Doses maiores

4 de novembro de 2016

A universalidade muito particular da Universal

Esclarecedora a entrevista com Ricardo Mariano, publicada hoje no Globo. Autor do livro “Neopentecostais”, ele analisa a recente eleição de Marcello Crivella no Rio.

Para começar, Mariano afirma algo que deveria ser óbvio sobre os eleitores do novo prefeito:

Não dá pra pressupor que se trata de 40 milhões de evangélicos que seguem seus pastores como se fossem gado, como se fossem um rebanho acrítico. Esse pessoal filtra, reinterpreta e seleciona certas coisas, como em toda religião.

Menos óbvio é o que ele afirma sobre a igreja de Crivella: “A Universal tem um projeto flexível de poder”. Segundo ele, a organização de Edir Macedo:

...é muito diferente das demais pentecostais, ela não é sectária. É uma igreja que abraça os bens materiais, a prosperidade, e que prega que as coisas boas deste mundo devem ser aproveitadas pelos fiéis. Se dar bem neste mundo é algo altamente positivo na teologia.

Além disso, Macedo teria dado declarações a favor do aborto, devido a “um excesso de pobres”. E teria dito que “há espaço” para os gays em sua igreja, ainda que continuem a ser pecaminosos.

Ou seja, fica claro que há um projeto conservador em andamento. Mas voltado à defesa específica dos interesses das forças envolvidas que a eleição de Crivella representa.

O que mais importa nessa entrevista é entender que todo esse processo diz respeito à boa e velha “disputa de hegemonia”. Mais precisamente, trata-se de tornar universal o que não passa da defesa mesquinha de interesses particulares. Algo a que se dedicam todas as facções da classe dominante.

A propósito, a palavra grega para “universal” é “katholikos”...

Um comentário:

  1. Ninguém nas jornadas de Junho tinha lutado com mais fanatismo pela salvação da propriedade e pelo restabelecimento do crédito do que os pequenos burgueses de Paris: donos de cafés, de restaurantes, taberneiros, pequenos comerciantes, merceeiros, artesãos, etc. A loja unira-se e marchara contra a barricada para restabelecer a circulação que vem da rua para a loja. Atrás da barricada, porém, estavam os clientes e os devedores, à frente dela encontravam-se os credores da loja. E quando as barricadas foram derrubadas e os operários esmagados e os donos das lojas, ébrios com a vitória, se precipitaram para as suas lojas, encontraram a entrada barricada por um salvador da propriedade, um agente oficial do crédito, brandindo-lhes as mensagens ameaçadoras: Letra vencida! Renda vencida! Hipoteca vencida! Loja vencida! Lojista vencido!
    Karl Marx - As Lutas de Classes na França de 1848 a 1850

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