Doses maiores

6 de maio de 2016

Ainda sobre o triste fim do PT combativo

Voltamos à triste tarefa de dissecar o cadáver do petismo combativo. Ainda acompanhados das contribuições do estudo “Uma esquerda para o capital”, de Eurelino Coelho.

Desta vez, abordando a burocratização que tomou conta do PT. Segundo Coelho:

Normalmente os postos burocráticos exercem certa atração exatamente pela possibilidade de assegurar vantagens materiais que não estão ao alcance do conjunto da classe. Sobre os ocupantes de tais postos, portanto, existe sempre a pressão no sentido de sobrepor os objetivos ligados às necessidades de reprodução da própria organização (de que dependem as suas vantagens pessoais) aos objetivos gerais de toda a classe...

Mas essa situação, diz o autor, poderia ser evitada “por formas de organização e por práticas que soldem a atividade da organização (...) com a experiência real vivida pela classe, suas lutas e suas vicissitudes”.

O grande problema no caso petista foi a prioridade que seus setores dirigentes dispensaram ao caminho eleitoral. Segundo o texto, o PT cresceu, ininterruptamente, em praticamente todas as eleições, entre 1982 e 1998. Resultado, o campo dirigente do partido:

...considerando as três esferas do Estado, seguramente ultrapassou, já em 1992, a casa da dezena de milhar de postos burocráticos remunerados ocupados por militantes profissionais.

Coelho alerta que “ocupar postos no Estado burguês, por si só, não implica romper os vínculos com a classe trabalhadora. Há inúmeros exemplos de participação de organizações revolucionárias em parlamentos”.

É verdade. Mas não são poucos os prejuízos políticos causados pela dependência das disputas institucionais. É o que prova nosso cadáver, que continua insepulto e cobrando diagnósticos que ajudem a evitar novos óbitos motivados pelas mesmas moléstias.

Leia também: A autópsia do PT combativo

6 comentários:

  1. Gostei desta e da anterior (zoopolítica) série de pílulas sobre um determinado assunto ou tema. Os comentários rápidos, as pílulas (importantes para uma leitura que praticamente impõe a internet) associadas a uma sequencia, conseguem pontear e aprofundar.
    Quanto ao livro citado, diz logo onde compro. Acho que essas pílulas estão mais para balcão de negócios. O anterior da família Marx já comprei. Abraço.

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    1. O livro é da Boitempo, mas dá pra achar a tese na internete.
      Valeu o comentário!

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  2. Isso lembra o texto do Bakunin:
    "Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada.

    Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana".

    Se há cargos remunerados permanentes, ou podendo ser indefinidamente prorrogados, haverá uma casta que deixará de lado os objetivos iniciais das entidades a que pertencem e só lutará pelos seus interesses particulares. Não é necessariamente uma mudança de forma de pensar dos que assumem os cargos, mas uma mudança de posição que provoca uma mudança de interesses e afeta suas ações. Isso vale não só para partidos políticos como também para qualquer movimento popular, sindicato, etc. O remédio para atenuar o problema seria forçar o rodízio, de forma a que ninguém se perpetuasse em cargo remunerado (e nem trocando de um cargo para o outro). Acontece que nenhum partido político funciona assim, e tenderá sempre a haver uma força contrária a implementar algo desta natureza por parte da direção corrente.

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    1. Concordo no geral. Só é bom lembrar que Bakunin fez das suas, formando, por exemplo, um grupo secreto que conspirava pelo controle da I Internacional. Ele também deu um golpe patético em Lyons, na França, determinando o fim do Estado emitindo um decreto que previa que ele e um pequeno grupo assumiriam o governo da sociedade local, prevendo a decapitação de qualquer um que questionasse seu anarquismo por decreto. Claro que ficou poucos dias “no poder”.
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      Abraço

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  3. É, o anarquismo me parece uma doutrina inviável. Não conseguem chegar ao poder (ou dissolver o poder como pode ser que prefiram chamar) e o pouco que conseguem construir se esfacela mais facilmente que a esquerda não anarquista. Para ele funcionar dependeria de um povo majoritariamente politizado, o que nunca tem sido verdade. Aliás, com um povo assim acho que qualquer doutrina funcionaria bem.


    Acho que o melhor que se pode buscar, sem cair em pura utopia, pegaria ideias de várias doutrinas, e não só doutrinas de esquerda. Tem-se a aprender também em pensamentos da direita, nem que sejam somente em críticas pontuais às esquerdas.

    Nunca li muito sobre Bakunin mas pela sua narrativa cai nas mesmas incoerências da maioria das esquerdas não-anarquistas.

    Aliás, fico até meio na dúvida que termo usar quando me refiro à esquerda que defenda um estado forte, e democrático. Não necessariamente ela é Marxista. E "Socialismo" é um termo que engloba também o anarquismo.

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  4. Não acho que a solução seja fazer um apanhado de ideias das várias doutrinas. Defendo que qualquer ação revolucionária precisa ser orientada por uma concepção de mundo que inclua valores democráticos e libertários. Para mim, a concepção que melhor aponta nessa direção é o marxismo. Mas nada impede, ao contrário, é até necessário, que os marxistas dialoguem com outras propostas que apontem na mesma direção , como o anarquismo (que realmente engloba o socialismo) e outras filosofias e ideologias críticas.

    Quanto a ideias da direita, estritamente falando, não temos nada que aproveitar nelas. São conservadoras e defendem uma sociedade hierarquizada e baseada na exploração. O que pode acontecer é que certas propostas que sejam defendidas hoje pela direita já tenham sido contestadoras. Por exemplo, a ideia de meritocrcacia hoje é utilizada para combater propostas redistributivas ou democratizantes e justificar a injustiça social. Mas a meritocracia já foi uma ideia revolucionária no combate a privilégios com base em hereditariedade, aristocracia de sangue etc. Mas já não é o caso sob uma sociedade baseada na competição desigual como a capitalista. E isso vale para outras propostas. Tudo o que a direita defende hoje aponta para o aumento da injustiça social e manutenção da ordem. Não serve.

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