“Bacurau”, de Kleber
Mendonça e Juliano Dornelles, tem se prestado a diversas interpretações. Consensual
mesmo seria seu caráter de resistência aos avanços da extrema-direita. Menos consensual
é definir o que simbolizaria a pequena vila do sertão pernambucano.
Bacurau é uma
comunidade digna e solidária, mas muito distante de qualquer abundância e
conforto. O poder comunitário é, na verdade, dominado pela velha política
encarnada no prefeito pilantra. Sua vigorosa unidade mostra-se vulnerável diante
de ataques de inimigos próximos ou distantes.
Visto dessa forma, aquele
lugarejo do agreste seria uma metáfora do Brasil governado pelos petistas.
E aí, surgem duas
leituras contraditórias entre si. Em um polo, os que interpretam o filme como
uma convocação à luta pela derrubada imediata do atual governo. No outro, aqueles
que o veem como um chamado à mobilização pela vitória nas próximas
eleições.
Para tentar compreender essa polarização e toda sua complexidade, Bárbara d’Alencar Dragão escreveu “Bacurau
e a esquerda anestesiada”, artigo publicado pelo portal Outras Palavras. Segundo ela, alguns podem ver o filme:
...como
distopia já em curso. Outros, como utopia catártica. Em comum, a incapacidade
para lidar com um real cada vez mais diferente do imaginado. O sintoma não está
na obra, mas na estranha recepção de boa parte do público.
Mas nem um e outro são
distópicos ou utópicos, diz ela. São “atópicos”:
Sem
lugar, em um mundo que os expulsa de dentro de si mesmo, mostrando que um dia
este mesmo mundo não fora completamente deles, conforme tinham imaginado.
É verdade, grande parte da esquerda ficou
sem lugar. Mas o restante também está sem chão. Esperemos que provisoriamente.
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Pois é, Sergio, muitas reflexões sobre o filme. A principal é no momento em que surge: derrota da esquerda e a vitória da extrema-direita. Neste sentido ele vem nos "redimir e nos vingar". Não colocaria ele nessa divisão do que a esquerda quer e espera para o momento atual. Ele é cartártico, quer cabeças rolando, quer uma revolta que remonta quase a uma revolução. Ele não está no plano das possibilidades, está no plano dos desejos. Acho que aí está o mérito dele, o de fazer arte sem pensar nas condições objetivas da luta de classes, e o demérito da esquerda (sabe que nem me passou pela cabeça e nem sabia disso) de pensar que ele possa representar o apoio a uma ou outra de suas táticas para o momento. Só mais um coisa, não acho que ele seja também uma metáfora para os governos petistas. Ele situa uma rejeição a algo mais amplo, que vem desde o coronelismo.
ResponderExcluirBom, eu continuo sem digerir o filme. Por isso, o apelo ao texto da Bárbara. Mas tem outro texto que vai mais na linha que você defende. É este aqui http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/592976-bacurau-e-um-filme-de-ataque-mesmo-que-involuntariamente. Quanto à metáfora do governo petista, ela é menos consensual mesmo, como está no texto. O jeito é continuar mastigando. Valeu!
ExcluirVendo a excelene pílula e os (idem) comentários, só posso dizer que este filme é bem instigante, o que me causa uma curiosidade ainda maior quanto a ele. Ainda não o vi, mas irei me oportunizar. Sei que a mastigação poderá durar muito tempo, mas um dia o digeriremos. Abração!
ResponderExcluirObrigado, Salete
ExcluirAbração!