Doses maiores

12 de dezembro de 2022

O que era pra ser nunca deixou de ser o que é

O que era pra ser eleições diretas, em 84, tornou-se eleição indireta, em 85. O presidente deveria ser o opositor Tancredo Neves. Acabou sendo seu vice, criatura da ditadura supostamente derrotada.

O que era pra ser uma anistia que faria justiça às vítimas dos generais ditadores, garantiu impunidade aos que as perseguiram e torturaram.

Era para ser uma nova constituição que assegurasse conquistas sociais. Muitas delas ficaram no papel, mas manteve-se a tutela militar sobre o poder civil.

Era pra ser Lula presidente em 89, representando uma década de lutas populares radicalizadas. O eleito foi um nordestino corrupto com o decisivo e fraudulento apoio da oligarquia sudestina.

Fracassada a aventura mafiosa collorida, o que era pra ser uma vitória eleitoral de Lula foi abortada pelo Plano Real. As perdas salariais foram congeladas e os conflitos sindicais neutralizados. A dívida externa transformada em dívida pública passou a saquear orçamentos como os da Educação, Previdência e Saúde. Bilhões de reais dos cofres públicos passaram a ser apropriados diariamente por rentistas nacionais e estrangeiros.

O PT só chegou ao poder após o neoliberalismo desarmar os movimentos populares e domesticar a esquerda institucional. O poder público transformado em dócil gerente da austeridade fiscal.

Todas essas contradições se acumularam até que a crise econômica mundial passou de “marolinha” a “tsunami”. E o que era pra ser Dilma reeleita, em 2014, tornou-se um golpe liderado por seu vice, em 2016.

Era pra ser Bolsonaro reeleito e o fascismo consolidado. Felizmente, Lula não permitiu. Mas continuamos dependendo do que era pra ser, enquanto as coisas nunca deixaram de ser o que são.

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2 comentários:

  1. Gostei, lembrei daquela música antiga esquecida na nossa memória que precisa de um empurrãozinho para aparecer. É a música gostosinha cantada pela Doris Day, "What will be, will be (Que sera, sera). A única frase que ela cantava e repetia em português era justamente a do título da música. Sim, a música é meio conformista, mas vejo nela também um pouco do que a vida pode nos oferecer. No caso do que essa Pílula apresenta, é que a vida nos ofereceu algumas oportunidades, e a gente não soube aproveitar, deixamos para o que a vida foi e foi. E será, será?

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    1. É a tal da história contracfatual, em que imaginamos uma história que seria diferente daquela que realmente ocorreu. Uma história alternativa. Mas também pretende ser uma denúncia da capacidade que as classes dominantes têm de aproveitar mesmo os momentos de crise mais aguda a favor de seus interesses.

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