Doses maiores

26 de maio de 2023

Ciência e fake news: eugenia e negacionismo

A pílula sobre a relação entre a ciência e as fake news abordou algumas contradições e equívocos de uma referência importante como o Prêmio Nobel. Mas não é só isso.

É importante destacar a legitimação científica da eugenia. Por décadas, cientistas respeitáveis defenderam que a perfeição de nossa espécie seria garantida pela eliminação física ou seletiva de seres humanos sem certas qualidades e atributos que, não por acaso, combinavam perfeitamente com as que possuíam cientistas europeus e anglo-saxões.

Médicos fizeram propaganda dos benefícios do cigarro até os anos 60. Cientistas financiados pela indústria petroleira negaram o aquecimento global. Mulheres e não brancos só recentemente foram incluídos nos grupos a serem contemplados por análises clínicas.

Outro elemento importante é a própria especificidade da atividade científica, com suas certezas provisórias e sob constante debate e escrutínio. Algo perfeitamente legítimo, não fosse o isolamento das universidades, abertas apenas aos filhos da classe dominante e com raros egressos das camadas populares. O mesmo vale para as ciências humanas, mais acessíveis aos de baixo, mas ainda muito seletivas e sujeitas a fortes pressões de mecanismos de cooptação social.

É importante lembrar também as centenas de acadêmicos que escrevem diariamente nos grandes jornais para defender a economia neoliberal como ciência exata, inimiga de quaisquer ponderações sobre os terríveis efeitos sociais das políticas nela inspiradas.

Finalmente, junte-se a tudo isso a redução das políticas educacionais a técnicas de adestramento da população pobre para desempenho de tarefas braçais, alienadoras e mal pagas.

Eis aí, alguns dos principais ingredientes para a ampla aceitação de negacionismos e notícias falsas a serviço de projetos conservadores e fascistas.

Leia também: Como combater as fake news: a ciência segundo o Nobel

3 comentários:

  1. Discussão complicada mesmo, pensando... Cientistas e médicos realmente não estiveram a serviço da ciência, entendendo essa como busca da verdade. Estiveram muito vezes alinhados aos seus interesses econômicos e à sua ideologia de classe. Agora, ciência é algo a se perseguir, negando obviamente a sua negação (dupla negação?), sabendo que podem não estar do lado de alguns cientistas, mas na disputa da busca da verdade entre eles, e, porque não dizer, entre nós.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olha, Marião, aí acho que ajuda aquela distinção que Marx fazia entre ciência e apologética. Veja o trecho abaixo: "Marx situa os pensadores que examina, de maneira geral, nesses três campos: os grandes cientistas, como Adam Smith e David Ricardo; os vulgarizadores, como Jean-Baptiste Say; e os apologéticos, como Thomas Robert Malthus. Mas não deixa de apontar compreensões ou teses vulgares nos autores responsáveis pelas mais importantes descobertas da ciência econômica, como Smith, do mesmo modo que identifica contribuições pontuais ao estudo do capital em escritos de Malthus..." (https://filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp.br/files/posdoc/projetos/Projeto_Vera%20Cotrim.pdf)

    Seu comentário mostra que é o caso de tentar fazer uma pílula sobre isso também. Valeu!

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