dos ganhos para seus senhores e poupavam para comprar sua liberdade.

Esses exemplos mostram como a prática da alforria acabava por alimentar a própria engrenagem da escravidão, em vez de reduzi-la. Além do mais, foi utilizada para alimentar o mito de uma escravidão mais branda no Brasil. Voltaremos a isso na próxima pílula.

Leia também: O papel da alforria no sistema escravista brasileiro

2 comentários:

  1. Informações impressionantes. Lembrei da "ditabranda" da FSP. No Brasil tudo é mais brando, ditadura, escravidão etc.

    ResponderExcluir