Doses maiores

16 de janeiro de 2014

Não aprendemos nada com as manifestações de junho?

Os “rolezinhos” nos shoppings são a onda do momento. Os proprietários e as autoridades estão preocupados. Jovens pobres e negros devem ir ao shopping em pares românticos ou em turmas de até meia-dúzia. Mais que isso, é baderna, arrastão, ameaça ao patrimônio e à segurança. Esta é mais uma das regras de nossa sociedade desigual e racista. Ela, que era silenciosa até dias atrás, resolveu gritar.

Os donos do poder e seus hóspedes já estão se mexendo. Seguranças privados e a PM promovem arrastões para retirar as turmas da periferia dos shoppings. Seus proprietários afirmam que conseguiram que o Facebook tirasse do ar convites para rolezinhos em São Paulo. A Justiça legalizou o apartheid ao conceder liminares contra a promoção do evento em shoppings.

Dilma encomendou diagnósticos sobre o movimento. Haddad está atrás de representantes do movimento para negociar. O objetivo é convencê-los a parar de incomodar os ricos.

E nós, da esquerda, o que estamos fazendo? Em São Paulo, entidades do movimento negro promoverão um rolezinho contra o racismo no Shopping Iguatemi, em 18/01. O Secretário Nacional de Juventude da CUT escreveu artigo defendendo o movimento. Zé Maria de Almeida, da CSP-Conlutas, e Luciana Genro, do PSOL, escreveram textos no mesmo sentido.

São iniciativas boas, mas fragmentadas. É hora de organizar um mutirão das forças de esquerda contra essa onda de repressão. De apoiar os jovens socialistas, anticapitalistas, anarquistas. Eles são apenas grandes vítimas da sociedade que queremos derrubar. É o bastante para merecer nosso apoio. Sem oportunismo e com muito respeito. É isso ou não aprendemos nada com as jornadas de junho.

5 comentários:

  1. Olá Sérgio, tudo bem?

    Cheguei ao seu texto através de uma publicação da minha colega de curso na UFRJ e, talvez porque toda a minha indignação esteja reprimida há alguns dias por conta deste assunto, e eu decidi escrever um pouquinho aqui, e eu me estenda mais do que deveria.

    Antes de qualquer coisa, vou me apresentar: tenho 33 anos, sou nascida e criada no Heliópolis, conhece? Na região do Ipiranga em São Paulo. Se você não conhece, é a maior favela ou, como eu gosto de falar, comunidade da cidade e rivaliza com a Rocinha, no Rio de Janeiro, no quesito tamanho no Brasil. E se, de uma forma politicamente incorreta, pudéssemos definir lados diferentes deste assunto, eu certamente não estaria ao lado destes jovens. E consigo te explicar o porque de forma muito direta.

    Como eles eu também tive sérias restrições a equipamentos e opções de lazer. Mas ouvi dizer na minha escola que a biblioteca pública, que fica até hoje a 4 km da casa da minha mãe, o que equivalia também a uma passagem de ônibus na época (duas hoje), poderia me emprestar livros de graça. Tive restrições de acesso a parques, piscinas, clubes, mas fui educada pelos meus pais a sempre, em todos os momentos, respeitar o espaço e o direito dos outros. Fiz esta pequena introdução para chegar a um ponto que eu acho o mais importante: o problema não está nos "rolezinhos" e sim, no comportamento de certos participantes deste evento.

    Entendi que você fez um contraponto entre os "flash mobs" e os "rolezinhos". Tratam-se de coisas diferentes. E pobre e preto também participa de flash mob, mas, como você deve saber, estes são eventos que tem duração determinada, um objetivo claro - seja uma coreografia, uma encenação - e um final ordenado, sem que absolutamente nada ao redor tenha sido danificado. O que não vem acontecendo com a nova "forma de lazer da periferia".

    Ao contrário do que muita gente pensa, o consumidor e frequentador médio do Shopping Metrô Itaquera, do Shopping Internacional Guarulhos, Mauá e afins, passa pelas mesmas dificuldades e tem tanto problema de acesso a cultura e ao lazer quanto esses jovens. E busca esses centros comerciais justamente como uma forma deste lazer. Esta pessoa, que paga impostos e trabalha para sobreviver, merece tanto quanto eu, você, ou qualquer pessoa, ver a sua vitrine, ir ao seu cinema, comer o seu Mc Donald's no sossego, na paz.

    Aproveitando o comentário infeliz de um jornalista da Folha de São Paulo, que, criticando a ação da PM, declarou que somente "uns poucos furtos" tinham acontecido no último sábado em Itaquera, eu pergunto: quantos furtos são necessários para que uma sociedade se indigne com um determinado comportamento? Eu entendo que furto, roubo, baderna é inadmissível em qualquer situação. Intimidação a famílias que estão passeando em seu dia de folga é crime sim e merece uma atitude da segurança do empreendimento, da polícia, do poder público.

    Qual o direito destes jovens de ferir o direito destas pessoas de ir, vir, e ter sossego? Recentemente, o Sr. Prefeito Fernando Haddad vetou um projeto de Lei que permitiria à polícia apreender veículos que estivessem importunando a vizinhança com o seu som de baile funk e a citar judicialmente o seu proprietário. Reflexo destas manifestações recentes. Que muito provavelmente começaram a acontecer depois que o mesmo Prefeito sancionou a Lei que proibia a realização de bailes funk no meio da rua, em bairros da periferia. E eu aproveito para perguntar: e o motorista de ônibus que mora ao lado de um bar, não vai dormir direito a noite e no dia seguinte, colocará em risco a vida de centenas de pessoas por não ter descansado adequadamente? E a mãe, com seu recém nascido, que simplesmente não dorme e vai crescer com problemas de concentração e talvez até desenvolver uma tendência a ter problemas de cefaleia, distúrbios do sono, e por aí vai em sua vida de jovem e adulto, eles não merecem dormir em favor de um direito ao lazer de pessoas excluídas pelo sistema? Isto está errado. Todos ali são excluídos.

    ResponderExcluir
  2. Continuando...

    Não podemos descontar a ineficiência do Estado prejudicando toda uma sociedade. Não devemos utilizar estes "rolezinhos" como uma manifestação reacionária contra a exclusão do pobre pelo rico, porque na verdade, toda esta questão só tomou esse viés agora, com a publicação desta Liminar do JK Iguatemi e não se trata disso. Acredito que 99% daqueles jovens estão ali sim apenas para curtir. Mas também acredito que isso pode acontecer em outro lugar. Pode acontecer de uma forma tranquila, sem prejudicar ninguém. Ou você acha que a comissão dos muitos vendedores das lojas destes shoppings, que provavelmente moram no mesmo lugar de todo esse pessoal, não serão afetadas no final do mês?

    E o que vem depois? Os black blocs vão se juntar neste "protesto"? Antes de tudo, precisamos ter cuidado ao invés de sair "tachando" tudo.

    ResponderExcluir
  3. Entendo suas preocupações, Isabel. Eu teria muitas coisas para te dizer. Mas só diria o seguinte. Pessoas resolveram curtir. Foram recebidas a pauladas. Agora já não querem curtir. Querem se impor. Não somos nós, pobres comentadores, que provocamos tudo isso. Nem seremos nós que pioraremos as coisas. Foram e são os porcos que mandam em nossas vidas, e que não estão só nos governos. Sei que não respondi suas inquietações. Mas ninguém vai.
    Obrigado por escrever.
    Abraço

    ResponderExcluir
  4. Sérgio, tenho certeza de que você tem muitas coisas para me dizer. E essa questão está se parecendo muito com o dilema sobre quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha. Sei que você não vai responder às minhas inquietações e nem esse era o objetivo. Apenas utilizei este canal para externar muitas coisas que vinham ocupando a minha cabeça e que eu não estava conseguindo canalizar de uma forma só. Mas os organizadores do rolezinho precisam sim tentar "avaliar" quando as pauladas foram distribuídas no primeiro evento, no dia 07 de dezembro. Conheço pessoas que estavam lá naquele momento e que me contaram, com uma riqueza impressionante de detalhes, como tudo aconteceu.

    Abraço,

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Isabel, não acho que seja uma questão de ovo e de galinha. Para mim, o preconceito vem bem antes. Mas eu entenderia melhor seu ponto de vista se você contasse que relatos chegaram a você.
      Abraço

      Excluir