Doses maiores

16 de agosto de 2023

Bibliotecárias a cavalo pelos rincões estadunidenses

Um pequeno exército de cavalos e mulas aventurava-se todos os dias pelas encostas e desfiladeiros dos montes Apalaches, com os alforjes carregados de livros. A maioria das montarias carregavam mulheres. Eram bibliotecárias a cavalo. Amazonas das letras. Circulavam por lugares como o interior do Kentucky, com seus vales isolados, habitados por famílias pobres.

Elas participavam de um projeto federal que era parte do New Deal, programa criado pelo governo Roosevelt, em 1933. O objetivo era combater o desemprego e outras mazelas econômicas causadas pela quebra das bolsas de 1929. Mas entre as prioridades do programa estava a diminuição do analfabetismo através de amplas doses de cultura financiada pelo Estado.

Era um serviço público que buscava favorecer a leitura nas regiões mais remotas do país. Obras clássicas puseram leitores novatos em contato com um tipo de magia que sempre lhes tinha sido negado. Os estudantes liam-nos aos seus pais analfabetos. Um jovem disse a uma das bibliotecárias: “Os livros que nos trouxeste salvaram nossa vida”. O programa empregou quase mil bibliotecárias durante uma década. O financiamento terminou em 1943, quando o programa foi encerrado e a Guerra Mundial substituiu a cultura como antídoto face ao desemprego.

As informações acima são do livro “O infinito num junco”, de Irene Vallejo. Com certeza, um relato bonito. Mas que também mostra o tamanho do impacto da crise econômica dos anos 1930 nos Estados Unidos e a ameaçadora sombra da Revolução Russa, que, quase duas décadas depois de sua eclosão, ainda apavorava as burguesias no mundo todo.

Livros salvam vidas, sem dúvida. Mas, neste caso, ajudaram a salvar o capitalismo também.

Leia também: Os fios de Penélope, Ariadne, Xerazade, Irene...

3 comentários:

  1. Não poderia deixar de comentar essa Pílula sendo que foi uma solicitação minha. Existem momentos na vida em que eu me desprendo do país, dos seus interesses obtusos e tudo mais. Esse "galope" das mulheres procurando levar livros e cultura para locais em que não chegava nada, me faz ver quase só isso, elas na sua bela missão e a mudança na vida dos colonos.

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    1. Sim, bonito, mesmo. Mas não consegui deixar de pensar que o capitalismo só permite coisas bonitas assim quando está sob forte pressão de seus próprios limites. Não á toa, o mesmo estado que promoveu isso viria a usar a bomba atômica 10 anos depois. Valeu!
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