Doses maiores

16 de abril de 2015

O Cristo laico de um Estado catequizado


  Pedro Américo
Em tempos em que a bancada da Bíblia tenta catequizar o Estado e a vida pública, vem aí o feriado não religioso de Tiradentes.

Ou não?
        
O Estado laico nasceu entre nós por meio dos positivistas, que proclamaram a República de cima para baixo. A Constituição que aprovaram assegurou que o Estado deveria ser indiferente à fé escolhida pelas pessoas. Um avanço, sem dúvida. Mas como muitos outros, destinado a ficar no papel.

Não demorou muito para que o novo regime inaugurasse um culto laico. Tiradentes foi enforcado careca e sem barba, como era costume na época. Mas muitas das pinturas do período republicano que retratam sua execução deram-lhe longa cabeleira e barba. Era o Cristo laico dos positivistas.

Em “O Precursor”, de Pedro Bruno, Tiradentes lembra Cristo diante de um frade que porta um crucifixo. O carrasco curva-se como a pedir sua bênção. Décio Villares retrata um Tiradentes muito semelhante às imagens de Cristo. “Leitura da Sentença”, de Eduardo de Sá, mostra um altar com velas e o crucifixo com Jesus Cristo.

Em “Tiradentes Esquartejado”, de Pedro Américo, a cabeça decepada parece estar cercada por uma aureola. Um crucifixo repousa a seu lado e a posição do torso mutilado lembra a “Pietà”, de Michelangelo.

A vedação de relações entre Estado e cultos religiosos ou igrejas foi confirmada pela atual Constituição. Mas seu preâmbulo diz que foi promulgada “sob a proteção de Deus”.

Eis porque jamais faltaram crucifixos e imagens católicas em tribunais, parlamentos e repartições. Aos cultos afro-brasileiros nunca foi permitida liberdade semelhante. Ao contrário, são alvo da mais dura discriminação e repressão oficiais.

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