Doses maiores

20 de fevereiro de 2018

A moda anticapitalista não é anticapitalista

“E se você organizasse um protesto e todos comparecessem?” é o título de um capítulo do livro “Capitalist Realism: Is There No Alternative?”. Ainda sem tradução do inglês, o livro do teórico e escritor britânico Mark Fisher procura mostrar como o que ele chama de realismo capitalista cria uma espécie de:

...atmosfera generalizada, condicionando não só a produção da cultura, mas também a regulação do trabalho e da educação, e atuando como uma espécie de barreira invisível que restringe o pensamento e a ação.

Há poucas coisas tão disseminadas no capitalismo como o anticapitalismo, provoca o autor. Um exemplo seria a animação “Wall-E”, da Disney/Pixar, de 2008:

O filme mostra um planeta Terra tão despojado que os seres humanos já não são capazes de habitá-lo. O filme não deixa a menor dúvida. O capitalismo e as corporações de consumo (...) são responsáveis por essa depredação. Os seres humanos exilados no espaço sideral são infantis e obesos, interagindo por meio de telas flutuantes, deslocando-se em cadeiras motorizadas e tomando uma bebida indeterminada em grandes copos (...). A sátira parece ser dirigida aos próprios espectadores do filme, o que levou alguns observadores de direita a condenar a Disney/Pixar por atacar seu próprio público. Mas esse tipo de ironia mais alimenta que desafia o realismo capitalista. Um filme como Wall-E exemplifica o que Robert Pfaller chamou de "interpassividade": o filme exerce o anticapitalismo em nosso nome, permitindo que continuemos a consumir impunemente.

Ou seja, se fosse convocada uma manifestação anticapitalista à qual todos comparecessem, muito provavelmente ela não representaria uma verdadeira ameaça ao capitalismo.

3 comentários:

  1. Quer dizer que o capitalismo absorve até o anticapitalismo? E aí, o que fazemos? Abraço.

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    1. Pois é. Mas acho essa perspectiva pouco dialética. Não há fenômeno histórico (talvez, natural também) que dê conta de todas as suas contradições e se renove indefinidamente. O que pode haver é um esgotamento do capitalismo sem que sejamos capaz de caminhar para algo melhor. Um anticapitalismo catastrófico. Barbárie, enfim.

      Mas o livro vale pelo alerta em relação à capacidade do capitalismo em assimilar os elementos que lhe são contrários. Na verdade, acho que se trata da luta no campo da contra-hegemonia, do bom e velho Gramsci.

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