Em sua última coluna na Folha,
Pasquale Cipro Neto citou o “Sermão de Santo Antônio aos Peixes", do Padre
Antonio Vieira, de 1654. No trecho em questão, Vieira desaprova o comportamento
canibal dos peixes:
Não só vos
comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo
contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande
para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem
pequenos, nem mil, para um só grande.
Depois de aproveitar o trecho para
discutir tempos verbais, Pasquale não resistiu a usá-lo para ironizar o atual
momento da política nacional.
Mas o sermão também serve para pensar
no atual estágio da história humana. Não se trata da desproporção entre grandes
e pequenos, porém. A ideologia que sustenta a ordem social vigente insiste em
afirmar que oferece chances de sucesso iguais para todos, graúdos e miúdos.
Mas é de vampirismo que se trata, não
de canibalismo. A riqueza acumulada pelo 1% mais rico da população mundial
equivale ao que possuem os 99% restantes. São números de um estudo da ONG Oxfam,
baseado em dados do banco Credit Suisse de outubro de 2015.
O problema é que para sustentar cada
peixe graúdo pertencente ao 1% de abastados, não seria necessária a exploração
do trabalho de cem, de mil ou um bilhão dos peixes menores.
O que torna o capitalismo tão repugnante
é que se trata do estágio da história humana em que nem mesmo todo luxo de
alguns poucos justifica tamanha miséria e exploração. Mais do que injustiça, é loucura.
Leia também: Capitalismo: desliga que é
melhor
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