Doses maiores

15 de janeiro de 2015

Ninguém deveria rir por último

Laerte vem sendo procurada pela grande imprensa para dar sua opinião em relação ao caso Charlie Hebdo. Em especial, sobre os riscos de fazer humor ofensivo e preconceituoso. Como respeitada cartunista e discípula de Wolinski, um dos mortos no massacre de Paris, ela é uma referência nesse tipo de debate.

Em seus depoimentos, Laerte vem citando uma frase do palhaço e empresário artístico Hugo Possolo: “Você pode fazer piada sobre qualquer coisa. O que importa é saber de que lado da piada você está”. Ou seja, diz Laerte, “toda piada é ideológica. Não existe piada só piada”.

Quem acredita em justiça social e respeito às diferenças deve fazer graça em favor dos explorados e ofendidos. Deboche só contra os poderosos.

Mas o humor também é lugar de invenção. É o que afirmou o antropólogo norte-americano Roy Wagner à Folha em 01/04/2012. Segundo ele:
 


O humor é uma forma de invenção. É um exercício de ver a partir de uma perspectiva e então se deslocar para outra repentinamente, com algo um pouco confuso. Uma piada inventa; ela usa a perspectiva para inventar.

Ora, rir dos ferrados somente acentua uma perspectiva que não inventa nada a não ser seres humanos diminuídos. É estéril porque faz graça da desgraça alheia.

Em uma sociedade justa o exercício do humor deve ser como uma longa conversa entre amigos. Daquelas que só se interrompem devido às imposições da vida prática, mas são retomadas com estoques renovados de prosa. No humor libertário não há lugar para quem ri melhor porque ninguém deve rir por último.

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3 comentários:

  1. Eu não sou Charlie.

    Com certeza a ação terrorista merece todo o repúdio.
    Por trás de radicalismos religiosos quase sempre há uma questão: a infelicidade humana. Quem está de bem com a vida dificilmente cederia ao apelo da ação radical violenta, mesmo que passasse desde a infância por um processo de lavagem cerebral. Os principais motivadores desta infelicidade são a carência, e exploração, econômica e a inércia de um processo de violência entre grupos humanos, que traz ódios e desejos de vingança de todos os lados.
    Como debate de ideias pregar contra uma, ou todas, as religiões, colocando-as como um problema, questionando seus fundamentos e suas origens, acho válido. Porém válido seria um artigo, um texto contendo argumentos razoáveis para o debate de idéias. Uma postura assim, além de ética, pode influenciar pessoas para que se afastem do radicalismo religioso. Porém, o trabalho dos chargistas da Charlie Hebdo não era neste sentido. Charges debochantes, e de um imenso um mal gosto. Parece até comediantes que perderam inspiração para fazer novas piadas, pelas quais são pagos, e na falta desta substituem uma piada inteligente por uma estória com monte de palavrões e baixarias de cunho sexual. Uma postura destas somente provoca radicalismo e ódio, no lugar de reflexão. O ódio leva à violência e como resposta provoca o ódio aos praticantes daquela religião, mesmo que seja apenas uma pequena parcela destes que concordem com a ação violenta.
    Uma revista que se coloca como "de esquerda", contra o "status quo" do mundo e contra o capitalismo, o que queria construir com isso? Se não fosse o contexto até suporia que foi encomendado pelos donos do mundo, que são aqueles que supostamente a revista se opõe, pois foram os que saíram ganhando com isso tudo. Afinal os chamados "ataques de falsa bandeira" - quando alguém se faz passar por outro para transferir a culpa da ação - são uma constante na história, como o incêndio do parlamento alemão nos anos 30 feito pelos nazistas para culpabilizar os comunistas, o planejamento da explosão do gasômetro no Rio de Janeiro por militares de extrema direita na época da ditadura para culpabilizar as guerrilhas de esquerda, ou mesmo os policiais infiltrados nas manifestações de 2013 para provocar quebra-quebra e colocar a opinião pública contra as manifestações. Se os opositores do poder não são ingênuos o suficiente para fazer este tipo de ações, o poder dominante se encarrega de fazê-los e colocar a culpa neles. Afinal, só vejo duas possibilidades para o objetivo do teor da publicação destas charges por essa revista: ou são politicamente ingênuos ou o objetivo deles é outro, apenas criar polêmicas para aumentar vendas. De um jeito ou de outro eu não sou Chalie.

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  2. Respostas
    1. Marcelo, gostei muito do seu texto. O caminho fácil normalmente é o menos recomendado. Todo mundo é Charlie, todo mundo é macaco, embora não saibam o que é isso, ou reforcem o preconceito. É o que acho estar acontecendo. Ser Charlie pode ser confundido com o apoio a este tipo de humor, ou com a liberdade de expressão do representante do poder capitalista de plantão. Também não sou Charlie (boa tirada a sua). Acho que tem que dizer mais coisas: não gosto deste humor pseudo intelectual e irreverente de Charlie e CQC; sou contra imprensa Veja e Globo; e, por fim, também sou contra esta forma de luta que utiliza outras armas que não são as mesmas do seu "agressor". Acho que o momento é mais de negação que afirmação.

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